As rochas escuras do morro e o cerrado árido desviam a atenção da larga abertura de uma caverna. Essa camuflagem natural esconde nas profundezas da cavidade uma multiplicidade de tesouros. Nas câmaras e corredores escuros da Gruta de Maquiné se extraiu salitre para fabricar pólvora, fósseis que explicaram a evolução das espécies, se admira belezas que encantaram o pai da paleontologia brasileira, Peter Lund, e inspiraram poesia e prosa do imortal Guimarães Rosa.

 

Não bastassem todos esses tesouros, a caverna - que é uma das mais visitadas do Brasil, com cerca de 30 mil pessoas por ano -, tem ainda locais preservados onde vivem espécies que só existem lá nesta gruta de Cordisburgo, na Região Central de Minas Gerais, como o palpigradi (um aracnídeo) Eukoenenia maquinensis.

 



 

As riquezas históricas, biológicas, arqueológicas, paleontológicas, geológicas, culturais e turísticas da Gruta de Maquiné foram revisitadas, redescobertas, estudadas e trazidas pela sua apresentação ao mundo pelo naturalista Peter Wilhelm Lund, em 1834, sendo cuidadosamente relacionadas no livro Gruta do maquiné - 190 anos: um ícone do Patrimônio Espeleológico Brasileiro. A reportagem do Estado de Minas acompanhou parte dessas explorações.

 

Coordenador do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente (Caoma) do MPMG, promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto destaca o apoio da Plataforma Semente

Divulgação/MPMG
 

 

O trabalho científico e de divulgação deste patrimônio que abriga tantos outros foi desenvolvido pelo Opilião - Grupo de Estudos Espeleológicos (OgrEE) contemplado com o repasse de  recursos compensatórios e apoio da Plataforma Semente, do Ministério Público de Minas Gerais/ Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente (Caoma).

 

 

Em edição imponente, o livro traz mapas e representações de variadas perspectivas da gruta e é lançado em Belo Horizonte, nesta terça-feira (28/10), às 18h30, no edifício da PUC Minas, à Rua Sergipe, 790, em Lourdes.

 

Livro marca a história e as riquezas da gruta de maquiné a partir dos 190 anos da visita de Peter Lund

Divulgação/Opilião

 

O lançamento da obra em outubro se aproxima da época da visita do naturalista Peter Lund, há 190 anos. "Maquiné é um imenso patrimônio natural, geológico, histórico e social. E a sua história está intimamente ligada à chegada de Peter Lund, em 1834, pois a história dele mudou a partir daqui e a caverna foi lançada para o mundo com a divulgação dos trabalhos que ele começou há 190 anos", afirma o espeleólogo integrante do Grupo Opilião e doutor em história da ciência, Luciano Faria.

 

 

A plataforma Semente já destinou mais de R$ 80 milhões a projetos e iniciativas de restauro, preservação, ações de divulgação cultural, tradicional e ambiental. "É uma forma de as compensações ambientais de infrações ou regularizações retornarem de forma mais direta como benefício para a sociedade. Neste caso, da Gruta de Maquiné, por exemplo, múltiplos setores sociais e ambientais são contemplados pelo projeto", destaca o coordenador do CAOMA, promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

 

Um dos tesouros encontrados é o palpigradi (um aracnídeo) Eukoenenia maquinensis, que só existe na gruta

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

 

A transparência e efetividade da plataforma Semente já atrairam a Associação Nacional do Ministério Público e promotores de outros estados para replicar a iniciativa em outros estados.

 

 

Os 190 anos da divulgação de Maquiné a partir de Peter Lund traz a colaboração de 19 autores, entre eles biólogos, geólogos, geógrafos e outros. A bioespeleóloga Cristina Machado Borges tinha uma das missões mais desafiadoras. Não apenas descrever a fauna e o ecossistema da caverna, como encontrar o palpigradi que só existe na Gruta de Maquiné, vasculhando as rochas no escuro com a ajuda de uma lanterna, até o encontro do animal que para olhos destreinados parecia apenas um cisco.

