Depois da solenidade, os convidados registraram o momento em frente ao Palácio da Liberdade  -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Depois da solenidade, os convidados registraram o momento em frente ao Palácio da Liberdade

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

O Palácio da Liberdade, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, foi palco de uma solenidade cheia de emoção, música e simbolismo na tarde desta quinta-feira (7/11). A rainha Diambi Kabatusuila, da República Democrática do Congo, foi recebida em uma cerimônia que marca o início da programação para as comemorações do Mês da Consciência Negra em Minas. 


Segundo o governo do estado, a visita da autoridade congolesa é motivada pelo interesse na troca de conhecimentos sobre história, culturas, costumes e tradições dos povos africanos e da diáspora. O Congo é um dos países africanos de etnia Bantu, grupo ao qual pertenciam os primeiros africanos que pisaram em solo brasileiro e deixaram uma importante contribuição na formação da identidade cultural brasileira.

 


A rainha congolesa foi recebida pelo secretário de Cultura, Leônidas Oliveira, e pela rainha conga de Minas Gerais, Isabel Casimira, conhecida como Belinha. 


Em seu discurso, Leônidas lembrou que Minas Gerais ocupa a segunda posição com maior população de negros no país, atrás apenas da Bahia. "Os povos negros são fundantes de nossa arte, nossa cultura, nossa cozinha, nossmodo de ser.”

 

O secretário disse que era uma alegria imensa receber a rainha do país africano no salão de banquetes do Palácio da Liberdade. "Precisamos avançar muito em relação a várias mazelas históricas. Precisamos ser mais tolerantes, assumir que somos ainda um povo muito racista. Precisamos assumir com clareza a justiça social e o resgate de anos de escravidão que é preciso reparar. Tudo o que fizermos nesse país, construído pelas mãos dos negros, é pouco pelo tanto que fizeram”, completou.

 

 


 

Ato simbólico 


O presidente da Liga das Escolas de Samba de Minas Gerais e representante de uma casa de candomblé tradicional do estado, Tata Márcio, destacou a cultura bantu presente em Minas. “Desde sempre, os negro bantus foram trazidos para cá pela exploração das minas. O pessoal do Congo tinha a tecnologia da mineração. Por isso, foram escolhidos para ser trazidos para cá. Quero dizer que um negro bantu, naquela época, tinha uma expectativa de vida de 30 anos. Em cem anos, perdíamos três gerações. Perdemos muitas gerações”, lamentou. 

 


No Mês da Consciência Negra, Márcio diz que o ato de hoje é simbólico. “Sobretudo para tentar reconstruir essa história de outra maneira, sob um outro viés. O povo preto que construiu este palácio. O Palácio da Liberdade cumpre seu papel hoje, de fato, de libertar esse povo, quando recebe aqui uma rainha desse povo”, frisou.

 

 

“Acho que, pela primeira vez, o povo preto está sentado nesta mesa. Na mesa que fomos obrigados a servir, durante séculos, hoje estamos sentados à mesa. E a cabeceira da mesa é composta por uma soberana negra de tradição bantu. É esse tipo de consciência que precisa se formar nesta comunidade. A presença da senhora é, sobretudo, uma dádiva e materializa nosso sonho de nos libertar de uma vida que ainda é muito dura para nós. Mas são janelas como esta que nos fazem ver o sol brilhar cada vez mais forte e pujante”, completou.


Thirey Ilê Odara, presidente do primeiro bloco afro de BH, o Afoxé Ilê Odara, fundado em 1979, também descreveu a importância de estarem todos ali sentados à mesa do salão do palácio.


“É uma satisfação estar aqui vendo essa homenagem da nossa ancestralidade, que veio da África. O Brasil não conhece a África, mas a África conhece bem o Brasil”, declarou. Em seguida, ele cantou uma música do bloco, em homenagem à rainha, e foi acompanhado por todos os presentes com palmas. Outros representantes de movimentos culturais, terreiros de candomblé e de capoeira falaram e cantaram em homenagem à rainha. Muitos se emocionaram, e todos destacaram a importância e representatividade daquele momento para a comunidade negra. 

 


A rainha começou a falar em português, disse que estava feliz em ser recebida no palácio e explicou que entende bem o idioma, mas como usaria termos complexos em seu discurso, preferia fazê-lo em inglês. Ela teve ajuda de uma tradução simultânea. Muito emocionada, levou alguns instantes para começar a falar. 


"Estar aqui é uma grande honra para mim. Diambi significa aquela que traz boas novas, e este é meu trabalho, minha missão. Na África, o nome da pessoa é a missão que ela tem para carregar”, explicou. A rainha disse que no Brasil tem a chance de encontrar e criar boas notícias. “Ser um africano não é definido pela cor da sua pele, da textura do seu cabelo. É a disposição do seu coração. A menos que você more em outro planeta, todos são africanos.”

 

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A rainha ressaltou que, quando está no Brasil, se vê em cada brasileiro. “Assim como vocês, tenho uma herança de mistura e diversidade.”

 

Ela relatou ter crescido no Congo, país que também passou por colonização europeia, e descreveu o sofrimento que escravizados e africanos que permaneceram no continente passaram, mas deixou uma mensagem de força e esperança. “A África, a mãe da humanidade, continua fértil e trazendo frutos para esta terra. E ela precisa de cada um de nós, para devolver para ela sua honra.”

 

Programação


Um dos destaques da programação, em comemoração ao Mês da Consciência Negra, é o relançamento do Suplemento Literário de Minas Gerais, que será retomado agora com o tema Afromineiridade, após não ter uma nova edição desde 2016.


A Secult criou um calendário da Consciência Negra em Minas Gerais, construído de forma colaborativa. A iniciativa reunirá eventos de cultura negra, como festivais e mostras, realizados em novembro, em todo o estado. O objetivo é ampliar a visibilidade e reflexão em torno da Consciência Negra. Mais informações no site da Secult.