Enquanto o céu de Belo Horizonte continua a ostentar seu azul límpido e sem sinal de chuva significativa, a cidade já se prepara para os desafios do período chuvoso, previsto para os meses de outubro a março. Ontem (30/9), uma força-tarefa iniciou ações preventivas na Avenida Vilarinho – uma das mais problemáticas da capital quando o assunto é alagamento. O trabalho inclui a desobstrução de córregos e bueiros ao longo dos 6,5 quilômetros da via, que atravessa a Regional Venda Nova.
A ação preventiva, coordenada pela Defesa Civil, Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), Zoonoses, Vigilância Sanitária, BHTrans e a Coordenação Regional de Venda Nova, tem como objetivo evitar que o cenário caótico das inundações de anos anteriores se repita. Além do mutirão de limpeza, a operação, que se estende até sexta-feira (4/10) e está prevista para ser replicada também em outras regionais, inclui orientações à população sobre a importância do descarte adequado de lixo. "Durante esta semana, nossa ideia é orientar moradores e comerciantes sobre o descarte correto do lixo e a importância de agir antes e durante as chuvas", explica Clarício Tolentino de Aguiar, gerente Regional de Limpeza Urbana de Venda Nova, em entrevista ao Estado de Minas.
Com o aumento de extremos climáticos, o risco de enchentes se agrava a cada ano. A impermeabilização do solo, o assoreamento dos córregos e a disposição inadequada de lixo em vias públicas, especialmente em regiões como a da Avenida Vilarinho, têm sido apontados como fatores que pioram a situação. Somam-se a isso as mudanças climáticas, que têm aumentado a intensidade das chuvas e a frequência de eventos extremos. A ação iniciada ontem, conforme a Defesa Civil de BH, é uma forma de preparar os cidadãos para o início do período chuvoso, a partir de medidas de autoproteção e proteção comunitária. A recomendação é para que a população esteja atenta aos alertas preventivos do órgão enviados pelo canal público no WhatsApp.
A operação também colocou na mira o descarte irregular de lixo, crime ambiental passível de multa de até R$ 5 mil. O desrespeito ocorre principalmente em áreas desocupadas, esquinas pouco movimentadas e córregos, locais que agravam os problemas de drenagem urbana e favorecem as inundações. Arimar Lopes de Souza, fiscal de controle Urbanístico e Ambiental da PBH, aponta que a fiscalização mais rigorosa implantada pela prefeitura resultou em uma redução expressiva nas ocorrências de descarte irregular. “Já é possível notar uma mudança positiva”, afirmou. Embora Souza destaque que a conscientização da população ainda precisa avançar, ele observa menos resistência ao diálogo, com as pessoas mostrando maior compreensão sobre a importância de manter os espaços públicos limpos, reflexo, para ele, de uma fiscalização mais eficaz.
CONSCIENTIZAÇÃO NAS ESCOLAS
A operação de ontem também envolveu ativamente a comunidade escolar. A Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, em Venda Nova, é uma das que participa das atividades ao longo desta semana, com os alunos acompanhando de perto as ações de prevenção nas ruas. Para os professores Luiz Gonzaga da Rocha, de 61 anos, e Fabiana Fabiane Silva, de 48, incluir as crianças em atividades como essa é mais que um gesto pedagógico: é uma forma de conscientizá-las a se prevenir durante o período chuvoso. Eles ressaltam que o aprendizado vai muito além das paredes da sala de aula.
Segundo os educadores, a conscientização e a mudança começa nas gerações mais novas. “Acreditamos que quando os alunos conversam entre si, a mensagem se espalha de forma mais eficaz. Portanto, fazemos esse trabalho com e para eles. Estamos vivendo um momento de mudanças climáticas, e temos esperança na nova geração, que tem um papel fundamental na construção de um futuro melhor. É essencial que a educação prepare esses jovens para os desafios que estão por vir”, afirma o professor Luiz. A ideia agora é que os alunos desenvolvam um documentário que será compartilhado com outras escolas. “Nossa intenção ao trazer os estudantes da instituição de ensino é promover reflexões sobre a importância da prevenção”, completa.
PREPARAÇÃO
O trauma causado pelas inundações ainda é muito presente na memória dos moradores e comerciantes das regiões afetadas. Para quem vive nos arredores da Avenida Vilarinho, a aproximação do período chuvoso traz um misto de receio e expectativa. Claudio Augusto Dacil, de 65, proprietário de um pequeno comércio de artigos variados, os popularmente conhecidos como “topa tudo”, conhece bem as águas violentas que descem da Vilarinho. Há 22 anos ele trabalha na região e, nesse tempo, já viu seu estoque ser arrastado pelas enxurradas mais de uma vez.
