Em meio às chamas que derramam suor, às vezes sangue, e trazem outros riscos a brigadistas e militares nos combates a incêndios florestais, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais passou por um autêntico teste de fogo ao coordenar, pela primeira vez, os esforços da Força-Tarefa Previncêndio. Neste ano, quando o estado enfrentou uma longa estiagem, a coordenação operacional foi delegada à corporação pelo decreto 48.767/2024, do governador Romeu Zema (Novo), mas já é alvo de críticas de técnicos, brigadistas e servidores de unidades de conservação por ter, na prática, tirado o planejamento e o poder de decisão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) e do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG) – embora a direção deste último órgão tenha visto benefícios no novo modelo.


O assunto repercutiu inclusive na Assembleia Legislativa, em uma temporada crítica de incêndios que destruíram o meio ambiente e lançaram fumaça nas cidades. De janeiro a setembro deste ano, foram registrados 10.309 focos no estado, número 54% superior à média registrada desde 1999 no mesmo período, de 6.687, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


“Ao fim do período de estiagem, faremos uma avaliação sistemática da eficácia das estratégias, a frequência e a gravidade dos incêndios, a rapidez de resposta das equipes e a adequação dos equipamentos. A identificação de desvios exige uma investigação aprofundada das causas e as lições aprendidas são essenciais para fundamentar avaliações e orientar ações futuras”, disse o tenente-coronel Ivan Santos Pereira Neto, do Corpo de Bombeiros.


Durante a cobertura do combate aos incêndios de 2024, a equipe de reportagem do Estado de Minas testemunhou diversos desentendimentos entre bombeiros coordenadores das operações e brigadistas e servidores das unidades de conservação. Ao ouvir esses profissionais e outros, ligados a postos-chave da Semad e do IEF-MG – que não podem falar abertamente, para evitar represálias –, foi traçado um quadro de críticas a situações que teriam resultado em combates prejudicados. O que pode, ao final, mostrar que a coordenação do Corpo de Bombeiros precisa de ajustes ou que falhou (veja o quadro).


A situação mais criticada por integrantes da Semad e do IEF-MG ocorreu na Grande BH, na Serra da Moeda. Como mostrou reportagem do EM, foi a maior área contínua de focos de incêndio da região em todo o ano, nos meses de julho e agosto, segundo monitoramento de satélites da Nasa. Só no dia 20 de agosto foram quatro focos, se estendendo por 1.419,31 hectares (ha). Uma área tão grande que nela caberiam seis parques das Mangabeiras, uma das maiores reservas urbanas da América Latina, localizada em BH.

 




“Na Serra da Moeda, o incêndio que combateram estava ilhado. Ou seja, o fogo estava cercado por outras áreas já queimadas. Não progrediria. O correto seria investir em outras áreas, onde a expansão acabou ocorrendo de fato. Tinham um valor ambiental e estratégico muito maior para o combate como um todo”, avalia uma das fontes, ligada à Semad.

 

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“O Corpo de Bombeiros tem uma forte relação com acidentes e entre seus protocolos está mesmo impedir os riscos ao trânsito. Eles pararam o trânsito na estrada (rodovia BR-040) e a protegeram do fogo e da fumaça para prevenir acidentes. Está certo. Mas o fogo não ultrapassaria o asfalto. Era o momento de liberar brigadistas para o combate às áreas de incêndio mais críticas, no alto da serra. Não foi isso que fizeram”, acrescenta.


“Sobrou para nós, moradores”


Morador da região, o músico e ambientalista Giancarlo Novo Borba afirma que os próprios moradores de áreas afetadas tiveram de lutar contra as chamas, dizendo que o Corpo de Bombeiros demorou a agir e quando o fez ignorou as informações da comunidade sobre o terreno. “Vi o fogo da janela da minha casa, conheço cada pedacinho daquele território. É muito triste ver a serra pegando fogo e não poder fazer nada. Se não fosse o empenho das pessoas da região, a única mata ainda existente lá, que é a Mata da Conceição, teria queimado inteira”, afirma.

 

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“O Corpo de Bombeiros não foi eficiente naquele momento. O efetivo foi muito pequeno. Os aviões levaram cinco dias para atuar. Enquanto preparavam o plano de ação, o fogo continuava queimando. Os bombeiros conseguiram preservar as casas, mas não atuaram no incêndio florestal. A gente mostrou para eles o local de uma braquiária (capinzal) onde era preciso segurar o fogo, para salvar a mata. A resposta, às 17h, foi que não podiam atuar, porque estavam fazendo o plano de ação. Quando foi 19h, o fogo pulou a braquiária e foi direto para a mata. Sobrou para nós, moradores, com facão, enxada e muita vontade de salvar a mata. Ficamos até 1h e conseguimos”, critica Giancarlo.


De acordo com o Corpo de Bombeiros, os moradores da Serra da Moeda foram orientados. “Foi estabelecido um Posto de Comando, onde todos puderam comparecer e colaborar para definir as linhas de ação e forma de trabalho. Houve lançamento de água com aviões Air Tractor e fogo foi contido em três dias”, informou a corporação.


Chamas devoraram reserva natural


Um dos combates a incêndios florestais mais criticados se deu no Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato, em Sete Lagoas, na Região Central de Minas. A unidade que abriga a Gruta Rei do Mato, parte importante da Rota das Grutas Peter Lund por seu valor espeleológico, paleontológico e antropológico, ao lado da Gruta da Lapinha e da Gruta de Maquiné, queimou quase totalmente. “Nessa unidade o monitoramento dos focos foi muito longo, ocorrendo por dois dias. Isso permitiu que o fogo se alastrasse, queimando os 140 hectares da unidade praticamente por completo. Em uma unidade pequena assim é preciso agir ativamente”, indica uma fonte ligada ao IEF-MG.


O Corpo de Bombeiros informou que a unidade tem brigadistas contratados pelo estado e em condições de iniciar o combate aos princípios de incêndio. “Em situações que extrapolam a capacidade de resposta local, a unidade do Corpo de Bombeiros de Sete Lagoas é usualmente acionada para somar esforços com os brigadistas e voluntários, contando também com brigadistas da Serra de Santa Helena”, informou.

 

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