Gabriel Parreiras (PRD), de 32 anos, avisa que participar ativamente do acordo de reparação que envolve a Vale e o governo do estado -  (crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press)

Gabriel Parreiras (PRD), de 32 anos, avisa que participar ativamente do acordo de reparação que envolve a Vale e o governo do estado

crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press

 

*Com Benny Cohen 

 

O município de Brumadinho, na Região Central de Minas Gerais, é marcado por dualidades. A população ainda sofre as consequências do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, operada pela empresa Vale, que causou 272 mortes e despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de lama na bacia do Rio Paraopeba em janeiro de 2019, provocando uma tragédia ambiental que entrou para a história como uma das maiores do país.

 

Por outro lado, a cidade abriga uma verdadeira joia do turismo mineiro: o Instituto Inhotim, maior museu a céu aberto do mundo, que abriga um acervo inigualável de obras de arte contemporâneas e paisagismo. A região montanhosa ainda conta com muitas atrações naturais.

 

Em meio a esse contexto de reparações e potencialidades, Brumadinho elegeu um novo prefeito em 2024, Gabriel Parreiras (PRD), com 12.149 votos, número que corresponde a 46,25% do total válido. Com 32 anos, ele atuou, por um mandato, como vereador da cidade. A notoriedade veio justamente após o rompimento da barragem, quando Parreiras atuou em apoio às vítimas na ONG Amigos de Brumadinho.

 

Em entrevista ao "EM Minas", programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e o Portal UAI, o prefeito eleito fala sobre os planos para alavancar o turismo local e para fazer com que os efeitos da tragédia sejam superados.

 

A campanha deste ano em Brumadinho foi polêmica, com muitas reviravoltas. Agora eleito, como o senhor sai desse processo e como será seu relacionamento com a Câmara Municipal, que é tão importante para a administração pública?
Atualmente, sou vereador em primeiro mandato. Fui para a eleição de prefeito e saí vitorioso. A relação com a Câmara precisa ser mais respeitosa e mais independente. Hoje, infelizmente, existe uma interferência muito grande do Executivo. A gente quer democratizar mais as coisas. Em relação às eleições, foram as mais duras do estado. A gente enfrentou um governo há muito tempo no poder, um governo poderoso, uma família poderosa. Dois meninos, né? Eu e o Guilherme (Morais, do PV), que foi o vereador mais votado da história de Brumadinho, decidimos encabeçar essa chapa de oposição. Caminhamos para mudar Brumadinho e, graças a Deus, o povo de Brumadinho escolheu a mudança.

 

 

O senhor é do Partido da Renovação Democrática (PRD), a mesma legenda que tentou lançar Pedro Aihara como candidato à Prefeitura de Brumadinho. Ele é deputado federal e atuou como bombeiro na tragédia, chegando até a transferir o título de eleitor para a cidade. Como foi o processo de desistência de Aihara e por que o seu nome acabou se fortalecendo?
O Pedro é um grande amigo. Realmente, houve essa cogitação, porque o nosso projeto não é um projeto de poder pessoal. Vários nomes foram ventilados. Nosso objetivo era que o nosso grupo pudesse estar à frente da mudança de Brumadinho. Na verdade, ele nunca chegou a ser oficialmente candidato, não. O Pedro era um soldado à disposição do nosso grupo, até porque, hoje, é deputado federal. Então, não seria uma decisão fácil para ele sair (do mandato) de deputado federal para disputar a prefeitura de Brumadinho. Então, seria uma possibilidade: se o nosso grupo escolhesse o Pedro como principal nome, ele, sim, estaria à disposição. Mas entendemos que não seria o momento do Pedro, que seria o nosso momento. O Pedro também entendeu que eu seria o melhor nome. O nosso objetivo nunca foi o de poder pessoal. A nossa ideia era (escolher) quem melhor representaria Brumadinho, quem representaria o nosso grupo, as nossas ideias e ideais. 

