Encerrado o prazo para a efetivação da matrícula nas escolas da rede pública de Belo Horizonte – que venceu na última sexta-feira (8/11) – e com o processo ainda em andamento em parte das instituições particulares, muitos pais e responsáveis estão agora às voltas com a necessidade de providenciar um novo documento obrigatório: a Declaração de Vacinação Atualizada (DVA), que mostra se a criança recebeu as doses de imunizantes compatíveis com sua idade. A DVA entrou na lista por meio da Lei Municipal 11.720/2024. Por ora, a exigência é apenas para crianças de até 5 anos de idade. A não apresentação dessa declaração não impede o ingresso na escola, mas a instituição deverá comunicar a irregularidade vacinal do aluno às autoridades, para que tomem as medidas necessárias até 30 dias depois da matrícula ou rematrícula. Até lá, pais e responsáveis ainda podem pôr em dia o cartão de imunização das crianças.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, a DVA é emitida pela Unidade Básica de Saúde (UBS) a partir da análise do cartão de vacina da criança. A norma vale tanto para escolas públicas quanto particulares. Isso porque, desde 2015, as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada compõem o Sistema Municipal de Ensino de Belo Horizonte (SME/BH). Com isso, também devem cobrar a DVA na matrícula e rematrícula. A lei entrou em vigor em julho deste ano.
Nas escolas públicas do Sistema Municipal de Ensino de Belo Horizonte, a DVA estava entre os documentos listados para a realização do Cadastro Escolar/2025. A efetivação das matrículas começou em 28 de outubro e se encerrou na sexta-feira (8/11). Quem não conseguiu atualizar a situação vacinal da criança no prazo do cadastro escolar ainda pode – e deve – levar o documento até a escola. “Como o período de efetivação de matrículas do Cadastro Escolar de 2025 teve início em 28 de outubro, ainda não se esgotou o prazo de 30 dias para a apresentação da DVA das crianças de 0 a 5 anos de idade pelos(as) respectivos(as) responsáveis legais. Esgotado o prazo de 30 dias para retirar a DVA e/ou regularizar a situação vacinal da criança na UBS de referência e apresentá-la à instituição escolar, a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de Educação deverão comunicar ao Conselho Tutelar a irregularidade da situação vacinal”, explica a PBH em nota.
No entanto, nas escolas infantis particulares a situação ainda é incerta. Veterinária e mãe de um menino de 3 anos matriculado em uma escola da rede particular, Carolina de Melo, de 30, conta que já fez a rematrícula do filho para o ano letivo de 2025 e a Declaração de Vacinação Atualizada (DVA) não estava entre os documentos solicitados. “Ouvi que essa lei estava para ser aprovada, mas não sabia que já tinha sido. O pessoal da escola do meu filho ainda não me pediu esse documento. Quando fiz a matrícula, no ano passado, eles pediram uma foto da carteirinha de vacina que, na época, eu mandei. Mas ainda não tinha a lei. Agora não me pediram ", detalha a mãe.
Carolina de Melo considera que a nova legislação é uma mudança importante para a saúde pública na capital mineira. “Acho que tem que haver essa exigência. A gente está em uma época em que pais não querem vacinar as crianças e isso coloca as outras em risco. Se colocasse só o filho dele em risco, aí era um problema dele com o filho, mas não. Coloca outras pessoas em risco, e acho que deve ser exigido sim. Ainda mais em uma escola onde fica todo mundo compartilhando as coisas, em contato, há várias doenças que são transmitidas muito facilmente”, defende a veterinária.
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Para o diretor de Legislação e Normas do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinepe-MG), Flaviano Araujo, as instituições de ensino privadas podem solicitar a comprovação da situação vacinal, mas não exigir que esse documento seja pré-requisito para a efetivação da matrícula ou renovação. De acordo com a norma aprovada em julho pela PBH, fica a cargo das escolas apenas solicitar a Declaração de Vacinação Atualizada (DVA) no momento da matrícula e, no prazo de 30 dias, informar para a PBH as situações irregulares.
AVANÇO
O defensor público Paulo Cesar de Azevedo, coordenador Estratégico de Tutela Coletiva do Grupo de Trabalho sobre Vacinação de Crianças e Adolescentes, lembra que a imunização é um direito e um dever do cidadão, o que justifica a cobrança em todas as redes de ensino. “Não faz sentido a gente proteger apenas as crianças de escolas públicas contra doenças que são preveníveis por imunizantes. As crianças de escolas particulares também compõem a sociedade e devem estar devidamente vacinadas para que não adoeçam, mas também para que, eventualmente, se contaminadas, não transmitam essas doenças, defende.
