Duas importantes avenidas da Região da Pampulha batizadas com o mesmo sobrenome vivem realidades diferentes, no melhor estilo primo rico e primo pobre. Neste caso, irmão rico e irmão pobre, já que Octacílio Negrão de Lima (1897-1960) e Francisco Negrão de Lima (1901-1981), que dão nome às duas vias, eram irmãos. A primeira, hoje grafada como Otacílio, sem o “c” do prenome do homenageado, contorna a Lagoa da Pampulha, importante cartão-postal de BH. A segunda tem início na própria orla, próximo à Avenida Portugal, e é uma das principais vias de acesso ao Bairro Céu Azul, na Região de Venda Nova.
A avenida Otacílio Negrão de Lima homenageia o prefeito de Belo Horizonte por dois mandatos (1935-1938 e 1947-1951) e é a maior em extensão da capital, com 18,54 quilômetros (km). Nela estão alguns dos principais pontos turísticos da Pampulha, como a Casa do Baile, o Museu de Arte da Pampulha e o Museu Casa Kubitschek. Há ainda casas de alto padrão, restaurantes, clubes e casas de festas. Tudo cercado de muitas árvores. A via abriga também a maior ciclovia em extensão de BH, que passou por revitalização recentemente. Em julho de 2022, as obras no trecho de 7,1km de extensão, que fica entre a Rua Garopas e o Clube Belo Horizonte, foram concluídas. A via ganhou elevação ciclovia, separação da pista de caminhada por jardins, travessia de pedestres elevada em todas as interseções com a área de tráfego dos veículos, readequação de microdrenagem, novas sinalizações de placas, além de pintura no solo.
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A poucos metros dali, a Avenida Francisco Negrão de Lima, governador do estado da Guanabara entre 1965 e 1971, tem pouco mais de dois quilômetros de extensão e urbanização precária. Não há calçadas em toda a sua extensão, o asfalto é irregular, falta sinalização, há lotes com mato alto. A via é predominantemente comercial, com supermercado, depósito de bebidas, de material de construção, marcenaria, lojas e restaurantes. As casas são mais simples do que as presentes na orla e os moradores lutam há anos para que a via seja revitalizada.
PROBLEMAS
Uma delas é a comerciante Iva Oliveira, de 56 anos. Ela é dona de uma loja de fantasias e mora na avenida há 22 anos. Iva conta que quando chegou não havia asfalto. “Era terra pura. Então, eles abriram a avenida. Depois de algum tempo, resolvi chamar alguns moradores para fazer alguma coisa. A gente vivia passando mal por causa da poeira. Passa até hoje. Quando chovia, era só barro”, comenta.
De acordo com a moradora, a via passou por uma obra de drenagem há pouco tempo. “Mas não sabemos se funciona porque não choveu depois disso. Antes (a água) chegava a entrar na portaria do prédio e tudo ficava alagado”, diz, apontando para o trecho da via em frente à sua loja. Ela explica que os moradores se mobilizaram para que obras de revitalização da avenida fizessem parte do orçamento participativo, o que aconteceu por duas vezes, segundo a moradora. "Ganhou e até agora nada foi feito”, reclama.
Sobre a proximidade com a avenida de mesmo sobrenome, que margeia a orla, e a realidade tão discrepante com a via em que reside e trabalha, a moradora é categórica. “É uma vergonha. O IPTU aqui é um absurdo e ninguém mexe com essa avenida.”
Ela conta ainda que alguns comerciantes desistiram de continuar com seus negócios na via por falta de perspectiva de melhora. “Há pouco tempo, a loja de móveis fechou ali por causa da poeira. Os móveis estavam estragando. (O lojista) vendeu tudo quase pela metade do preço. Teve um prejuízo. Desistiu da loja.” Um restaurante japonês fechou pelo mesmo motivo.
Iva diz que continua com a loja porque é de sua propriedade e não paga aluguel. A moradora reclama ainda da falta de sinalização e do alto volume de carros no início da noite. “Não se consegue atravessar a rua, não tem faixa de pedestre, nada. Não há pintura e sinalização de quebra-molas.” A iluminação é outro problema, segundo ela. “Tem trechos com iluminação boa e outros não. Além da segurança, com moradores em situação de rua e usuários de drogas.”