 

O que o senhor tem como meta? Quais são os seus planos para Brumadinho?
Transformar, literalmente. Mas o que é transformar Brumadinho? Hoje, a gente tem um governo que não é feito para cuidar das pessoas. Por exemplo: qual é a função do vereador? Todo mundo vai responder que é fiscalizar e legislar. Eu discordo totalmente. Acho que a função de representante é cuidar do povo, da maneira como ele conseguir. Se a gente está vendo que uma classe está sofrida, que um bairro está sofrido, que a população está sofrida, tem que pensar fora da caixinha. E foi o que eu fiz durante o meu mandato. As minhas maiores ações enquanto vereador fogem muito de fiscalizar e legislar. Quando Brumadinho realmente precisou de mim, eu estava ali, como cidadão, usando a representatividade do meu cargo, para mostrar que precisamos ajudar, precisamos criar juntos, precisamos estar do lado do povo. E é o que eu vou fazer agora, enquanto prefeito: eu já sei das necessidades. Sou frustrado, como vereador, porque eu poderia ter feito muito mais se tivesse uma parceria com o Poder Executivo, mas muitas das minhas iniciativas, por serem minhas, eram minadas pelo Poder Executivo. E, hoje, sabendo dos problemas e tendo o poder das soluções, eu afirmo, sem dúvida nenhuma, que nós vamos fazer a melhor gestão da história. Não tem nada de gigantesco: nós vamos fazer centenas ou milhares de ações médias, todas possíveis, que vão mudar totalmente a cidade.

 

 

De qualquer maneira, o vereador tem a tarefa fundamental de legislar, até para mudar as leis do município para melhorar a cidade.
Mas são funções básicas. Eu acho que um bom representante não pode parar só no que ele tem que fazer: ele tem que focar no que ele precisa fazer. Ele precisa realmente cuidar do povo. Às vezes, só legislar e fiscalizar vai ficar muito limitado. Nós vamos ter um diálogo muito próximo (com a Câmara Municipal).

 

O senhor teve uma atuação marcante durante a tragédia de Brumadinho, inclusive fundando a ONG Amigos de Brumadinho. Foi aí que o seu interesse pela política começou?
Não entrei na Amigos de Brumadinho por política, mas a Amigos de Brumadinho me fez político. Eu explico: no dia do rompimento, perdi uma das pessoas que mais amava, um monte de amigos, vi a cidade devastada. Precisava fazer alguma coisa. Tinha alugado um galpão, que era para ser uma loja minha. Essa obra iria começar três dias depois do rompimento. Cancelei as obras e coloquei uma faixa lá: "pegue o que precisar e deixe o que puder". Fiz uma compra de R$ 1 mil no supermercado local, saí para doar a metade e deixei o resto na loja. Fui doar, fui tentar ajudar da forma como encontrei, fui cuidar do povo. Na hora em que eu voltei, tudo o que tinha deixado na loja já não estava lá, mas tinha mais que o dobro. E, ali, as pessoas começaram a acreditar. Foram sete dias com a loja aberta 24 horas, população chegando, voluntários chegando, donativos chegando, gente querendo ajudar. As pessoas doando tudo mesmo, sem nenhum recurso do poder público, só o povo ajudando o povo. A gente desenvolveu 19 ações sociais em seis meses, reconstruímos cinco casas, doamos centenas de alimentos, proporcionamos 15 cursos de qualificação sem nenhuma ajuda do poder público. Então, falo que a Amigos de Brumadinho me fez político, porque pensei: "Não é justo que meu povo tenha que sofrer tanto". Eu via que, se a gente tivesse um poder público mais preocupado em cuidar do povo, o povo não precisava estar sofrendo tanto. Em 2019, tinha 27 anos, se não me engano. Não era justo que a gente tivesse que cuidar do povo sem experiência nenhuma, sem recurso nenhum, era totalmente voluntário. Então, aquilo me fez ter o olhar de querer cuidar.

 

Na sua avaliação, Brumadinho, hoje, está pior do que seis anos atrás?
Paira sobre a nossa cidade a insegurança. Quem falava, cinco meses atrás, que sabia como Brumadinho estaria 10 anos para frente, estava mentindo. A insegurança estava consumindo. A gente vê, hoje, uma Brumadinho mais perigosa, mais suja, mais feia, com menos incentivos. Isso tudo não é opinião, isso tudo é fato. Pode perguntar para qualquer um dos brumadinhenses se a cidade está melhor ou pior do que em 2019: a gente não via nenhuma luz no fim do túnel. É a cidade que eu amo, é o povo que eu amo, mas, hoje, infelizmente, com dor no coração, a gente tem uma cidade feia e uma população adoecida.