Ele ressalta que “a vacinação não é um direito apenas individual, mas também um dever, porque tem reflexo para a comunidade como um todo. Protege o indivíduo, mas também previne a disseminação de doenças no âmbito coletivo”. Azevedo lembrou ainda que é direito de todas as crianças e adolescentes ter acesso à saúde e dever de todos os pais e responsáveis, segundo o artigo 14, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), (garantir) que esses menores sejam imunizados, “além de ser um dever ético de todo cidadão aderir a essas campanhas de vacinação”.
Antes da aprovação da lei que obriga a apresentação da DVA, era exigido apenas o cartão de vacina da criança durante o cadastro escolar ou matrícula e rematrícula. Para o defensor público Azevedo, “o fato de uma lei prever a apresentação da DVA é um ganho para a sociedade”. Antes, explica, os pais apresentavam o cartão de vacina, mas esse documento só pode ser analisado por especilistas, uma vez que reflete especificidades em relação ao calendário vacinal do Programa Nacional de Imunização. “É toda uma complexidade, e profissionais de educação que recebiam o cartão de vacina diretamente na escola não compreendiam se o documento estava devidamente preenchido”, explica. Azevedo cita como exemplo a periodicidade das doses, que varia de acordo com o imunizante.
DIFICULDADES
A servidora pública Emilene Gomes Silva, de 35, mãe de duas meninas, Mariah, de 8, e Eloah, de 6, matriculadas na Escola Municipal José Maria Alckmin, no Bairro Serra Verde, em Venda Nova, conta que se assustou ao receber um bilhete que pedia a DVA para a matrícula das filhas na escola. Ela explica que, até o momento, não conseguiu encaixar o horário dela com o das filhas para atualizar o cartão de vacina das meninas em alguma unidade básica de saúde de Belo Horizonte e emitir o documento. Na faixa etária das filhas de Emilene, a DVA ainda não é obrigatória, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte.
“Atualizar o cartão de vacina da criança é algo muito importante, até mesmo para a gente não trazer à tona doenças que já foram erradicadas. Mas acredito também que deveria haver muito mais campanhas de vacinação na própria escola. Por exemplo, a última vez que houve uma campanha de vacinação onde a própria escola propôs colocar os cartões de vacina das crianças em dia foi em junho. Mas coincidiu com a minha semana de férias, e aí fomos viajar para a praia e infelizmente as meninas perderam”, conta.
A mãe conta que planeja levar as filhas para tomarem vacinas em 23 de novembro, Dia D de imunização na capital e em outras cidades mineiras, em meio à campanha de multivacinação iniciada em 4 de novembro pelo governo do estado. O bilhete recebido por Emilene Silva estabeleceu que a renovação da matrícula poderia ser realizada até 6 de dezembro na secretaria da escola. Ao Estado de Minas, a Secretaria Municipal de Educação reforçou que a exigência do DVA se aplica apenas aos estudantes de até 5 anos. “Nas demais idades, trata-se de uma recomendação e não obrigatoriedade. A escola foi novamente orientada a respeito dos procedimentos”, esclareceu o órgão em nota.
A ampliação da faixa etária obrigatória para a solicitação da Declaração de Vacinação Atualizada (DVA) durante o cadastro e renovação de matrícula ainda está em estudo pelas pastas da Saúde e da Educação, “considerando a experiência em curso”, complementou a PBH.
FISCALIZAÇÃO E BUSCA ATIVA
A fiscalização do cumprimento da norma será feita em uma ação conjunta das duas pastas. De acordo com a PBH, com as informações dos estudantes que não apresentaram o documento, a Secretaria Municipal de Saúde fará uma busca ativa por meio da equipe da UBS de referência do estudante com o objetivo de regularizar a vacinação. Se mesmo assim ela não ocorrer, o Conselho Tutelar poderá ser acionado. De acordo com a administração municipal, o Conselho poderá tomar medidas dentro do que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O coordenador estratégico de Tutela Coletiva do Grupo de Trabalho sobre Vacinação De Crianças e Adolescentes ressalta que, com o texto, o sistema de monitoramento relacionado à vacinação ficou mais efetivo. “O ECA já prevê, desde 1990, que quando um direito de uma criança ou adolescente é negligenciado pela sociedade, pelo Estado ou pelos próprios pais ou responsáveis, essa criança se encontra em situação de risco. Como não está com a imunização em dia, é latente o fato de que essa criança está, pelo menos, com a sua saúde em risco e pode contrair doenças que poderiam ser prevenidas”, afirma.
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Segundo Paulo de Azevedo, a partir dessa compreensão da situação de risco prevista no ECA, o Conselho Tutelar, como órgão garantidor desses direitos, pode adotar uma série de medidas como orientação, multa, ou, inclusive, “representar às autoridades que essa criança ou adolescente está com uma certa fragilidade na garantia dos seus direitos”. Segundo ele, essa é uma medida mais extrema, “mas a gente acredita que com a orientação e o acompanhamento já seja suficiente para que esses pais sejam sensibilizados e evitem responsabilidades maiores”.