Para Dacil, o sentimento de insegurança e vulnerabilidade é constante. "Sofri e ainda sofro. Já perdi tudo em alagamentos na Avenida Vilarinho. Não me sinto seguro", diz. Mesmo após a construção da bacia de contenção, que promete reduzir os impactos das chuvas, ele mantém sua desconfiança e adotou por conta própria medidas para impedir a água de destruir seu estabelecimento. "A obra da bacia amenizou a situação, mas ainda tenho medo do período chuvoso. Construí uma parede adicional para conter as águas, e agora ela só entra no meio e em menor quantidade. Além disso, comprei algumas comportas e espero que isso ajude este ano”, afirma.
O também comerciante Pedro Victor Delamura Alves, de 38, compartilha da mesma apreensão. Filho do fundador de uma loja especializada em peças automotivas, inaugurada há 35 anos na Avenida Vilarinho, ele cresceu assistindo à luta de seu pai contra as inundações. “Hoje em dia, após a nova obra, a situação melhorou bastante, mas já tivemos prejuízos significativos. Perdemos muita mercadoria, especialmente peças metálicas que enferrujam e precisam ser descartadas ", comenta. Para minimizar os danos, a loja implementou algumas medidas, como elevar as prateleiras e manter os produtos mais valiosos em locais mais altos. “Embora os prejuízos tenham diminuído em comparação ao passado, ainda enfrentamos dificuldades. Sempre que há enchentes, precisamos parar para limpar e reavaliar as peças, afirma.
EFEITOS DAS OBRAS
Ele, no entanto, acredita que as obras em andamento ajudarão o cenário deste ano. “Nas últimas chuvas fortes, a situação não foi comparável ao que vivemos antigamente. Embora ainda tenhamos problemas, a nova estrutura está fazendo a diferença”, afirma. Iniciadas há três anos, as obras dos reservatórios subterrâneos para macrodrenagem dos córregos Vilarinho, Nado e Ribeirão Isidoro estão na terceira fase. A conclusão dos trabalhos está prevista para 2025, mas, até lá, a Prefeitura de Belo Horizonte afirma que as bacias já têm funcionalidade neste período chuvoso. Finalizadas, o sistema terá capacidade total para reter até 230 milhões de litros de água das chuvas.
Residente na região desde 2022, Alexsandro Drummond, de 42, enfrentou logo no primeiro ano uma das piores chuvas de dezembro, que alagou seu quintal e destruiu ferramentas guardadas em um cômodo nos fundos de sua casa. “Perdi muitas ferramentas que estavam guardadas em um quartinho, que se alagou completamente", lamenta. Entre eles, há ainda um clamor por melhorias na infraestrutura de drenagem e programas de conscientização sobre prevenção.
Nos últimos dois anos, após a construção da bacia, ele avalia que a situação melhorou. “A água ainda chega a inundar, mas escoa mais rápido. Uma vez, tive que deixar meu carro na rua enquanto ia buscar meu filho, pois o acesso estava interditado devido ao alagamento”, relatou. Mas o receio persiste. “Não chove há algum tempo, e estamos incertos sobre como será a situação. A prefeitura fez um bom trabalho e a água está escoando mais rapidamente, mas a preocupação persiste ", diz.
Essas histórias se repetem ao longo da Avenida Vilarinho e em outras regiões de Belo Horizonte historicamente atingidas por inundações. A tragédia vivida na virada do ano ainda está fresca na memória de Ryan Gonçalves Nicolau Ramos, de 21, morador do Bairro Glória, na Região Nordeste da capital. Naquele dia, uma tromba d'água invadiu a casa onde ele vive com a avó e o tio.
A prefeitura executa obras também nos córregos Olaria e Jatobá, no Barreiro, e a implantação de uma bacia de detenção com capacidade para 110 milhões de litros para reduzir os alagamentos na Avenida Teresa Cristina. Para reduzir ainda mais o risco de alagamento na Teresa Cristina, estão sendo investidos R$ 66 milhões na nova bacia de contenção do Córrego Ferrugem, com capacidade para 274 milhões de litros de água, prevista para ser entregue no primeiro semestre de 2025. Já na regional Leste, a instalação do sistema de macrodrenagem do Córrego Santa Inês, local de frequentes alagamentos no bairro homônimo, está prevista para terminar até o fim deste ano. Outras 61 obras de contenção de encostas estão em andamento na cidade.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho
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