 

 

Qual é a relação disso com a tragédia?
Isso tem 100% de relação com a tragédia. (A população sofre com) um adoecimento mental provocado pela morte de 272 pessoas, dos nossos. Imagina (o que representam) 272 pessoas em uma população de mais ou menos 40 mil habitantes? Estamos falando de mais de 0,5% da população assassinada de uma vez. Imagina o parentesco dos familiares, dos primos, dos amigos, dos colegas de trabalho... A população adoeceu mentalmente com isso. E, para além do efeito direto, têm os (efeitos) indiretos: da insegurança, de como é que vai ser Brumadinho quando esse PTR (Programa de Transferência de Renda) acabar: a Vale vai ficar ou a Vale vai sair? Vai ter emprego para todo mundo ou não vai? A arrecadação vai continuar ou vai cair? Então, a população vem adoecendo e, isso, a gente pode comprovar pelo consumo de ansiolíticos em Brumadinho: mais que triplicou de 2019 para cá. E a gente sabe que os ansiolíticos são remédios para a ansiedade, para depressão. Por esse número, a gente já consegue ver essa população adoecida. E aí é onde fica um pouco da nossa revolta pela omissão, tanto da empresa quanto do estado e do acordo. A gente precisa colocar Brumadinho no ponto focal do acordo de reparação, lembrar que tudo aconteceu em Brumadinho, que só existe um acordo de reparação por Brumadinho, por conta de Brumadinho. Quando a gente pensa que R$ 1,5 bilhão está indo para Brumadinho, algumas pessoas elogiam, mas o acordo foi de R$ 37 bilhões. Então, nós estamos falando de um percentual de menos de 5%.

 

Isso foi agravado por algum tipo de ausência da Vale e do governo do estado?
Acho que a gente pode atribuir a culpa a três responsáveis: estado, Vale e prefeitura. Cada um tem a sua parte. Ah, mas o acordo de reparação foi traçado entre instituições de justiça, a Vale e o estado. Mas, se eu fosse o prefeito à época, não ficaria de fora de jeito nenhum, exigiria a minha presença. É inadmissível que exista um acordo para se tratar de Brumadinho e Brumadinho não tenha representatividade. Como eles vão falar o que é melhor para a minha cidade? Quem sabe o que é melhor para a minha cidade sou eu, eu é que sou o prefeito. Então, Brumadinho vai começar a ter representatividade e voz. As pessoas vão me ver sentado com a Vale, vão me ver sentado com o estado. Mas não é para fazer acordo para mim, não. É para resolver os problemas de Brumadinho. Só tem um jeito de resolver: vai ser na cobrança, na conversa, vai ser no diálogo, vai ser enfrentando frente a frente. Quando eu falo brigar, estou falando de uma briga por Brumadinho, não estou falando de uma briga corporal, não. Estou falando de uma briga na justiça, uma briga para defender os interesses do povo.

 

Mas o acordo já foi fechado. Ainda há alguma brecha para negociar?
A gente tem, por exemplo, obras de reparação que não vêm acontecendo e que a população não sabe delas. Para que se tenha uma ideia, o Centro de Brumadinho vai ser revitalizado. Eu, enquanto vereador, pedi acesso ao projeto três vezes: tanto a prefeitura quanto a Vale negaram. Tive que recorrer ao Ministério Público, que ainda não me deu o parecer. Ou seja, está tudo muito obscuro. Eu, enquanto vereador, não consegui ter acesso ao projeto de reparação do Centro da cidade. Ficava envergonhado. Quando as pessoas me pediam informações sobre como vai ser o Centro, respondia que já tinha pedido informações e as pessoas não me davam. Com essa transparência, também vamos colocar luz onde está obscuro. E o que não fizer sentido para Brumadinho, dentro do que foi escolhido, o prefeito vai trocar.

