A 'rasoura' teve início na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, e teve cortejo no Cemitério do Carmo -  (crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

A 'rasoura' teve início na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, e teve cortejo no Cemitério do Carmo

crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press

Uma tradição bicentenária se repete na manhã deste sábado (16/11) em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Às 9h, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, no Centro Histórico, teve início a “rasoura”, procissão ao som do toque fúnebre de sinos para reverenciar a memória dos irmãos e irmãs falecidos da Ordem Terceira do Carmo, fundada na cidade há 260 anos.

 

 

A cerimônia teve, na sequência, missa celebrada pelo vigário paroquial, padre Lucas Aguiar, da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, a qual a Igreja do Carmo é vinculada. "É um momento de esperança, e não de morte. Nossos irmãos não morreram, estão adormecidos em Cristo, esperando que o 'galo da manhã' os desperte", disse o vigário paroquial.

 

 

Após sair do templo barroco, o grupo de homens e mulheres carmelitas leigos, com opas e hábitos (vestes da associação), carregando uma cruz coberta por um pano preto e, levando, no andor, a imagem de Nossa Senhora do Carmo, circundou o templo e passou dentro do cemitério, do outro lado da rua - se não houvesse ameaça de chuva, a missa, como de costume, seria no cemitério.

 

Segundo o diretor de Patrimônio da irmandade, José Bouzas, a “rasoura” sempre ocorre duas semanas depois do Dia de Finados. “Fazemos no sábado mais próximo do dia 16. Este ano calhou de ser num sábado”, disse Bouzas, explicando que todo dia 16 é sagrado para os carmelitas, pois remete a 16 de julho, data consagrada a Nossa Senhora do Carmo.

 

A "rasoura", palavra com significado de nivelado, plano, mostra que somos todos iguais, independentemente de ocuparmos, na irmandade, o cargo de prior, secretário ou tesoureiro”, observou o diretor de Patrimônio, citando São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, e Ouro Preto, na Região Central de Minas, como cidades onde há irmandades carmelitas e, por isso, as "rasouras".

 

Cortejo

Em silêncio, os irmãos e irmãos entoaram cânticos e fizeram suas orações no Cemitério do Carmo, construído em 1838 e de uso exclusivo dos integrantes leigos da irmandade. Tudo muito emocionante, remetendo às profundas raízes religiosas e culturais de Minas.

 

 

O Cemitério do Carmo mantém um sistema de sepultamento diferente dos demais. “É como se fosse um prédio, com gavetas nas paredes”, contou o diretor de Patrimônio, esclarecendo que antigamente os túmulos eram chamados de carneiros.

 

Gerações

"Meus avós e pais eram carmelitas, então segui a tradição familiar. Participamos, hoje, de uma cerimônia importante para relembrar os carmelitas falecidos e fortalecer a memória de Sabará. Devemos lembrar também que nossa história está viva", disse a secretária da Ordem, Maria de Fátima Norberto.

 

Em visita a Sabará, o casal Benedito Paiva Borges, farmacêutico, e Enilda de Fátima Paiva, acompanhou o cortejo. "Era um sonho conhecer Sabará. E assim que ficamos sabendo desse ritual viemos ver", disse Enilda. O casal reside em Silvianópolis, no Sul de Minas. "Viajamos oito horas, de carro, para estar aqui", acrescentou.

 

 

Neste ano, uma novidade toma conta do ritual. Trata-se do retorno, às cerimônias, da imagem de Nossa Senhora do Carmo. Furtada em 1995, a joia barroca foi restituída em 17 de setembro ao acervo da igreja, após ser identificada num leilão.

 

Com coroa em filigrana de prata (não furtada), a imagem é atribuída ao português Francisco Vieira Servas (1720-1811), o qual trabalhou como entalhador e escultor em várias localidades mineiras no período colonial. Durante o período de desaparecimento da escultura, foi usada, durante a “rasoura”, uma peça de gesso.

 

'É um momento de esperança, e não de morte. Nossos irmãos não morreram, estão adormecidos em Cristo, esperando que o 'galo da manhã' os desperte', disse vigário paroquial sobre a celebração

"É um momento de esperança, e não de morte. Nossos irmãos não morreram, estão adormecidos em Cristo, esperando que o 'galo da manhã' os desperte", disse vigário paroquial sobre a celebração

Edesio Ferreira/EM/D.A Press

 

Festa de acolhida

Conforme registrou o Estado de Minas, houve uma bela festa de acolhida à imagem de Nossa Senhora do Carmo, na noite de 17 de setembro. A peça do século 18 foi entregue pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) à priora da Ordem Terceira do Carmo, Maria Dalila Dolabela Irrthum, de 92 anos, sob toque de sinos, foguetório, salva de palmas e músicas entoadas pelo coro Flos Carmeli, em clima de muita emoção. O templo e o acervo sacro são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1938.

 

 

Com 38 centímetros de altura, esculpida em madeira e de grande beleza em policromia e douramento, o objeto de fé foi resgatado pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), após denúncia recebida via sistema Sondar (plataforma digital contendo bens mineiros desaparecidos, recuperados e restituídos). O anúncio da venda do bem espiritual e cultural estava no site de uma casa de leilões, em Campinas (SP).

 

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A partir das informações, o MPMG instaurou procedimento investigatório para apurar a denúncia e adotar as providências necessárias para o resgate. Ao entregar a peça à priora, o coordenador da CPPC, promotor de Justiça Marcelo Maffra, disse que ela volta "para o local de onde jamais deveria ter saído". Ele destacou a importância da participação da comunidade na preservação do patrimônio e seu papel como guardiã dos bens culturais.