Uma mulher, de 28 anos, denunciou à Polícia Civil supostos abusos sexuais e cárcere privado que teriam sido praticados contra seus filhos, uma menina de 4 anos e um menino de 7, em julho deste ano. O autor seria um conhecido da família, frequentador da mesma igreja que eles, no Bairro Industrial, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O caso engrossa as estatísticas que apontam que a maior parte dos estupros, incluindo aqueles contra pessoas vulneráveis, são cometidos por familiares e conhecidos das vítimas (veja quadro abaixo).
No momento em que os abusos teriam sido praticados, a mãe estava na maternidade, recuperando-se após ter dado à luz a sua terceira filha. Um inquérito policial foi aberto e a investigação é conduzida pela Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher em Contagem.
Em conversa com a reportagem, a mãe relatou ter deixado os dois filhos, Maria* e José*, sob cuidados de uma amiga da família, Patrícia*, esposa do pastor da igreja que frequentavam. As crianças ficaram na casa dessa conhecida, em Ibirité, na Grande BH, por três dias. "A gente confiava porque convivemos com ela há muitos anos. Eu convivo desde os meus quatro anos de idade, o meu marido a mesma coisa.”
Logo após retornarem para casa, as crianças mudaram de comportamento, o que, inicialmente, foi visto como ciúmes da irmã que acabara de nascer. No entanto, cerca de dois meses depois, elas tiveram coragem de relatar o que aconteceu naqueles três dias.
Cárcere privado
Conforme relatado no boletim de ocorrências da denúncia, as crianças disseram ter sido trancadas no galinheiro da casa de Patrícia, onde ficaram por longas horas. A sessão de tortura teria se estendido com banhos gelados e choques com raquete elétrica. As crianças também relataram que Patrícia as deixava com fome propositalmente.
“Eles não deixaram meus filhos comerem. O iogurte que a gente mandou, eles bateram na escada e estouraram. Também comiam coisas na frente deles e não davam. Privaram eles de alimento", detalha a mãe das crianças.
Em outro momento, ainda dentro dos três dias, a conhecida da família teria empurrado João na piscina, relato que foi corroborado pela irmã. O menino, que não sabe nadar, contou à mãe ter ficado inconsciente.
Estupro de vulnerável
Os supostos abusos cometidos no sítio ganharam nova dimensão em seguida, quando Cristiano*, irmão de Patrícia, teria estuprado Maria. A menina relatou à mãe que, em determinado momento, o homem beijou a boca dela, que, assustada, chorou e pediu para parar. Cristiano também teria afastado a roupa da menina e passado a mão na vagina dela.
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“A gente já tinha desconfiado de algumas coisas. A Maria não faz xixi na cama desde quando tinha 1 ano e 8 meses, ela sempre ia no banheiro. Mas ela começou a ter pesadelo, voltou a molhar a cama. Várias vezes a gente pegou ela gritando ‘tira a mão daqui, Cristiano’. E a gente não entendia o que estava acontecendo. A gente perguntava e ela não respondia.”
As crianças contaram que as investidas de Cristiano sobre Maria aconteciam há mais tempo. Ele mora nos fundos da igreja frequentada pela família e, ao final dos cultos, chamava as crianças da congregação para ir à sua casa, nos fundos, comer pipoca. Em uma dessas ocasiões, ele teria passado a mão nas partes íntimas dela.
Maria e José alegaram para os pais que foram ameaçados de morte por Cristiano e Patrícia caso contassem sobre o acontecido. "O meu filho disse que tinha que tratar eles normalmente, porque se não eles iam matar a gente. Também disse que foi a Patrícia que jogou ele dentro da piscina, que não conseguia respirar lá dentro. Também disse que sentiu falta de ar", relata a mãe.
Pessoa de confiança
Desde aqueles dias, com as crianças fora de casa, quando teriam sido praticados os abusos, a rotina da família virou de ponta cabeça. Maria e José passaram a ter crises de choro e mudaram o comportamento, tornando-se reclusos, ansiosos e agressivos. “A gente comprou uma raquete para matar pernilongo e a Maria teve uma crise de choro quando viu. Até que ela contou que Patrícia bateu nela com a raquete e deu choque”, relata a mãe.
A mãe de Maria e José conta que ensinou para a filha que ninguém pode tocar nas suas partes íntimas. "As vítimas têm que denunciar e os pais têm que acreditar nos filhos", afirma a mulher. Ela conta que, ao ouvir da filha que o abusador teria sido um conhecido da família, não duvidou do relato da menina.
Após tomar conhecimento do horror vivido pelos filhos, a mãe passou a conciliar os cuidados de casa, o que inclui a bebê de três meses, com idas à delegacia e ao conselho tutelar. Maria e José já foram, inclusive, ouvidos pela psicóloga criminal, em decorrência do inquérito policial aberto para investigar as denúncias.
A mãe conta que, certo dia, encontrou o menino apoiado na varanda do segundo andar da casa chorando – e acredita que ele poderia ter pulado, caso ela não tivesse se adiantado e puxado o menino.
A família parou de frequentar a igreja, especialmente após não receberem apoio do pastor, que, vale relembrar, é próximo do suposto abusador. Hoje, a mãe conta que o principal desejo é que as investigações continuem e que justiça seja feita. "Estamos correndo atrás dos direitos dos nossos filhos, isso precisa ser resolvido. Tenho certeza que outras crianças passaram por isso, mas estão com medo de contar para os pais assim como meus filhos ficaram com medo", finaliza.
*Todos os nomes são fictícios para preservar a identidade das vítimas.
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Estupros de vulnerável em 2023
No Brasil
64.237
(aumento de 7% em relação a 2022)
Minas Gerais
3.990
(aumento de 11,5%)
• 64% dos autores de estupros contra crianças de 0 a 13 anos são familiares
• 22,4% são conhecidos da família
61,6% das vítimas de estupro tem até 13 anos, sendo:
• 11,1% têm entre 0 e 4 anos
• 18% têm entre 5 e 9 anos
• 32,5% têm entre 10 e 13 anos
• Em 2023, foi cometido um estupro contra crianças de até 13 anos a cada 10 minutos.
• Taxa de estupros em geral no Brasil é de 41,4 por 10 mil habitantes
• De 2011 a 2023 estupros cresceram 91,5%
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública