Uma imagem sacra feita de gesso despencou dos céus e se tornou a padroeira de uma cidade de Minas Gerais. Neste terceiro episódio da quarta temporada da série especial Sabia Não, Uai!, do Estado de Minas, vamos contar essa história real, ocorrida no fim dos anos 1940, em Catas Altas da Noruega.

 

 

Na tarde de 29 de julho de 1949, o avião cargueiro Curtiss Commando C-46 seguia sua viagem do Rio de Janeiro para Belém (PA), quando enfrentou uma falha crítica em um de seus motores. Temendo um acidente iminente, os pilotos decidiram aliviar o peso da aeronave.

 




A decisão foi jogar fora a carga transportada, incluindo diversos objetos, entre eles imagens religiosas, como as de São Francisco, do Sagrado Coração de Jesus e a de Nossa Senhora das Graças que despencou sobre uma árvore em Catas Altas da Noruega. Com cerca de 50 centímetros de altura e feita em gesso, a imagem da santa saiu ilesa da queda do avião.

 

Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A Press - 10/7/1954 - O avião cargueiro C-46, de onde a imagem da santa e outros objetos foram atirados para evitar um acidente
Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A Press - 10/7/1954 - O avião cargueiro C-46, de onde a imagem da santa e outros objetos foram atirados para evitar um acidente
Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A Press - 10/7/1954 - Moradores de Catas Altas da Noruega passaram a chamar o caso de "O milagre de Nossa Senhora das Graças"
Beto Novaes/EM/D.A Press/Reprodução - Festa de Nossa Senhora das Gracas em Catas Altas da Noruega

 

Presente do céu 

Depois da queda, a história começou a ganhar outras proporções – uma mistura de fatos e fé. O padre Luiz Gonzaga Pinheiro, recém-chegado à comunidade e ansioso por presentear os fiéis durante as festividades do Dia de São Gonçalo do Amarante, celebrado em 10 de janeiro, teria encomendado uma estátua semelhante à que caiu do avião cargueiro. Porém, a imagem encomendada a um fiel que teria viajado a Belo Horizonte, não chegou a tempo da celebração.

 

O padre Luiz Gonzaga Pinheiro ao lado da imagem de Nossa Senhora das Gracas que 'caiu do céu'

Beto Novaes/EM/D.A Press/Reprodução

 

Aí, com tantos sinais não teve jeito, né? A população fez da santa a padroeira da cidade e até os dias de hoje os fieis celebram esse episódio inusitado. O repórter Gustavo Werneck, do Estado de Minas, acompanhou uma dessas procissões dedicada a Nossa Senhora das Graças em Catas Altas da Noruega, e detalhou a história da santa que caiu do céu.

 

Graça expansiva


Natural de Ipiranga, cidade vizinha, o atual pároco de Catas Altas da Noruega, padre João Luiz da Silva, já conhecia a forte devoção com a santa antes de se mudar. Quando jovem, os avós dele, contemporâneos da época da queda da imagem, narravam para ele com emoção o fato considerado milagroso e uma graça recebida por intercessão da santa.

 

Padre Luiz Gonzaga Pinheiro, atual páoco de Catas Altas da Noruega

Larissa Kümpel/EM/D.A Press

 

"Meus avós tinham uma fazenda e, num determinado ano, a plantação foi atingida por uma praga, que devastou o terreno. Meu avô, então, lembrou do que tinha acontecido aqui em Catas Altas da Noruega e veio à cidade em busca da bênção do padre Luiz Gonzaga Pinheiro e da intercessão de Nossa Senhora das Graças", relembra o padre João Luiz.

 

A estátua de Nossa Senhora das Graças que caiu sobre Catas Altas da Noruega, temporariamente na Igreja São Gonçalo do Amarante

Larissa Kümpel/EM/D.A Press

 

"O padre Luiz deu a ele uma garrafa com água para ser jogada na plantação, junto com a reza Ave Maria e mostrou a imagem que tinha caído do avião. Assim ele fez, e, em dois ou três dias, a praga sumiu e nunca mais teve indício", comentou o pároco à reportagem do Estado de Minas.

 

Cidade que respira devoção

Como responsável pela paróquia, João Luiz afirma que Catas Altas da Noruega respira devoção à Nossa Senhora das Graças desde 1949, quando o caso ocorreu. Atualmente, em nome da credulidade, há em todos os últimos domingo do mês uma celebração no local onde a queda da imagem ocorreu. O espaço recebeu o nome de Recanto de Nossa Senhora das Graças e está sendo estruturado para receber mais visitantes.

Oratório de Nossa Senhora das Graças no terreno onde a imagem caiu, nos anos 1940

Larissa Kümpel/EM/D.A Press

 

“Foi um divisor de águas para essa cidade. Hoje, não tem como falar de Catas Altas da Noruega sem contar sobre a queda da imagem. Na festa de Nossa Senhora das Graças, que foi elevada à jubileu devido a grande devoção, recebemos milhares de fiéis e romeiros, vindos de vários outros lugares. Frequentemente pagam promessas, fazem pedidos e agradecem a intercessão da Santa”, disse Padre João Luiz.

 

Outras histórias

Minas coleciona casos considerados por muitos além das leis naturais, mas que atraem devoção, mesmo sem comprovação. São mais frequentes do que podem parecer. Como o curioso caso do Túmulo do Padre Ermelindo, no município de São José do Goiabal, indicado por um de nossos leitores.

 

Segundo os relatos, o pároco realizou diversos milagres em vida e, em 1970, quase oito anos após a sua morte, uma moradora descobriu uma água jorrando do túmulo. Diante de várias testemunhas de pessoas que teriam conquistado propósitos, a história atraiu devotos.

 

Algo semelhante ocorreu na cidade de Cruzeiro da Fortaleza, no interior de Minas. Em abril de 2023, fiéis relataram ver uma imagem de Nossa Senhora das Dores chorando. Alguns moradores compreenderam o evento como um milagre enquanto outros temiam um presságio de algo ruim que pudesse acontecer.

 

O Sabia Não, Uai!

As reportagens do Sabia Não, Uai! mostram de um jeito descontraído histórias e curiosidades relacionadas à cultura mineira. A produção conta com o apoio do vasto material disponível no arquivo de imagens do Estado de Minas, formado também por edições antigas do Diário da Tarde e da revista O Cruzeiro, e por vídeos digitalizados da TV Itacolomi.

 

Todos os vídeos desta temporada e das anteriores estão disponíveis nas plataformas de podcast e no canal do Portal Uai no YouTube.

 

O Sabia Não, Uai! foi um dos projetos brasileiros selecionados em 2023 para participar do programa Acelerando Negócios Digitais, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), iniciativa apoiada pela Meta e desenvolvida em parceria com diversas associações de mídia (Abert, Aner, ANJ, Ajor, Abraji e ABMD) com o objetivo de atender às necessidades e desafios específicos de seus diferentes modelos de negócios.

Arquivo EM

Se você gostou de mais esta história recontada pelo especial Sabia Não, Uai!, aproveite para acompanhar nossa série sobre a memória do jornalismo brasileiro. O Arquivo EM conta, a partir de buscas na Gerência de Documentação e Informação (Gedoc) dos Diários Associados em Minas Gerais, reportagens quase esquecidas sobre Minas Gerais e o país.

*estagiária sob supervisão do editor Rafael Alves

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