Londres - Muitos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, veem no processo movido na Inglaterra contra a mineradora BHP sua única chance de reconhecimento. Um dos casos mais notórios, no entanto, não é de pessoa, mas do município de Ouro Preto, que se considera profundamente afetado e ficou fora das ações e recursos da Fundação Renova, tendo no julgamento que começou nessa segunda-feira (21/10), no Edifício Rolls da Royal Courts of Justice, sua mais real chance de indenização.

 

 

Em meio ao julgamento, o procurador-geral de Ouro Preto e o chefe de gabinete da prefeitura municipal vieram a Londres com vários outros representantes de prefeituras, como as de Ponte Nova, Baixo Guandu (ES) e Marilândia (ES), tentar uma indenização ainda não alcançada no Brasil.

 

 


 

A estimativa é de que, nos primeiros anos, a arrecadação tenha encolhido cerca de 20%, ou R$ 40 milhões anuais, com a paralisação da mineradora Samarco, sediada em Ouro Preto, e das empresas e trabalhadores que migraram. Atualmente, a queda está em cerca de 10% da arrecadação do ano.

 

 


Nesta terça-feira (22/10), segundo dia de julgamento, os advogados do escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos, continuaram a exposição de argumentos e provas que tentam mostrar que a empresa BHP tinha conhecimento que a barragem rompida recebia excesso de rejeitos e que operava acima do limite de condições, porém não tomou nenhuma providência.

 


 

Na quarta (23/10), será a vez de os advogados da BHP sustentarem oralmente a defesa da multinacional, até a quinta (24/10), quando termina a primeira semana do julgamento (confira a linha do tempo abaixo).

 


"Ouro Preto nunca recebeu nada da Renova. Mesmo quando o Comitê Interfederativo (criado para orientar e validar os atos da Fundação) validava o repasse de recursos e de ações, a Fundação Renova criava entraves e não fazia o repasse ou não executava a ação. O prefeito de Ouro Preto nunca conseguiu ser recebido pela Renova", afirma o chefe de gabinete da prefeitura ouropretana, Zaqueu Antônio Moreira.

 

 

"O rompimento paralisou a Samarco, e a arrecadação caiu muito. Gerou desemprego, e isso trouxe problemas de violência, sobrecarga demanda de saúde e psicológica, o pânico a Antônio a Pereira que fica abaixo da Barragem do Doutor. Toda reparação passa pela nossa rodovia, a MG-129, gera poluição, aumenta os alugueis, mas a Renova não contrata ninguém de fora de Mariana. Com isso, as empresas e negócios saíram de Ouro preto e foram para lá", afirma o procurador-geral de Ouro Preto, Diogo Ribeiro.

 


 

"A BHP refuta as alegações acerca do nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes. Continuamos a trabalhar em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo contínuo de reparação e compensação em andamento no Brasil", informa a BHP.

 

 

Chefe de gabinbete da Prefeitura de Ouro Preto afirma que a queda na arrecadação chegou a 20% nos primeiors anos do rompimento

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

 

A BHP foi acionada na Inglaterra a indenizar os atingidos por ser sócia da mineradora Vale no controle da Samarco, a operadora da barragem rompida. A ruptura da Barragem do Fundão, localizada em Mariana, a 120 km de Belo Horizonte, resultou no despejo de aproximadamente 45 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração ferrosa e lama no sistema fluvial do Rio Doce.

 

A quantia estimada para as indenizações é de R$ 248 bilhões (US$ 44 bilhões). O escritório de advocacia "Pogust Goodhead" representa 620 mil pessoas afetadas, 46 prefeituras e 1.500 organizações, incluindo empresas, órgãos públicos e entidades religiosas.

 

Procurador-geral de justiça de Ouro Preto, Diogo Ribeiro, afirma que vários impactos diretos e indiretos sobre o município não foram considerados pela Renova

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

 

Essa tragédia impactou a bacia hidrográfica que se estende por Minas Gerais e Espírito Santo, atingindo o litoral entre o Espírito Santo e o Sul da Bahia. A ruptura da represa de Fundão, localizada em Mariana, em Minas Gerais, a 120 km da capital Belo Horizonte, resultou no despejo de aproximadamente 45 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração ferrosa e lama no sistema fluvial do Rio Doce.


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No total, 700 mil pessoas foram impactados em 46 cidades diferentes. Houve 19 óbitos, com um corpo ainda desaparecido e um feto que não sobreviveu ao desastre. A contaminação se estende por 675 km ao longo dos leitos dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Equipes removeram 11 toneladas de peixes mortos, e 800 hectares de floresta tropical foram destruídos.

 

Procurada pela reportagem, a Fundação Renova afirma que o reconhecimento de Ouro Preto como cidade atingida pelo rompimento da barragem de Fundão está em discussão judicial, pois sua área de atuação é delimitada pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado em 2016.


