Londres - Enquanto os advogados da multinacional BHP tentam desqualificar argumentos que a reponsabilizam no tribunal da Inglaterra pelo rompimento da Barragem do Fundão, as sepulturas dos 19 mortos na tragédia foram transferidas para o gramado do Parque Lincoln's Inn Fields, em Londres. Essa representação das vítimas foi feita em cruzes de papel fincadas em uma manifestação dos atingidos pelas ruas até o parque. Mas para as mães e esposas que perderam filhos e maridos, o choro e a emoção era de como se estivessem de frente para os túmulos verdadeiros, depositando flores e deixando carrinhos de brinquedo como oferendas carinhosas.

 

Agachada de frente para a cruz branca com o nome do filho Thiago, morto pela onda de rejeitos aos 7 anos, a mãe dele, Gelvana Aparecida Rodrigues, de 37 anos, parecia conversar com o garotinho. Acariciava a cruz e sussurrava como se dissesse ao filho que a sua dor ia passar. Ela então deixou dois carrinhos de brinquedo de frente para a cruz, chorando, sem despregar os olhos do nome do filho.

 



 

Ao lado dela, Pamela Rayane Fernandes, de 30 anos, chorava e até soluçava de frente para a cruz da filha Emanuelly, levada pela lama aos 5 anos. Reviver tudo aquilo mais uma vez, em Londres, durante o julgamento da tragédia que devastou sua vida, foi demais para ela e a mulher passou mal, deitou no solo e precisou ser amparada por outros atingidos e manifestantes.

 

Gelvana Aparecida Rodrigues, mãe de Thiago de 5 anos morto no rompimento da barragem do fundão deixa carrinhos na sepultura

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
 

 

"Este é um dos dias mais difíceis. É lembrar da despedida. Do dia que a gente viu o caixão ir para um buraco escuro. Onde a terra caía. E que a gente sabia que não ia ver (a filha) mais uma vez. Não ia ter mais um sorriso, mais um abraço, mais um cheiro. É sentir mais uma vez aquele pedacinho que se foi. É sentir mais raiva, mais ódio da empresa (BHP). É querer continuar cada vez mais e não desistir, porque nós estamos precisando de paz e eles (os mortos) também", disse Pamela.

 

"A gente espera só justiça. Que a BHP seja condenada pelo crime que cometeu. E que assim isso não volte a se repetir. Que nem uma mãe perca mais um filho dessa forma que foi levado nosso filho. Arrancado da gente. A vitória maior vai ser condenando (a BHP) pela morte e a dor que foi causada a todos. Precisa ser aqui, porque a sensação no Brasil é de injustiça", disse Gelvana.

 

Gelvana chora de frente para a cruz do filho Thiago

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
 

 

Ana Paula Auxiliadora Alexandre, de 49 anos, viúva de Edinaldo Oliveira de Assis, um dos funcionários terceirizados da Samarco mortos pelo rompimento pediu uma oração em nome dos que se foram. "Meu marido está em meu coração e em meu pensamento. Eu lutaria por ele até o fim e quem me conhece sabe que vou lutar até o fim para ter justiça para ele. Trouxe o nome dele e a história dele para que a gente consiga condenar os que mataram a ele e a todos (as vítimas) aqui", disse Ana Paula.

 

 

Nesta quinta-feira (24/10), quarto dia do julgamento que apontará se a empresa BHP é culpada ou inocente pelo rompimento, os representantes legais da multinacional disseram já ter pago indenizações a mais de 200 mil pessoas, entre elas clientes dessa ação em Londres, na Vara de Negócios e Propriedades das Cortes da Inglaterra e do País de Gales. A próxima fase será a análise de especialistas (confira as próximas etapas do julgamento na arte abaixo) e o julgamento de mérito termina em 5 de março de 2025.

 


Na audiência anterior, os defensores disseram que a Samarco trata-se apenas de um investimento e não de uma espécie de braço operacional da empresa.

 

A BHP é sócia da mineradora Vale no controle da Samarco, a empresa que operava a barragem que se rompeu em 5 de novembro de 2015, em Mariana. Por se tratar de multinacional anglo-australiana (inglesa e australiana), o escritório internacional Pogust Goodhead, que representa os atingidos, acionou a BHP na justiça inglesa e pede R$ 248 bilhões (44 bilhões de dólares).

 


Os advogados da BHP também refutaram provas trazidas pelos advogados dos atingidos, representados pelo escritório internacional Pogust Goodhead. Insinuaram que algumas se baseiam no inquérito criminal que prescreveu antes de julgamento e por isso não teria validade.