 

 

Há um lado, até polêmico, que a tragédia, por pior que tenha sido - e foi terrível, lançou luz sobre Brumadinho.
De uma maneira muito ruim. Isso me dói muito. Imagina que estou viajando, me perguntam de onde sou e eu falo: de Brumadinho. Qual vai ser a primeira pergunta que esse cara vai me fazer? (Foi) lá que aconteceu o crime da Vale? Como está a cidade? Imagina todos os meus cidadãos respondendo isso diariamente. Não tem um dia em que o cidadão de Brumadinho não fale a palavra Vale. Me dá uma raiva saber que essa empresa provocou isso tudo em Brumadinho e que a reparação não está sendo feita minimamente. Reparar, eles nunca vão conseguir, não vão conseguir o que a gente mais queria, que são as 272 vidas (de volta). Então, a gente precisa mudar essa imagem para mostrar que Brumadinho não pode ser a cidade onde a Vale matou 272 pessoas. A gente precisa extrair o que a gente tem de melhor. A gente só não está destruído porque o povo de Brumadinho é o mais resiliente do mundo, é o mais amoroso do mundo, é o mais receptivo do mundo. É o melhor povo. Faço o convite: quer ajudar Brumadinho? Então, comece a nos visitar. Visite as nossas cachoeiras, os nossos restaurantes, as nossas pousadas, o Inhotim. O nosso governo vai desenvolver muito o turismo.

 

Isso tudo ajuda a movimentar novamente a economia.
Vai fazer quase seis anos, a gente está aqui para falar do futuro, mas em metade da entrevista a gente tem que falar da Vale. Está vendo o quanto isso revolta? Tinha tanta coisa legal (para dizer), mas, infelizmente, eles me obrigam a falar disso, porque ainda é o nosso maior problema. O prefeito de qualquer outra cidade vai ter que se preocupar com segurança, com educação, com iluminação pública, com esgoto, que são os problemas comuns. Hoje, tenho todos esses problemas em um cestinho, mas tenho um cestinho muito maior, de efeitos do crime da Vale. Ninguém passa por isso que estamos passando, mas estamos muito preparados para resolver esses problemas. Para falar em ajudar Brumadinho, as pessoas precisam conhecer: Brumadinho tem quase duas vezes a extensão territorial de BH. Às vezes, as pessoas acham que Brumadinho acabou, ainda existe essa ignorância, e não. Infelizmente, o efeito maior foi nas pessoas que estavam dentro da Vale no momento (do rompimento da barragem). A Vale matou as pessoas que estavam ali trabalhando, que estavam no refeitório. Mas, em Brumadinho, a lama não chegou devastando casas. A gente teve um efeito de casas (destruídas) no Córrego do Feijão e no Parque da Cachoeira, principalmente, mas o Centro de Brumadinho permanece intacto do ponto de vista imobiliário, e as áreas rurais também. Então, a cidade, no aspecto visual, é a mesma, e as pessoas podem visitar Brumadinho, porque, às vezes, as pessoas têm essa imagem de que Brumadinho virou lama, e não, não é isso.

 

E o Inhotim? Acontece de pessoas visitarem o museu e deixarem de conhecer a cidade?
Demais. E olha que legal: antes de assumir, já tive uma reunião com o Bernardo (Paz), sócio-fundador do Inhotim. A gente já fez algumas parcerias. Olha que coisa mínima e legal: todas as praças de Brumadinho, a partir de janeiro, já vão ter a cara do Inhotim. Por que a gente tem a coisa mais bonita do mundo, que é Inhotim, dentro de Brumadinho, que é uma cidade feia? Por que eu não sugo essa beleza do Inhotim para dentro da minha cidade? Então, quero essa beleza do Inhotim, não em uma redoma, quero que a redoma seja Brumadinho. Quero que Brumadinho tenha a beleza de Inhotim. Que você passe por Brumadinho e sinta o mesmo prazer de estar caminhando pelo Inhotim. Quando você chega a uma praça, que essa praça seja turística.

 

 

