Trafegar pela BR-262 tem sido uma tarefa de risco para os motoristas. A rodovia tem aproximadamente 760 quilômetros de extensão em Minas Gerais, cruza o estado de leste a oeste, passando por cidades importantes do estado. O problema é o alto número de acidentes envolvendo diversos fatores como falta de duplicação em vários trechos e fluxo pesado de veículos de grande porte. Nos trechos mais perigosos, a rodovia tem curvas sinuosas, o que aumenta os riscos de ocorrências graves, incluindo batidas frontais e saídas de pista. De janeiro a setembro de 2024, foram registrados 691 acidentes na via em Minas – acelerados também pela imprudência dos motoristas –, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Apenas entre domingo (27/10) e ontem (29/10) foram ao menos quatro, em diferentes regiões do estado.

 

Na madrugada de ontem, um motorista de caminhão, de 43 anos, morreu depois de o veículo capotar no Km 381 da BR-262, próximo a Mateus Leme, na Grande BH. O caminhão transportava uma carga de 60 bois. Segundo a Polícia Militar Rodoviária (PMRv), vários animais ficaram feridos e alguns morreram. A principal suspeita da PMRv é que o motorista tenha dormido ao volante, já que o tombamento aconteceu em um trecho reto da via. Quando o resgate chegou ao local, o motorista, que ficou preso às ferragens, já estava morto.

 

Já no Km 129 da rodovia, próxima a Rio Casca, na Zona da Mata de Minas Gerais, uma erosão interditou parte da pista, causando transtornos para os motoristas, ontem. De acordo com a PRF, a erosão rachou o asfalto em várias partes e compromete a circulação em uma pista. O acostamento foi isolado. O local é uma descida e fica próximo de um trecho que foi recuperado e entregue à circulação de veículos em janeiro deste ano. Somente depois de um levantamento feito pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), os técnicos do órgão devem decidir se a interdição da pista será total ou parcial. Se houver a interrupção total, o Dnit anunciará as opções de desvio.

 

 

Na segunda-feira (28/10), quatro pessoas morreram e uma ficou ferida em um acidente envolvendo um caminhão e um carro, entre o trevo de São José do Goiabal e Rio Casca. Uma das vítimas foi resgatada em estado grave e levada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para um hospital de João Monlevade, na Região Central do estado. A dinâmica do acidente não foi divulgada. No mesmo dia, uma carreta que transportava milho tombou e interditou completamente a rodovia, na altura do Km 185, próximo a São Domingos do Prata, na Região Leste do estado. Não se sabe o que provocou o tombamento.

 

No domingo (27/10), a motorista de uma caminhonete, de 32 anos, morreu em um acidente no Km 550, em Luz, Região Centro-Oeste do estado. Segundo informações da PRF, ela tentou fazer uma ultrapassagem em local proibido e acabou batendo de frente com um caminhão que seguia no sentido contrário. Ainda de acordo com o órgão, a pista estava molhada por causa da chuva. O motorista do caminhão não se feriu. Por causa do acidente, a pista ficou interditada nos dois sentidos das 20h às 23h.

 




INADEQUAÇÃO ESTRUTURAL


Segundo o diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra, toda a BR-262, especialmente no trecho que passa por Manhuaçu, na Zona da Mata, tem alto índice de acidentes. De acordo com a PRF, o trecho que passa pelo município é o com maior número de acidentes este ano. Foram 85 ocorrências. Entre as causas, o especialista cita a falta de duplicação, condições precárias e o fluxo pesado de veículos de grande porte.

 

“Esse trecho da rodovia não é duplicado e tem curvas sinuosas, o que aumenta os riscos de acidentes graves, incluindo colisões frontais e saídas de pista. A combinação de uma rodovia de pista simples com tráfego intenso e inadequação estrutural contribui para sua classificação como uma das rotas mais perigosas da região.”

 

 

Segundo ele, a falta de infraestrutura inclui também a ausência de postos de pesagem, essenciais para controlar o excesso de carga dos caminhões, o que não só impacta a segurança mas também a durabilidade da estrada. “Esses fatores, somados à geografia montanhosa e ao elevado volume de caminhões, elevam o risco de acidentes na BR-262, exigindo uma atenção urgente para sua duplicação e melhorias na sinalização e manutenção”, ressalta.


