Sílvia Pires e Giovanna Souza

 

Ao menor sinal de nuvens carregadas, o clima de apreensão toma conta de parte dos moradores e comerciantes em Belo Horizonte. Após o temporal do último fim de semana, áreas críticas da cidade, como as avenidas Bernardo Vasconcelos, na Região Nordeste, e Silva Lobo, na Oeste, mais uma vez foram invadidas pelas águas. Embora as intervenções nos córregos que cortam o município tenham gerado avanços, ainda há trechos que sofrem com inundações, enquanto a cidade se divide entre alívio e alerta.

 

Regiões historicamente problemáticas, como as avenidas Teresa Cristina e Vilarinho, experimentaram um alívio em relação aos alagamentos após as obras de contenção. No sábado (26/10), a Teresa Cristina foi interditada como medida preventiva pela Defesa Civil na altura do Barreiro. Desta vez, porém, o Córrego Ferrugem não transbordou. Isso trouxe certo alento aos moradores, que têm assistido ao sucesso das intervenções para contenção de cheias. Por lá, uma bacia de contenção com capacidade para 270 milhões de litros já opera em plena capacidade, ajudando a absorver o excesso das águas que descem pelo córrego.

 




Em outras áreas, no entanto, os relatos são quase uníssonos entre comerciantes que, após anos de adaptação e precaução, ainda veem as águas transformarem a avenida em um verdadeiro rio. Assim como a Teresa Cristina, a Avenida Bernardo Vasconcelos também tem um córrego canalizado bem no meio da pista: o Cachoeirinha. Há muito tempo, a cheia desse curso d’água é uma fonte de apreensão, e os lojistas por lá compartilham um sentimento constante de alerta. Mara Rúbia Moreira Rocha, vendedora há uma década de uma loja de roupas na avenida, descreve o sentimento de insegurança e a necessidade de preparação. “Todo ano é a mesma coisa. A gente fica até apreensivo quando começa a chover. É muito triste mesmo. Quando a água vem, ela arrasta tudo”, conta Mara, que lembra de dias em que móveis e até alguns produtos foram danificados pela água que invade os imóveis sem piedade.

 

O cenário na Bernardo Vasconcelos, alagada no último sábado, remete às memórias da Avenida Teresa Cristina, que por anos enfrentou inundações constantes, com as ruas completamente debaixo d’água. A força das águas nesse trecho levou comerciantes ao desespero. Apesar das intervenções no córrego e construção de um reservatório semelhante ao da Teresa Cristina — que deverá armazenar até 27 milhões de litros de água e cuja entrega está prevista para este segundo semestre de 2024 —, na altura da Avenida Cristiano Machado, no Bairro Vila Suzana, iniciadas há dois anos, ainda não traz alívio imediato para quem convive com os transtornos das enchentes na Bernardo Vasconcelos. A obra está diretamente ligada a outros dois mananciais da Região Nordeste: os ribeirões do Onça e Pampulha, e promete solucionar também as recorrentes inundações nas avenidas Cristiano Machado e Sebastião de Brito. O investimento é de cerca de R$ 68 milhões com recursos próprios da prefeitura.

 

 

Até o término das obras, os moradores e lojistas dessas regiões dependem de medidas preventivas, como a interrupção do tráfego de veículos nas vias com risco de alagamentos e limpeza de córregos e boca de lobo para amenizar os riscos. Na loja de Mara, um sistema de vedação foi instalado na tentativa de bloquear a água, mas nem sempre é suficiente. “Por aqui não entra mais, porque a proteção ajuda muito. Ela tem umas borrachas que vedam. Mas, dependendo do nível da água, nada segura”, aponta.

 

Ela conta que, em chuvas anteriores, os móveis da loja já precisaram ser reformados e até mesmo o piso, que antes era de laminado, precisou ser trocado por um de cerâmica. O fluxo da água é tão intenso que um banco na avenida chegou a fechar as portas após repetidos episódios de alagamento e prejuízos. Em apenas duas horas de chuvas no último sábado, o volume superou o previsto para todo o mês e alcançou 115,2 milímetros (mm), pouco mais dos 110,1mm da média climatológica para outubro.

 

 

A alguns metros dali, João Victor, funcionário de uma padaria na mesma avenida, conta que o estado de alerta durante as chuvas faz parte do cotidiano de quem trabalha na região. No sábado, ele finalizava seu turno de trabalho quando viu a água avançando rapidamente. “Em questão de 15 minutos, começou a subir muito. Todo mundo já fica atento e acaba fechando as portas quando vê que vai piorar,” explica. As barras de metal utilizadas na porta ajudaram a conter as águas desta vez, mas ele conta que, em episódios anteriores, a padaria já viu equipamentos serem danificados pelas chuvas. “A água desceu muito forte, e em questão de meia hora já tinha abaixado. O povo aqui já fica prevenido,” ele comenta.