Como se fosse uma extensão do museu?
Isso, exatamente isso. Para Brumadinho ser uma cidade turística. A atração não precisa ser o museu, pode ser a cidade. Quando a gente vai, por exemplo, a Ouro Preto, não se prende a um local. Você vai às igrejas, aos restaurantes, às cachoeiras, é assim que funciona e é o que quero fazer em Brumadinho. Para além disso, vamos extrair, no mínimo, três obras grandes (do Inhotim) e espalhar pela nossa cidade. Imagina que você e sua família foram lá no Inhotim e vão ficar dois, três dias em Brumadinho. Saíram do hotel, foram a uma praça, vão descansar, tomar um sorvete, aí, depois, vão a uma obra do Inhotim que é fora do museu. Então, vocês vão visitar a minha cidade, e a minha cidade é muito grande. Imagina colocar uma obra dessas em uma comunidade quilombola. Você vai lá, alguém vai vender um pano de prato, vai ter alguém que vai vender uns quitutes, vai ter alguém que vai fazer um artesanato. Com uma obra dessa, fomento o mercado local, mais do que ele já foi fomentado na história. Concorda comigo que não é impossível? E o dono do museu falou: "Que bom que você veio com essa proposta". Era um sonho dele, mas nunca tinha tido interesse dos gestores municipais. E, agora, o meu sonho é compartilhado com o dele.

 

E quanto aos acessos à cidade? A situação das estradas precisa ser melhorada?
A gente precisa melhorar muito. O nosso acesso não era ruim há 20, 25 anos para um (número) X de pessoas que frequentavam a nossa cidade. Hoje, a gente quase duplicou isso, e é o mesmo acesso. Hoje a gente divide muito (o percurso) com caminhões, com carretas, com quebra-molas, então não está legal. A gente precisa ampliar isso, mas com obras com coragem, porque são obras na casa de centenas de milhões de reais. Então, vão ser obras que a gente precisa fazer. Lembra quando eu falei sobre reparação, de obras que não fazem sentido? Já que a gente tem R$ 1,5 bilhão, esse dinheiro só vem uma vez. Então, esse dinheiro precisa ser muito bem investido, para que ele faça a sustentabilidade do município no futuro. Se eu gastar esse dinheiro com bobagens agora, como é que eu vou fazer essas obras milionárias depois? E aí que está: o que não fizer sentido para Brumadinho, não vai ter. Transformar Brumadinho em uma cidade turística vai vir desse acordo: os nossos acessos, a nossa segurança, a nossa educação, a nossa saúde...

 

Há uma linha férrea que passa a cerca de 100 metros da entrada do Inhotim. Uma ligação ferroviária para a cidade está nos planos?
É um sonho, mas a gente precisa entender mais da parte de lei com a MRS (empresa de logística e transporte ferroviário), com a própria Vale, a extensão da linha, ver se a gente tem colocar um novo trem, como é que funciona. Em uma legislatura para trás, uma vereadora tentou fazer. Existe a possibilidade, mas existem algumas condicionantes. Mas é um sonho nosso. Não quero falar que a gente vai fazer, porque carrego comigo o mérito de ter cumprido tudo que eu falei (que iria fazer) até hoje. Então, se eu falar que vou botar o trem de passageiros dentro de Brumadinho, vou fazer. Como a gente não sabe de todas as condições, vou deixar como um sonho: nós vamos tentar.

 

O que a prefeitura pode fazer para que a cidade nunca mais passe pelo que passou na questão da mineração?
A gente deseja que haja um controle interno de fiscalização de barragens. Hoje, a gente depende de um órgão que tem seis, sete fiscais para fiscalizar todas as centenas de barragens do município. Não é suficiente. Então, a gente quer fazer, paralelamente, em conjunto com eles, um órgão do próprio município, para que a gente tenha uma fiscalização realmente precisa.

 

E isso é legal? É possível?
É legal, é possível, mas vai ser em conjunto. O órgão municipal vai ter contato com o órgão estadual para que a gente possa fazer (isso). Mas não dá para aceitar mais que a gente dependa deles.

 

 

Há outras ações que a prefeitura pode desencadear?
Cobrar que a lei seja cumprida. Hoje, a gente não pode ter mais barragens da forma como era aquela que se rompeu em Brumadinho (a montante). Então, a gente tem que cobrar que essas barragens sejam descomissionadas. Isso é uma ação que a prefeitura pode cobrar, e vai cobrar.

 

Neste domingo (27/10), ocorre a eleição, em segundo turno, para prefeito de Belo Horizonte. Seu partido, o PRD, está apoiando algum dos candidatos?
O partido, o PRD, caminha para apoiar o Fuad (Noman, do PSD), mas eu, enquanto prefeito de Brumadinho, limito minha participação a Brumadinho, porque não quero dividir a minha população. Se eu falar "vou apoiar o Fuad", posso entrar num governo do Engler, e vice versa. O meu problema é tão grande que eu não posso me dar ao luxo de olhar para o exterior de Brumadinho, preciso focar na minha casinha.