ANSIEDADE E IMPRUDÊNCIA


“O tráfego por si só desses veículos já é um fator adicional importante porque causa uma retenção dos veículos que vêm imediatamente atrás. Como estamos diante de uma via que não é duplicada, toda e qualquer possibilidade de ultrapassagem é realizada apesar de a sinalização viária não permitir. Isso cria nos motoristas uma ansiedade, imprudência, além de ser um fator adicional para adoção de comportamentos de risco”, pontua.

 

O fato de a rodovia ter muitos trechos sem duplicação aumenta o risco de acidentes, de acordo com o especialista. “Isso tem a ver com o perfil do condutor. Em uma via de mão única, os veículos permanecem por longos períodos de tempo em filas, atrás de outros de grande porte que trafegam em velocidade menor. Essa situação de impaciência faz com que motoristas nem raciocinem direito e adotem hábitos infracionais, como forçar uma ultrapassagem ou ultrapassar onde reconhecidamente não é permitido.”

 

De acordo com Coimbra, condutores que forçam passagem e fazem ultrapassagem proibida não calculam bem as distâncias. “Nesse caso, os acidentes são muito trágicos porque, na maioria das vezes, estão relacionados a uma colisão frontal, que é o pior tipo de batida que existe.”

 

Outro ponto levantado pelo especialista é a ausência de postos de pesagem, que abre caminho para o tráfego de veículos com carga excedente. “Isso pode causar problemas mecânicos no veículo, já que a sobrecarga de peso associada à falta de manutenção pode comprometer (a direção) em caso de frenagem brusca ou da necessidade de parar o veículo diante da sobrecarga dos componentes de freio.”

 

 

Para o especialista, o poder público transfere a responsabilidade da solução do problema para a iniciativa privada, ao permitir a concessão de alguns trechos da rodovia. “Prova maior de que o governo não está comprometido com a segurança no trânsito é que, neste período, até a concessão, nenhuma outra medida que seria possível foi adotada. Entre as possíveis medidas ele cita implementar campanhas de fiscalização, estimular hábitos de educação para o trânsito, controle rigoroso de velocidade, presença policial para autuar atos infracionais e postos de pesagem. “Seriam alternativas válidas, baratas e que, a curto prazo, promoveriam uma grande redução desses números.”

 

Coimbra acredita ainda que as políticas públicas estão sendo permissivas ao negligenciar os riscos que veículos de grande porte representam para todos os integrantes do sistema nacional de trânsito. “Quer seja pela falta de fiscalização das condições do veículo, em relação ao transporte adequado de cargas excedentes, fiscalização de manutenção. A legislação permite que a carteira nacional de motorista desses condutores que trafegam em todas essas condições tenha o mesmo prazo de validade dos motoristas comuns.”


JORNADAS EXAUSTIVAS


Para ele, a validade da carteira deveria ser de cinco anos. Além de todos esses fatores, a saúde do motorista também deve ser levada em consideração para evitar que acidentes ocorram com tanta frequência. “Hoje, o motorista está debilitado em sua saúde física e mental por jornadas exaustivas. E mais de 70% dos motoristas de transporte autônomo de cargas não fazem exames regulares pelo SUS anualmente. Se essas pessoas só vão ao médico no momento de renovar a carteira, passar o prazo para 10 anos é dobrar o risco”, alerta.

 

O especialista teme que a maioria desses motoristas perca a vida antes da próxima renovação da carteira por doenças do metabolismo como diabetes e hipertensão, que podem causar infarto e AVC. “Muitos também não chegarão vivos pelo aumento exponencial desses eventos evitáveis de trânsito.”

 

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Trecho vai a leilão


Um trecho de 438 quilômetros da BR-262 vai a leilão de concessão amanhã (31/10), a partir das 14h. O projeto de concessão da via entre Uberaba, no Triângulo Mineiro, e Betim, na Grande BH, prevê melhorias na estrada e investimentos de mais de R$ 8 bilhões. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entre as melhorias estão a duplicação de 44,3km de rodovia, implantação de 168,87km de faixas adicionais e de 3,63km de vias marginais. Além disso, estão previstas a instalação de um Ponto de Parada e Descanso (PPD), de 17 passarelas de pedestres, 100 pontos de ônibus e de três passagens de fauna. Segundo a ANTT, pelo menos 4,4 milhões de pessoas serão diretamente beneficiadas e 63.765 empregos devem ser gerados, contribuindo para o crescimento econômico e a geração de oportunidades de trabalho na região.

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