O marceneiro Sebastião Alves, de 65 anos, trabalha na avenida e diz que, apesar dos problemas, a situação atual é melhor do que quando chegou no local, há 40 anos. “Antes aqui não tinha nada, há uns 20 anos era um brejo. Não tinha a galeria. O asfalto que tem aqui até na orla da Pampulha é só uma camada fininha, provisória. Ainda bem que tem, porque antes não passava carros. Dizem que vai melhorar, mas não acredito. Só vendo para crer”, afirma.
Alves lembra que a via é uma das principais avenidas de acesso ao Bairro Céu Azul. Por isso, não faz sentido que esteja em situação tão precária. No período chuvoso, o marceneiro diz que o quadro se agrava e mostra uma marca da altura que a água já chegou na marcenaria, de cerca de um metro. A avenida é asfaltada apenas até o cruzamento com a Rua Jornalista João Augusto, no Bairro Céu Azul, Região de Venda Nova.
A empregada doméstica Ademildes Santos, de 60, é outra que trabalha em uma casa na avenida há 30 anos. Todos os dias, ela caminha por um trecho da via, sem calçamento, para chegar e sair do trabalho.
“É ruim, com muito pó, pedra. Estamos esperando. Dizem que vão mexer nessa galeria, tem muito tempo que prometem. Vem aqui, fazem uma medição, mas até agora não resolveram.” Ela diz que não entende como uma via tão próxima da orla pode ter uma conservação tão diferente. “Já reclamaram e ninguém toma providência. Antes era caminho de terra quando eu cheguei. Isso tudo era mato. Depois foram fazendo obras, mas ela não terminou (de ser urbanizada).”
PROJETO
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informa, por meio da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), que “o projeto de tratamento de fundo de vale e urbanização da Avenida Francisco Negrão de Lima encontra-se concluído e prevê a implantação de requalificação urbanística e ambiental do corredor viário, bem como a execução de um parque linear ao longo de um trecho do córrego Olhos D'água.”
De acordo com a Sudecap, o projeto ainda prevê a implantação de ciclovia, pistas de caminhada, equipamentos de academia e playground, além de uma passarela sobre o córrego. “Esse empreendimento está em fase de captação de recursos para a posterior licitação da obra”, conclui.
QUEM É QUEM NA FAMÍLIA
Octacílio Negrão de Lima
Nasceu em Nepomuceno, então distrito de Lavras, Região Sul de Minas, em 8 de abril de 1897 e morreu em Belo Horizonte, em 27 de maio de 1960. Formou-se pela Escola Livre de Engenharia e trabalhou em diversas obras em regiões próximas à divisa com os estados da Bahia e de Goiás. Foi prefeito de Belo Horizonte por duas vezes, entre 1935 e 1938 e entre 1947 e 1951. Em 1944, tornou-se diretor-superintendente do Banco Fluminense da Produção. Foi eleito deputado estadual, em Minas Gerais, para o mandato de 1947 a 1951, mas renunciou em 12 de dezembro de 1947, para tomar posse como prefeito de BH. De janeiro a outubro de 1946, foi ministro do Trabalho, Indústria e Comércio no governo de Eurico Gaspar Dutra. Deu nome ao estádio de seu clube do coração, o América Futebol Clube, então Estádio Otacílio Negrão de Lima, inaugurado em 1948. Foi criador e idealizador do Minas Tênis Clube e idealizador do Estádio Independência.
Francisco Negrão de Lima
Nasceu em Nepomuceno, Região Sul de Minas, em 24 de agosto de 1901 e morreu no Rio de Janeiro, em 26 de outubro de 1981. Formou-se pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte, em 1924. Em seguida, foi nomeado redator dos debates da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Em 1932, se tornou secretário-geral da Federação Industrial do Rio de Janeiro. No ano seguinte, se elegeu deputado constituinte por Minas Gerais. Em 1934, se elegeu a deputado federal. Em 1941, foi designado embaixador do Brasil na Venezuela. De 1951 a 1953, exerceu o cargo de ministro da Justiça do segundo governo de Getúlio Vargas. Em 1956, foi nomeado prefeito do então Distrito Federal, permanecendo no cargo até 1958, quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores. Depois disso, ocupou a embaixada em Portugal, de 1959 até 1965. Assumiu o governo do estado da Guanabara de 1965 a 1971. Após o fim de seu mandato, se retirou da política.