Londres - As seguidas alegações da multinacional BHP para demonstrar sua inocência no rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, levaram os atingidos que acompanham o processo por indenização pela tragédia na Inglaterra a um protesto com muita indignação, na manhã de quarta-feira (23/10), em frente à sede da companhia, em Londres.
As primeiras alegações de representantes da BHP a trazer o sentimento de revolta entre os indígenas, quilombolas, parentes de vítimas e atingidos foi sobre a falta de necessidade de um julgamento na Inglaterra no momento em que há indenizações e acordos em curso no Brasil.
Nesta quarta-feira, terceiro dia do julgamento que apontará se a empresa é culpada ou inocente pelo rompimento, os representantes legais da BHP declararam na Vara de Negócios e Propriedades das Cortes da Inglaterra e do País de Gales que a Samarco se trata apenas de um investimento e não de uma espécie de braço operacional da empresa.
A BHP é sócia da mineradora Vale no controle da Samarco, a empresa que operava a barragem que se rompeu em 5 de novembro de 2015, em Mariana. Por se tratar de multinacional anglo-australiana (inglesa e australiana), o escritório internacional Pogust Goodhead, que representa os atingidos, acionou a BHP na justiça inglesa e pede R$ 248 bilhões (44 bilhões de dólares).
Na corte, os advogados da multinacional disseram que a BHP ser beneficiada pelos dividendos da Samarco não daria origem a responsabilidade. Ser uma acionista controladora não daria origem a responsabilidade e não se provou que a BHP cruzou algum limite do monitoramento que seu conselho fazia sobre a Samarco, na forma de monitoramento de um investimento.
A empresa disse, ainda, que a Samarco era proprietária, licenciadora e operadora da barragem e que como a BHP não teria tido nenhum envolvimento nesses processos, não poderia ser responsabilizada pelo rompimento.
O conjunto de declarações, após quase 9 anos de rompimento sem indenizações e compensações aos atingidos como um todo, revoltou os atingidos que estão em Londres para a audiência do tribunal Inglês.
Um grupo deles - formado por atingidos que eram mães de filhos falecidos, viúvas, quilombolas, índios Krenak e Pataxó - se deslocou com faixas e cartazes até a sede da BHP Billiton, no Edifício Buckingham Palace, bem na área empresarial londrina.
Gritando palavras de ordem em magafone, ou a plenos pulmões contra a BHP, e clamando por justiça para os atingidos, eles mostraram para as pessoas que entravam no edifício de armação de aço e vidros várias garrafas contendo a água turva e lamacenta deixada pelo rompimento no Rio Doce.
O protesto foi pacífico e ninguém da BHP apareceu, mas seguranças da edificação usaram seus celulares para filmar a ação dos manifestantes brasileiros.
O cacique Baiara, da aldeia Pataxó Geru Tucunã, localizada em Açucena, no Vale do Rio Doce, contestou a postura da BHP de se eximir de qualquer culpa sobre o rompimento da barragem que contaminou as águas de suas terras e impede até os dias atuais a pesca tradicional da tribo, seus rituais e manifestações culturais.
"Nós, o povo originário, viemos aqui denunciar os absurdos e a covardia da BHP. A água é de grande importância para nós. Nós do povo Pataxó fazemos o batismo das nossas crianças dentro da água. E hoje nós não podemos fazer a nossa festa. Nosso rio se acabou. Era a nossa alimentação de onde tiramos o nosso peixe. Não pode mais pescar. O rio se acabou. Dinheiro nenhum paga isso. Por isso é justo que a empresa vá para o banco dos réus. Se não vai ser no Brasil, então aqui na Inglaterra. Para nunca mais ela fazer um desastre no nosso país", disse o cacique.
Por vezes parado, observando emudecido na sua mão uma das garrafas de água marrom contaminada do Rio Doce, a qual a sua tribo denomina como o deus Watu, Marcelo Krenak respirou fundo, proferiu palavras fortes na língua ancestral e também criticou a BHP com veemência.