A entidade também destacou que está aberta ao diálogo com o município para tratar das demandas locais. A Renova ainda ressalta os investimentos em ações de reparação e indenizações. Até setembro deste ano, foram destinados R$ 38,28 bilhões às ações de reparação e compensação, sendo R$ 15,05 bilhões para indenizações e R$ 2,99 bilhões em auxílios financeiros emergenciais.

 

Linha do tempo

 

5 de novembro de 2015
Barragem do Fundão se rompe no Complexo de Germano, em Mariana, liberando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Entre a mineração e a primeira comunidade, Bento Rodrigues, que foi arrasada, morrem 19 pessoas. Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa também sofrem destruição.

 

8 de novembro de 2015
Lama e rejeitos chegam a Governador Valadares. A captação do Rio Doce é interrompida, e 200 mil pessoas precisam economizar. Começam a ser enviados suprimentos de água.

 

13 de novembro de 2015
Iniciadas as investigações criminais e cíveis pelos Ministérios Público Federal e Estadual, Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério do Trabalho.

 

21 de novembro de 2015
A massa de rejeitos de minério saturando o Rio Doce atinge o mar no distrito de Regência Augusta, em Linhares (ES). Foram 663 quilômetros atingidos nos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, um total de 41 municípios e três reservas indígenas.

 

23 de dezembro de 2015
Samarco se compromete a pagar indenização de R$ 100 mil a famílias de mortos e desaparecidos. Auxílio emergencial de um salário mínimo mais 20% por dependente e uma cesta básica mensal aos atingidos.

 

3 de fevereiro de 2016
Com fechamento da foz do Rio Doce para a pesca, todo o manancial e as áreas atingidas dos Rios do Carmo e Gualaxo do Norte ficam proibidas de realizar a pesca.

 

2 de março de 2016
Contrariando o Ministério Público, a Samarco, Vale e BHP Billiton assinaram o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com o governo federal e os estados para a criação da Fundação Renova e 40 ações de recuperação social, ambiental e econômica das regiões atingidas. Acordo inicial era de investir R$ 13,3 bilhões até 2031.

 

2 de maio de 2016
MPF entra com ação civil pública para reparação integral pelo rompimento no valor de R$ 155 bilhões.

 

4 de julho de 2016
Liminar pedida pelo MPF é concedida pelo STJ e suspende o TTAC. Em 18 de agosto, o TTAC é anulado.

 

20 de outubro de 2016
MPF denuncia 26 pessoas físicas e jurídicas pelo desastre, sendo 21 acusadas por homicídios dolosos e outros três crimes, além de crimes ambientais.

 

25 de junho de 2018
Firmado o TAC Governança entre MPF, MPMG, MPES, DPU, DPES, DPMG, e mais nove órgãos públicos, com as mineradoras para novas estruturas da efetiva participação dos atingidos. Ação de R$ 155 bilhões fica suspensa.

 

21 de setembro de 2018
Escritório de advocacia inglês atualmente denominado Pogust Goodhead anuncia ingresso com uma ação de 5 bilhões de libras em cortes do Reino Unido contra a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale. Processo com 200 mil atingidos é protocolado em 2 de novembro.

 

26 de outubro de 2018
Ministérios e defensorias públicas assinam com mineradoras acordo de não prescrição de indenizações.

 

22 a 31 de julho de 2020
Advogados dos atingidos e da BHP Billiton levam o caso internacional ao Centro de Justiça Cível em Manchester. Em 9 de novembro o juiz nega o caso.

 

30 de setembro de 2020
Sem avanços, MPF, MPMG, DPU, DPES e DPMG retomam a ação civil pública de R$ 155 bilhões.

 

23 de março de 2021
Corte de Apelação em Londres nega o recurso aos atingidos e extingue o caso.

 

22 de junho de 2021
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta uma repactuação.

 

27 de julho de 2021
Tribunal de Apelação da Royal Courts of Justice de Londres admite o recurso dos atingidos e reabre o processo internacional.

 

4 e 08 de abril de 2022
Os juízes do Tribunal de Apelação ouviram os argumentos da BHP e dos atingidos.

 

8 de julho de 2022
Tribunal de Apelação de Londres decide que todas as questões trazidas pelos atingidos poderão ser julgadas em processo no Reino Unido contra a BHP Billiton.

 

8 de setembro de 2022
Repactuação mediada pelo CNJ falha.

 

30 de janeiro de 2023
Novo grupo de trabalho é formado no governo federal. Em julho já há novas negociações para acordo com estados e mineradoras.

 

20 de junho de 2024
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de municípios brasileiros apresentarem ações judiciais no exterior.

 

20 de setembro de 2024
Ministro Alexandre Silveira diz que R$ 100 bilhões é o mínimo para acordo com mineradoras. Data de assinatura estimada entre 24 e 29 de outubro.

 

21 a 24 de outubro

A primeira fase do julgamento para decidir se a BHP é culpada e qual a extensão de sua culpa no desastre do rompimento da barragem.

 

5 de março de 2025

Previsão para término do julgamento e condenação ou absolvição da BHP.

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