 

Pamela Rayane (d) mãe de Emnuelly, morta no rompimento da Barragem do Fundão fala da sua dor

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
 

 

Indicaram, também, que houve acordos de liquidação antes e que atingidos que os processam receberam verbas da Fundação Renova, que foi criada para executar as reparações e indenizações.

 

Segundo essas alegações, 133.000 pessoas atingidas foram pagos pelo dono da água (cerca de R$ 1 mil para cada). E com isso essa questão teria sido terminada. Já Programa de Indenização Mediada chegou a 14.000 que foram pagos e com isso contemplados. Em relação ao novo sistema, o Novel, outros 68.000 requerentes foram pagos.

 

Na corte, os advogados afirmaram se tratar de processos mediados, guiados por mediadores que eram advogados qualificados. Qualquer indivíduo afetado que quiser participar dos programas era obrigado a comparecer a uma série de reuniões com a Fundação Renova para saber todos os detalhes sobre o programa.

 

O sistema Novel foi considerado como alternativa depois de uma sentença em Baixo Guandu (ES). Segundo a BHP, a pessoa afetada receberia um valor predefinido renunciando a qualquer direito de fazer outras reivindicações para indenizações decorrentes do rompimento e não poderia prosseguir com nenhum processo no exterior.


O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, ocorreu em 5 de novembro de 2015, a 120 km de Belo Horizonte. Resultou no vazamento de aproximadamente 45 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração, compostos por lama e rejeitos de minério de ferro. Essa avalanche de detritos atingiu a bacia do Rio Doce, devastando o ecossistema e impactando a vida de milhares de pessoas entre Minas Gerais e o litoral que se estende do Espírito Santo ao sul da Bahia.

 

Atingidos fazem manifestação pelas ruas de Londres

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press


Foram afetados 46 municípios e uma população de 700 mil indivíduos sofreram as consequências do desastre. O número de vítimas fatais chegou a dezenove, com um corpo jamais encontrado e um bebê que não sobreviveu quando a mãe sofreu um aborto espontâneo. A mancha de poluição percorreu 675 quilômetros pelas águas dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Foram contabilizadas 11 toneladas de peixes sem vida, e a área de Mata Atlântica destruída atingiu 800 hectares.

 

Calcula-se que a indenização na Inglaterra atinja a cifra de 248 bilhões de reais, o equivalente a 44 bilhões de dólares. O escritório Pogust Goodhead representa os interesses de 620 mil pessoas afetadas, 46 municípios e 1.500 entidades, entre empresas, órgãos públicos e instituições religiosas. É o maior processo já julgado na Justiça do Reino Unido.

 

Existe a perspectiva de um acordo no Brasil, no valor aproximado de R$ 170 bilhões, com o objetivo de indenizar órgãos governamentais, municípios, vítimas e seus familiares pelos impactos do rompimento da barragem em Minas Gerais e no Espírito Santo. As negociações, que envolvem a Samarco (mineradora responsável pela barragem), suas controladoras BHP Billiton e Vale, e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, correm sob sigilo judicial.

 

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De acordo com a BHP, a Fundação Renova já alocou mais de R$ 37 bilhões para ações de assistência emergencial, pagamento de indenizações, recuperação ambiental e reconstrução de infraestruturas, beneficiando cerca de 430 mil pessoas, incluindo moradores locais, empresas da região e comunidades indígenas e quilombolas.

 


SEQUÊNCIA DO JULGAMENTO
Ao fim da primeira parte, o que se segue nas cortes inglesas?

- 28 a 14 de novembro d e2024

Interrogatório pelos advogados dos atingidos e defensores da empresa à diretores da BHP, agentes de governança indicados para a Samarco entre outros


- Dia 18 de novembro d e2024

Oitiva dos especialistas em direito brasileiro. Serão três escolhidos pela BHP e três pelo Pogust Goodhead para nortear a corte sobre o direito brasileiro ambiental, civil e corporativo

- 13 a 16 de janeiro de 2025
Ouvidos especialistas de geotecnia (para falar das condições das barragens, métodos de segurança, prevenção, causas do rompimento entre outros). Possivelmente poderão ser ouvidos também especialistas em licenciamento.

- 5 de março de 2025

Fim do julgamento e a sentença de inocência ou cupa para a BHP. Serão cerca de três meses para a apresentação dos valores a serem indenizados em caso de condenação

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