"No Brasil ainda não foi respeitada a nossa voz. A gente veio aqui buscar por justiça e mesmo sendo essas empresas poderosas, aqui nos escutaram. Ouçam a nossa voz. Ouçam aquilo que sofremos para que possamos sair daqui mais leves e em paz para o Brasil. No Brasil, somos tratados como crianças. Decidem a nossa vida como se fossem nossos pais e nós uma criança. Só que essas empresas e o Brasil querem ter o direito de pai, mas não nos tratam como filhos", compara Marcelo Krenak da tribo de resplendor, no Vale do Rio Doce.
A ruptura do barramento de Fundão, localizada em Mariana, Minas Gerais, a 120 km de Belo Horizonte, resultou no despejo de cerca de 45 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração ferrosa e lama no Rio Doce. Impactou a bacia hidrográfica que se estende por Minas Gerais e Espírito Santo, atingindo o litoral entre o Espírito Santo e o sul da Bahia.
No total, 700 mil pessoas foram impactados em 46 cidades diferentes. Houve 19 óbitos, com um corpo ainda desaparecido e um feto que não sobreviveu ao desastre. A contaminação se estende por 675 km ao longo dos leitos dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Equipes removeram 11 toneladas de peixes mortos e 800 hectares de floresta tropical foram destruídos.
A quantia estimada para a reparação dos danos pelo escritório Pogust Goodhead é de R$ 248 bilhões (US$ 44 bilhões). O escritório representa 620 mil pessoas afetadas, 46 municipalidades e 1.500 organizações, incluindo empresas, órgãos públicos e entidades religiosas.
Existe a perspectiva de um acerto no Brasil, no valor aproximado de R$ 170 bilhões, com o objetivo de ressarcir órgãos governamentais, cidades, indivíduos afetados e seus parentes, pelos prejuízos causados pelo colapso da barragem em Minas Gerais e no Espírito Santo. As tratativas, que envolvem a Samarco (empresa responsável pela operação da barragem), a BHP Billiton e a Vale (proprietárias da Samarco), além dos governos de Minas Gerais e Espírito Santo, correm sob sigilo judicial.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
De acordo com a BHP, a Fundação Renova já alocou mais de R$ 37 bilhões para ações de socorro financeiro imediato, compensações, recuperação ambiental e reconstrução de instalações, beneficiando cerca de 430 mil indivíduos, negócios locais e grupos indígenas e quilombolas.
Controladora na defesa
Linha do tempo da BHP no processo inglês:
- 22 de julho de 2020
Justiça do Reino Unido começa audiências para decidir se a BHP pode ser julgada no foro inglês pelo rompimento em Mariana. BHP sustenta duplicidade de julgamentos e abuso da lei inglesa
- 09 de novembro de 2020
Juiz sir Mark Turner, da corte cível de Manchester, nega aos atingidos a reparação no Reino Unido
- 23 de março de 2021
A Corte de Apelação em Londres indefere o recurso dos atingidos e extingue o caso
- 27 de julho de 2021
Escritório que defende os atingidos consegue ter aceito recurso para evitar "grande injustiça" e novo julgamento sobre a possibilidade de a BHP ser julgada na Inglaterra pelo rompimento
- 08 de julho de 2022
Atingidos de Mariana vencem apelação e podem processar BHP no Reino Unido
- 31 de setembro de 2022
A Justiça do Reino Unido nega o recurso da BHP para apelar à Suprema Corte contra a competência inglesa para julgar as indenizações dos atingidos
- 7 de maio de 2024
BHP faz oferta de 44,2 bilhões no mercado inglês para fusão com a mineradora Anglo American, que opera em Conceição do Mato Dentro e outros. Valor pagaria 98% da indenização que os atingidos pediam na Inglaterra, mas foi rejeitada
- 12 de julho de 2024
As sócias da Samarco Vale e BHP fecham acordo que prevê que, se a BHP perder o processo na Inglaterra, a Vale pagará 50% do valor
- 23 de julho de 2024
Tribunal Superior de Justiça e Varas de Empresas e Propriedades da Inglaterra e País de Gales determina, sob pena de prisão, multa e apreensão de bens, que a BHP não financie ações contra os atingidos no Brasil, como as em vigor no STF
- 15 de outubro de 2024
BHP declara que não teve decisão na Samarco sobre a segurança e acompanhamento da barragem rompida