O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou, nessa terça-feira (22/10), a entrega voluntária de um bebê para adoção, sem a consulta da família biológica ou extensa. A decisão favorece uma mulher de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas Gerais, assistida pela Defensoria Pública (DPMG), que pediu sigilo para que o nascimento e a entrega do bebê para adoção acontecessem sem o conhecimento do suposto pai – com quem não havia união formal ou estável – e de familiares.

 

Em primeira instância, o juízo reconheceu o direito da mãe de entregar a criança para adoção, uma vez que o pai não foi indicado e após constatar que não havia condições para mantê-la com a família extensa (termo utilizado pela Justiça para designar parentes ou familiares próximos).

 

Em seguida, o Ministério Público recorreu da decisão, sustentando que, apesar do pedido de anonimato sobre o nascimento do filho, o sigilo não alcança a família extensa da criança, que deve ser previamente buscada para verificar se alguém pode cuidar dela. O Tribunal de Justiça, no entanto, revogou a decisão. Depois disso, a DPMG recorreu e, por fim, o STJ manteve, por unanimidade, a decisão inicial, permitindo o sigilo e a entrega voluntária.

 




 

No Relatório Social, documento gerado a partir de dados referentes a uma intervenção pública, a mãe afirmou que, quando descobriu a gravidez, soube que não poderia cuidar da criança devido à sua condição financeira. “A forma como ganho dinheiro é fazendo minhas faxinas. Como eu iria trabalhar tendo um bebê e não tendo ninguém para me ajudar a cuidar dele?”, afirmou na declaração.

 

A responsável também revelou nunca ter cogitado a possibilidade de deixar o filho sob os cuidados da família, pois, segundo ela, sua própria mãe não cuidou dos filhos e tem 12 netos com os quais não mantém vínculo afetivo. Já suas duas irmãs têm “casamentos ruins” e situação financeira complicada.

 

Direito de sigilo


A "Lei da Adoção", nº 13.509/2017, que adicionou o art. 19-A ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prevê a chamada “entrega voluntária”, que consiste na possibilidade de uma gestante ou mãe entregar seu filho ou recém-nascido para adoção em um procedimento assistido pela Justiça da Infância e da Juventude, prevenindo situações como o aborto clandestino.

 

O artigo ainda estabelece que o órgão da Justiça cheque previamente se algum parente pode cuidar da criança. Se não for encontrado um responsável apto a receber a guarda, a autoridade judiciária determinará sua colocação sob guarda provisória de quem puder adotá-la ou em entidade de acolhimento familiar ou institucional. Se os familiares não souberem da gravidez, a adoção pode ser feita sem consultá-los.

 

Para o relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, a decisão de entrega do filho para adoção foi baseada em argumentos lógicos e concretos, no exercício livre e responsável de sua autonomia como mulher madura e ciente de suas obrigações e de que também não poderia, mesmo se quisesse, contar com a família extensa da criança.

 

Já a defensora pública Karina Roscoe Zanetti, da Defensoria dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Unidade da DPMG em Divinópolis, afirmou que é preciso respeitar o direito de sigilo da mãe, a entrega legal e, principalmente, o direito de privacidade. “A decisão entendeu e adotou a melhor interpretação possível da lei e agora torna-se um parâmetro nacional de respeito àquela mãe que, normalmente, desconhece este direito”, ressalta ela.

 

Caso inédito


Em entrevista ao Estado de Minas, a advogada e integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-MG, Júlia Drummond, disse que, por regra, a adoção tem participação tanto da genitora quanto do genitor e consulta à família extensa.

 

"A intenção do legislador, quando estabelece todos os procedimentos requeridos, é a tentativa de manter a criança na mesma família em que nasceu. A decisão do STJ é recente e diferente do que os tribunais de todo o país entendem. Considerou-se peculiaridades específicas do caso; não é uma regra geral, não podemos falar que é uma jurisprudência aplicada em qualquer situação", explica.

 

 

 

Segundo a advogada, a jurisprudência é um entendimento consolidado da Corte relativo a um tema. "Esse entendimento, embora tenha sido aplicado, não é estabelecido; é um caso único", aponta. Ela acrescenta que, geralmente, o pedido de sigilo não ocorre, uma vez que o previsto no ECA é que a família paterna e extensa seja consultada.

 

"O que o STJ afirmou nessa circunstância é que a adoção é possível sem o parecer dos familiares e que, quando a família não tem conhecimento da gravidez ou da condição de manter a criança, pode haver a dispensa dessa busca. No geral, a adoção é uma ação sigilosa e os parentes não serão intimados", esclarece.

 

Irreversível

A única forma de "reverter" a adoção, de acordo com Drummond, é haver uma nulidade. "O processo é irrevogável e irreversível. Se a genitora não sabe quem é o pai e, depois, o genitor descobre a tramitação, ele teria que comprovar alguma nulidade. A falta de intimação por parte dele, caso não soubesse da existência do filho, não geraria, por si só, essa nulidade. A não ser que se prove que a mãe levou o poder judiciário ao erro, ou seja, sabia desde sempre quem era o pai e omitiu essa informação", sublinha.

 

 

Na foto, Júlia Drummond, membro da Comissão de Direito de Família da OAB-MG

Arquivo pessoal

 

Além disso, ela ressalta que o melhor interesse da criança deve ser resguardado. "Às vezes, você provoca a reversão de uma criança já habituada aos pais adotivos, ao novo lar e à rotina, em favor de um genitor que não sabia que tinha esse filho", alega. Nessa situação, deve-se ponderar dois direitos constitucionais: o da criança e o da família. "Se for comprovado que o interesse do menor é permanecer com a família que o adotou, é difícil reverter, mesmo em prejuízo do direito de ter consigo a própria prole", acredita.

 

Hipossuficiência

 

Segundo a defensora Zanetti, a entrega legal normalmente é feita por uma família estruturada e é mais comum entre mães hipossuficientes, ou seja, que não têm recursos financeiros para arcar com as despesas. Por outro lado, a mulher não pode ser julgada pela decisão, mas pela condição social à qual está inserida, que interfere diretamente no tipo de escolha.

 

Em consonância, Drummond acredita que famílias com maior condição aquisitiva e casamentos registrados têm menor tendência à adoção. "O filho nascido dentro de uma união estável reconhecida por ambas as partes provavelmente não será colocado para adoção. Normalmente, são famílias hipossuficientes ou filhos de pais muito jovens", concorda a advogada. 

 

 

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