Alagamentos e enxurradas ameaçam voltar a trazer danos, prejuízos e perigo com a confirmação das previsões de tempestades acima da média histórica até janeiro de 2025 em Belo Horizonte. Esta é a avaliação de especialistas em meteorologia, geografia e urbanismo consultados pela reportagem do Estado de Minas, uma vez que, apesar de trazerem alívio segurando grandes volumes de água, as drenagens ampliadas e 18 bacias de detenção da capital mineira – outras sete estão em andamento – não seriam capazes de impedir esse tipo de efeito das chuvas.
Fortes tempestades concentradas, como as vistas no fim de outubro – que provocaram destruição do pavimento, alagaram comércios e residências em áreas das avenidas Teresa Cristina e Silva Lobo, na Região Oeste, e Avenida Bernardo Vasconcelos, na Regional Noroeste – podem ocorrer novamente. O acumulado das precipitações de outubro, que vieram depois do mais longo período de estiagem na cidade desde a década de 1960, ultrapassou a média climatológica da capital para o mês em todas as regionais, com destaque para a Oeste, onde chegou a 350,2 milímetros, e Centro-Sul, com 301,1mm, segundo dados da Defesa Civil de Belo Horizonte. Os volumes equivalem, respectivamente, a 318,1% e 273,4% da média histórica, que é de 110,1mm no décimo mês do ano na capital mineira.
De acordo com a previsão meteorológica do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), em praticamente todo o estado pode ocorrer registro de volumes acima das médias até janeiro de 2025. "A tendência climática é de repetições das fortes chuvas do último fim de semana de outubro (dias 26 e 27), em Belo Horizonte e Grande BH até janeiro, com superação das médias históricas, sobretudo nas regiões Sul, Zona da Mata e Campos das Vertentes", afirma o meteorologista Heriberto dos Anjos Amaro, do Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos de Minas Gerais (Simge/Igam).
“As bacias de detenção são medidas paliativas. Muito caras de implantar na quantidade necessária, e sozinhas não impedirão completamente as inundações que esse volume crescente de chuvas traz”, avalia o pesquisador e professor do Departamento de Geografia e Biologia da PUC Minas Antoniel Fernandes, que já apresentou trabalhos sobre urbanismo e gestão das águas de BH em congressos da área como o Pluris, em Portugal.
A origem dessas fortes tempestades previstas é a chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um dos principais sistemas meteorológicos causadores de chuvas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, entre o fim da primavera e o verão. "Foi registrada pela primeira vez neste ano justamente no último fim de semana de outubro a formação desse canal de convergência de umidade (a ZCAS). Chegou mais cedo, já que a tendência é ocorrer entre novembro e fevereiro, os meses mais chuvosos do ano", afirma Amaro.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a ZCAS geralmente se configura como “um corredor de nuvens que corta o Brasil, desde o sul da Região Amazônica até o Oceano Atlântico, passando pela faixa central do país. O sistema é resultado do comportamento dos ventos em altos e baixos níveis da atmosfera com a formação de uma frente fria, de um centro de baixa pressão ou de uma área alongada de baixa pressão em superfície”.
Entre os resultados das fortes chuvas como as citadas pelo meteorologista estão os prejuízos como a destruição do pavimento de vias e inundação de comércios e residências. Só no fim de semana citado, os dois dias reuniram chuvas na Região Oeste de BH que superaram em 48% toda a média histórica para o mês de outubro. Essa marca média é de 110,1 milímetros (mm) de chuva nos 31 dias.
Para se ter uma ideia, se captada, essa quantidade de chuva concentrada dentro de uma quadra de basquete oficial, de 420 metros quadrados, acumularia mais de 22 mil litros de água, podendo encher só com esse volume uma carreta tanque bitrem. A chuva que castigou a Região Oeste, chegou a 163,2mm. Esse volume, se concentrado em uma área do tamanho do gramado do Mineirão, com 7.140 metros quadrados, teria água mais do que suficiente para transbordar uma piscina semiolímpica, que mede 25 metros por 12,5m.
Para enfrentar todo esse volume de chuvas, obras para alargamento de drenagens e construção de bacias de detenção como as que têm sido implementadas pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) não seriam suficientes, segundo avaliação do professor do Departamento de Geografia e Biologia da PUC Minas, Antoniel Fernandes, que desenvolve ao lado de outros acadêmicos estudos que acompanham a gestão sustentável das águas na capital mineira.
SOLUÇÃO “MITIGADORA”
"Belo Horizonte optou por medidas estruturais implantando as bacias de detenção. Até o momento são 25 bacias, das quais cinco ainda estão em implementação. Contudo, essa é uma solução mitigadora ou paliativa. Vai reduzir os danos provocados por um volume muito forte de chuvas e de água escoando pelos mananciais, mas não vai conter 100% das chuvas e já vimos isso acontecer. Vamos continuar tendo problemas de alagamentos", afirma o professor da PUC Minas.
Fernandes avalia que essas estruturas têm vários problemas que impedem seu uso sistemático para suprir toda a demanda de excesso de água de tempestades similares às que têm ocorrido. "A função dessas barragens é reter a água momentaneamente e depois liberar lentamente para drenagem, minimizando o efeito das enchentes e inundações nos picos de chuvas mais extremas. Mas são estruturas muito caras para serem construídas, precisando de investimentos robustos. Em Belo Horizonte, o tecido urbano já é praticamente todo construído. Espaços livres são muito difíceis de serem encontrados. O metro quadrado é muito caro. Isso dificulta a aquisição pela prefeitura de espaços para a construção de bacias", afirma.
Só na chuva do encerramento de outubro, a Defesa Civil de Belo Horizonte recebeu 47 solicitações relacionadas às precipitações pelo telefone 199. A maioria dos atendimentos se refere a vistorias em imóveis particulares nas regionais Oeste, Noroeste e Centro-Sul. O chamado mais frequente foi sobre desabamentos parciais de muros de arrimo, com 17 chamadas, seis alagamentos e cinco escorregamentos ou deslizamentos. O Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH) registrou 24 quedas de árvores ou galhos.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informa que, além das obras, o município adotou uma série de medidas de prevenção contra ocorrências graves ou danos à integridade física da população nos temporais. Entre as intervenções, a PBH destacou 30 obras de drenagem de menor porte mas grande impacto em 2023 e 2024. Salientou também os serviços de manutenção realizados no período seco para a preparação para as chuvas, como poda e supressão de árvores, limpeza das 65 mil bocas de lobo e de bacias.
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"O acompanhamento multissetorial é feito diariamente no Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH), com mais de 4 mil câmeras, permitindo o monitoramento de alagamentos, enxurradas, inundações e quedas de árvores, para um rápido atendimento", informa.
O prefeito Fuad Noman destacou que a capacidade de bacias de detenção como a B5, no Córrego Ferrugem, entre BH e Contagem, impediu que a Avenida Teresa Cristina enfrentasse alagamentos catastróficos como nos anos anteriores. "Graças a Deus e às obras, que não estão 100% prontas, 100% operacionais, não tivemos problemas lá (na Avenida Teresa Cristina). Nós temos Praça das Águas (São Gabriel) e uma série de outras obras na Vilarinho que precisam ser terminadas. Então, a primeira prioridade é tomar conta da chuva", declarou.