 

Como é, hoje, a relação de Brumadinho com Belo Horizonte?
Brumadinho viveu sempre numa bolha muito grande, porque o prefeito de Brumadinho não fazia essas relações intermunicipais. Hoje, o prefeito de Brumadinho tende a criar, cada vez mais, essas relações intermunicipais. A gente já se reuniu com os prefeitos de Bonfim, de São Joaquim de Bicas, de Ibirité, de Betim, e a gente vai assim. Acredito muito que precisa ter esse diálogo, que as prefeituras podem e devem se apoiar.

 

Vocês estão buscando soluções comuns?
Por exemplo, para Betim: acredito muito que a gente possa ter uma linha intermunicipal de ônibus gratuita. Acho que não vai onerar para nenhuma das duas partes e pode fomentar tanto o turismo em Brumadinho quanto o comércio em Betim. Acho que pode ser totalmente possível. E essa é uma mínima ação. A gente tem o (novo) anel rodoviário, que vai cortar Betim e vai cortar Brumadinho. Os prefeitos precisam conversar. É uma obra bilionária, então, tem que ser uma obra que vai ser eficaz para Brumadinho, para Betim e para toda a região. Todas essas obras megalomaníacas, essas obras grandes, elas não passam, elas não têm escuta de quem mais entende das cidades. Então, elas nunca são obras feitas para beneficiar as cidades, são obras macro, para beneficiar um todo. Mas eu acho que dá para beneficiar o todo e também a minoria. Acho que dá para beneficiar o estado e também as cidades, mas tem que ter escuta. Então, esse é o relacionamento que a gente está fazendo.

 

 

Como é o relacionamento de Brumadinho com o governador Romeu Zema, que teve participação no acordo com a Vale?
Quero iniciar essa aproximação o quanto antes. Já pedi uma reunião, uma agenda com o governador. Acho que nós precisamos sentar, nós dois, numa mesa, para eu falar assim: "Esses aqui são os problemas, essas aqui são as soluções que vocês encontraram, isso aqui não tem solução". Agora, a gente tem que pensar um pouco com o governador e entender como a omissão do (antigo) prefeito pode ser responsabilizada nisso. O governador tem que cuidar dos problemas dos 853 municípios do estado. A partir do momento em que ele fez um acordo de reparação, na cabeça dele, entende-se que o problema com Brumadinho está resolvido. Se não tiver alguém para falar "opa, não está resolvido, não. Isso que vocês pensaram não deu certo, está errado, a gente precisa pensar, precisa ser remodelado", talvez ele nem saiba da situação real de Brumadinho. Talvez por uma falta de interesse dele, mas talvez por falta de ser questionado: "Você sabe qual é a situação de Brumadinho?" Porque eu não me lembro qual foi a última vez em que o prefeito atual de Brumadinho sentou com o governador. Essa (falta de) aproximação eu não permito, eu não aceito. Fico lá sentado na porta da sala dele duas, três horas, mas ele vai ter que me atender no mínimo uma vez por mês. Brumadinho precisa da atenção do estado, do presidente, quero sentar com todos.

 

O senhor vai procurar o presidente também?
Já pedi para procurar. Quero conversar o quanto antes. Brumadinho foi a cidade que sofreu com o maior crime ambiental da história do nosso país, que vitimou 272 pessoas. Não é um favor que eles estão fazendo para a gente, não: o estado e a união têm a obrigação de cuidar da minha cidade. Se a gente for pensar, o que a gente viu o estado e a união fazendo de grande? Só que eu não posso deixar que isso seja uma iniciativa deles, preciso estar lá provocando, falando: "Brumadinho precisa de vocês, Brumadinho precisa de vocês". E é isso que eu vou fazer, vou incomodá-los até a gente resolver o problema.