DESTRUIÇÃO E PREJUÍZO

A quilômetros dali, na Região Oeste de Belo Horizonte, comerciantes da Avenida Silva Lobo também não escaparam da fúria das águas. Para Márcio Sousa, de 53 anos, dono de um restaurante na via, a primeira experiência com alagamentos foi assustadora. Com 20 centímetros de água dentro do restaurante, aberto há três anos, ele precisou limpar todo o local antes de abrir no domingo. “Dá um susto. Você vê tudo cheio de lama e fica preocupado com o que pode ter estragado. Fica o medo de uma próxima vez”, afirma. Resignado, ele ainda não considera instalar reforços para evitar novos alagamentos, e descreve a cena como “algo da natureza”. “Pensar em evitar é meio complicado, não tem como. A gente fica com medo, com certeza. Quando vem a chuva forte, o coração da gente treme”, relata.

 

Ao chegar para trabalhar na manhã de ontem (28/10), o vendedor Marcelo Nunes, de 42, encontrou a loja tomada pela lama e água, o que exigiu uma faxina completa antes de abrir as portas. “Cheguei aqui e estava tudo sujo, cheio de barro,” conta. Mesmo com poucos meses de trabalho no local, ele já sente o receio que acompanha o histórico da região, conhecida pelos pontos críticos de alagamento em dias de temporal. Embora o nível de água não tenha danificado mercadorias, a cena o deixou em alerta. “A gente fica com medo, lógico. Sempre tem esse receio. Até hoje, não aconteceu aqui dentro, mas nos vizinhos sim, e a gente já fica de olho aberto para o que pode vir", reflete.

 

Quem não teve a mesma sorte foi Bruno Assunção, de 39, dono de uma oficina automotiva com 46 anos de funcionamento, que perdeu computadores e até um equipamento para alinhamento de veículos. Em apenas algumas horas, a loja foi inundada, deixando um rastro de lama e prejuízos financeiros. Depois de quase oito horas de limpeza pesada no domingo para conseguir abrir as portas na segunda, ele calcula ter perdido cerca de R$ 20 mil com os danos causados pela água. “Essa foi uma das piores que já vi aqui. Eu até vim aqui no sábado, não tinha nem sinal de chuva. Horas depois, veio a enchente”, desabafa. A volta à normalidade ainda vai exigir a manutenção de equipamentos danificados e reposição de materiais nos próximos dias.

 

A situação é recorrente, e o problema se agrava com o tempo. “Não é a primeira vez. Durante uns três ou quatro anos ficamos sem problemas, mas em 2019 tivemos enchentes duas vezes em um intervalo de cerca de quatro meses. No início deste ano, também houve uma cheia que chegou perto — não chegou a invadir a loja, mas assustou um pouquinho. Aqui é comum, sempre tem essa fatalidade”, relata. Mesmo com a instalação de dutos subterrâneos para facilitar o escoamento da água, o comerciante aponta que o volume continua acima do que a estrutura comporta. “Aqui, quando dá enchente, é sempre destruição. Passeio quebra, bueiros entopem, e a gente fica esperando a próxima,” relata. Depois dos estragos desse fim de semana, teve quem fechou as portas na segunda-feira para limpar os estragos e até comerciante desanimado que já considera se mudar, conta Bruno.

 

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NOVOS PROJETOS DA PBH


Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Belo Horizonte informou, em nota, que está em fase de estudos e elaboração de projetos para soluções de macro e microdrenagem nos córregos Cachoeirinha, na Avenida Bernardo Vasconcelos, e Piteiras, na Avenida Silva Lobo. A previsão é de que os projetos sejam concluídos no primeiro semestre de 2025, etapa que antecede o processo de licitação das obras.
Reeleito no domingo (27/10), o prefeito Fuad Noman (PSD) cravou como prioridade “tomar conta da chuva”. Em sua primeira declaração após a vitória, Fuad afirmou que buscará mais recursos para as obras. "Você viu ontem (sábado) o que aconteceu na cidade de Belo Horizonte: 104 milímetros de chuva na cabeceira do Ferrugem. E graças a Deus e às obras, que não estão 100% prontas, estão 100% operacionais, não tivemos problemas lá. Nós temos Praça das Águas, temos uma série de outras obras na Vilarinho que precisam ser terminadas. Então, a primeira prioridade é tomar conta da chuva", afirmou em conversa com a imprensa. 

 
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