 

O livro sobre 190 anos da gruta de maquiné tem 19 autores de diferentes áreas científicas e culturais

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
 

 

"Constatamos que o Eukoenenia maquinensis ainda ocorre na cavidade rochosa. Se você tem um lugar que é um ambiente exclusivo desse animal, há de se ter uma atenção especial a Gruta de Maquiné, para que ele não desapareça e possa ser estudado e conhecido. São animais delicados de dois ou três milímetros. Ele tem como característica um flagelo que seria uma espécie de calda e uma série de filamentos que são órgãos sensoriais por onde ele se localiza dentro da cavidade", afirma Borges.

 

 

José Osvaldo dos Santos, o “Brasinha”, respeitado estudioso da obra de Guimarães Rosa e filósofo do sertão, um dos autores, conta que até Rosa se inspirou com a caverna. "A gente sabe que quando o Lund chega em Maquiné, ele fica encantado. Ele diz que jamais poeta algum saberia descrever com tanta exatidão a beleza desse lugar. Mais de 100 anos depois, nasce em Cordisburgo Guimarães Rosa, que a descreve em vários textos. "Respiradouros do centro da Terra. Buracos negros onde as pedras jogadas não encontram fundo. Como pesadelos de um metafísico. Flores de pedra. Cachoeiras de pedra. Cabeleiras de pedra. Moitas e sarças de pedras. E sonhos d'águas congelados em calcário. Andares superpostos e hieróglifos. Colunas de estalagmite subindo para estalactites", cita.

 

"O objetivo maior é a divulgação do patrimônio espeleológico que é um legado para Minas Gerais e o Brasil. E deixa legados, além deste grande conjunto de dados que catalogamos e reunimos em um só volume. O projeto em si trouxe um novo mapa da Gruta do Maquiné, feito com tecnologia de escaneamento a laser. É um legado que o projeto deixa. E um outro subproduto que o projeto deixa é uma visita virtual à gruta para pessoas com dificuldades de locomoção poderem a conhecer", destaca o professor do Departamento de Geografia e Biologia da PUC Minas e também um dos autores do livro, Antoniel Fernandes.

 

Turistas destacam a preservalção e as belezas inspiradoras da gruta, como Ederson Fernandes e Silvana Salles, de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

 

Para o gerente da Unidade de Conservação Monumento Natural Estadual Peter Lund, Mário Lúcio de Oliveira, a conservação e a preservação da Gruta e da área do monumento são importantes por serem um patrimônio diverso dos homens e o turismo, uma vocação bem-vinda. "Temos o plano de manejo com as diretrizes de o que se pode fazer e como fazer para ter esse equilíbrio das visitas e da conservação. São vários aspectos. Na gruta, Lund encontrou muito fósseis como o da primeira preguiça-gigante descrita. E a caverna está viva. Temos mais de 60 espécies na caverna atualmente. Por isso a importância de sua conservação e da conscientização de trabalhos como este livro", afirma.

 

Márcia Cristina Aleixo Batista, diretora da Escola Municipal Alaíde de Oliveira Sales, em Sarzedo, traz alunos para conhecer o que leram nos livros

Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

 

Visitantes reforçam a necessidade de conservação. Como o casal Ederson Fernandes, de 57 anos, e Silvana Aparecida Salles Santos, de mesma idade, vindos de capelinha no Vale do Jequitinhonha. "Em Maquiné a gente consegue ver o quanto é bom conservar a natureza. Um benefício para todos, para o clima", disse Ederson. "Até como diversão e cultura, um lugar muito lindo e que inspira mais ainda. Acho que não tinha lugar melhor para inspirar Guimarães Rosa", completa Silvana.

 

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À frente de uma fileira de alunos da Escola Municipal Alaíde de Oliveira Sales, de Sarzedo, na Grande BH, todos com seus capacetes e mochilas para entrar na gruta, a diretora do colégio, Márcia Cristina Aleixo Batista, leva mais uma geração para conhecer e se apaixonar pela Gruta de Maquiné. "Essa é a oportunidade de os alunos conhecerem o que se fala nas aulas de geografia, história, ciências. Agora vão experimentar o real e isso vai marcar. Vai fazer parte da vida de cada um deles", avalia a diretora.

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