O problema é dinheiro?
Acho que é mais boa vontade. E quando eu falo em boa vontade, dá a impressão de que eles não estão querendo resolver o problema, mas talvez seja boa vontade daqui para lá, seja boa vontade municipal para com o estado e para com a união. Porque, gente, o problema do presidente é cuidar do país, o do estado é cuidar de 853 municípios. Então, eles não vão conseguir pensar em Brumadinho 24 horas mesmo. Como eu, que tenho "só" os problemas de Brumadinho para cuidar, eu tenho que ficar lembrando: "Olha, vocês estão em débito com a cidade, vocês estão em débito com a cidade". Quando eles souberem das soluções que eu tenho para apresentar, para nível de Brumadinho, nós estamos falando de muito dinheiro. Mas, para nível de estado e nível de união, não, estamos falando de uma canetada.

 

O acordo com a Vale foi bom?
Para Brumadinho, não. Acho (que foi) um acordo feito às escuras, sem a participação da população, sem a escuta da população. E parem de falar de R$ 1,5 bilhão para Brumadinho, enchendo a boca que isso é muito dinheiro. O acordo é de R$ 37 bilhões. O acordo se chama Acordo de Reparação de Brumadinho. Como é que, de R$ 37 bilhões, R$ 1,5 bilhão vai para Brumadinho? Como é que tem seis anos e nada desse acordo foi colocado na minha cidade? Por que essa demora? Ah, mas a lei trava isso, a lei trava aquilo. Lei quem faz é político. Cria uma emenda, altera a lei, muda. Cria uma condição dessa, olha só: "Considerando uma cidade que sofreu um crime ambiental, tal lei está desconsiderada". Dá uma celeridade para as coisas. A minha população está sofrendo, está doente. Então, esse trâmite entre estado e união nós vamos fazer, tenho certeza. Estou muito ansioso para começar a nossa gestão. Porque, hoje, falo como prefeito eleito, não falo como prefeito (em exercício). A partir do dia 1º de janeiro, serei prefeito. E, aí, eu quero poder assinar por Brumadinho. Nós já estamos trazendo iniciativas. Se você me permite falar sobre turismo, vou sentar com duas empresas de balonismo para levar para Brumadinho. E as empresas têm interesse. O município tem os terrenos, posso dar a isenção de impostos, é só conversar. Concorda que é uma iniciativa com a qual eu posso desenvolver, cada vez mais, o meu turismo? É o meu sonho colocar uma empresa de balonismo em um lugar na minha cidade: de um lado, há uma represa da Copasa, que abastece BH, então, é gigantesca, chama-se Sistema Rio Manso; do outro lado, é o Inhotim. Então, imagina o balão sobrevoando aquilo: é maravilhoso. É isso que a gente precisa trazer. Não posso deixar que só o Inhotim seja responsável pelo turismo do município, não. Preciso que você vá para ficar dois, três dias. Outra coisa que a gente vai fazer: já estamos em contato com um rapaz lá de Lavras Novas (distrito de Ouro Preto), que tem aquelas motos, os quadriciclos, os UTVs(veículos utilitários multitarefas). Quero trazer uma empresa igual àquela, só que de ecoturismo, para que você ande com a sua família. Se você quiser plantar uma árvore no meio do caminho, você planta, mas, se não quiser, a empresa tem a responsabilidade de plantar, com o nome da sua família, e, quando você voltar, daqui a 10 anos, a sua árvore estará lá. A gente vai desenvolver isso tudo com parcerias com o Inhotim. Ações mínimas: quanto gastei nessas duas ações de dinheiro do município? Nada. É só abrir as portas, é só falar: "Brumadinho está de portas abertas para receber vocês". Todo mundo quer vir.

 

Toda a ação que for feita por Brumadinho ainda será pouco?
É exatamente isso. E a gente ainda tem uma luta, a maior delas, que é pelo processo criminal. A gente precisa que essas pessoas sejam responsabilizadas. Não é justo que elas matem 272 pessoas.

 

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Para Mariana ficou ainda pior, pela demora, não? Em Brumadinho, onde o desastre ocorreu depois, o acordo judicial saiu antes.
Quando o crime da Vale completou um ano, estava em um evento no Mineirão, para 50 mil pessoas, para falar de Brumadinho. E falei que Mariana serviu de alerta para Brumadinho, e a gente não ouviu. E Brumadinho tinha que servir de alerta para outras cidades. Tenho medo de a nossa voz não estar ecoando o suficiente. Tenho medo de ver mais Brumadinhos e mais Marianas. A gente não pode deixar que outras pessoas sofram a mesma dor que a nossa.