Trajeto de 30 quilômetros entre Betim e Igarapé soma quase 1 mil ocorrências desde 2022 -  (crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Trajeto de 30 quilômetros entre Betim e Igarapé soma quase 1 mil ocorrências desde 2022

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

Separadas por 125 quilômetros de asfalto da BR-381, os municípios de Betim, na Grande BH, e João Monlevade, na Região Central Mineira, exemplificam contrastes existentes ao longo da rodovia. O trecho que atravessa a primeira cidade citada concentra o maior fluxo de veículos da rodovia federal em Minas Gerais e, também, os maiores índices de acidentes do estado – de acordo com números segmentados pelo Núcleo de Dados do EM junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF).

 

 

No município do interior, os perigos da estrada não são o volume sobre rodas, mas as curvas sinuosas que, somadas aos longos trechos sem pistas duplas, levam a ultrapassagens arriscadas e acidentes fatais.

 

 

A partir desses dados, o Estado de Minas traçou um dossiê dos acidentes registrados na BR-381 em Minas Gerais e que, de janeiro a setembro deste ano, acumulou 1.965 registros, 129 mortes e 2.386 feridos. O levantamento identifica quais são os trechos mais perigosos da rodovia, as principais causas para as tragédias, em quais condições elas ocorrem, dentre outros recortes, como um mapeamento para entender melhor os perigos presentes no corredor que liga o estado ao Espírito Santo e a São Paulo.

 

 

São ameaças conhecidas de perto por pessoas como o caminhoneiro Leonardo de Paula, trabalhador de uma transportadora de Contagem, na Grande BH, e que trafega diariamente pelo trecho mais perigoso da BR-381, em Betim. Se a rodovia fosse recortada em trechos de 30 quilômetros de extensão cada, o caminho entre o supermercado Carrefour, pouco antes da Fiat, e a cidade de Igarapé, na Grande BH, seria o mais perigoso do extrato que cabe a Minas Gerais. Desde 2022, são 948 ocorrências – aproximadamente uma por dia.

 

 

Leonardo de Paula conversou com a reportagem enquanto se preparava para mais uma viagem. Acostumado a conduzir veículos pesados, estava no controle de uma carreta de 26 metros de comprimento e com peso de 54 toneladas. A responsabilidade ao conduzir um veículo desse tamanho deve ser sempre acompanhada de atenção redobrada com os automóveis menores, que compartilham espaço nas pistas – algo previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB): “O maior deve cuidar do menor”.

 

No entanto, a partir da sua experiência no trecho, ele rechaça a pecha de que os caminhões são os grandes responsáveis pelos acidentes na BR-381. “Os carros também têm responsabilidade, porque eles atingem mais velocidade. Os caminhões são mais lentos por causa do peso. Quando acontece um acidente, o dano é maior, pela dimensão e pelo peso, mas com menos frequência. Agora, carro e moto são mais imprudentes. Nós, caminhoneiros, temos que frear a todo momento para não causar acidente”, diz.

 

E haja freio! O tráfego intenso de veículos nos 24 quilômetros da BR-381 que atravessam Betim provocam retenções e congestionamentos em praticamente todas as horas do dia. Tal cenário faz com que os engavetamentos também sejam frequentes. Neste ano, foram registrados 56 acidentes do tipo na rodovia em todo o estado – Betim, sozinha, concentra mais do que a metade das ocorrências e totaliza 32 engavetamentos, um a cada oito dias. No total, 124 veículos se envolveram nesse tipo de acidente entre janeiro e setembro. Não houve nenhuma morte, mas 47 pessoas ficaram feridas.

 

 

Segundo os critérios da PRF, a principal causa dos engavetamentos em Betim gira em torno do condutor que não mantém distância do veículo da frente. A chamada distância segura faz parte das recomendações de prevenção de acidentes e está no rol da direção defensiva.

 

No entanto, o caminhoneiro Leonardo de Paula relata que frequentemente testemunha motoristas de carros e motos que se aproveitam desse distanciamento para tentar pescar uma mudança de faixa. “O condutor de caminhão, na verdade, dá uma distância de um veículo para o outro, mas não sei se é por falta de maldade, e o veículo menor entende que aquilo ali é uma vaga, corta e entra na frente; isso também causa acidentes”, afirma.


Saúde pública

 

Os engavetamentos frequentes se destacam no perfil dos tipos de acidentes que acontecem na BR-381 em Betim, mas não lideram a lista de ocorrências. O topo da relação fica com as colisões traseiras (130), as colisões laterais no mesmo sentido (98) e os tombamentos (87). Os dados são de janeiro a setembro deste ano. Nesse período, foram registrados 464 acidentes na BR-381 pela cidade, o que representa 23% dos acidentes da rodovia em Minas Gerais concentrados apenas nos 24 quilômetros de Betim. Foram 514 feridos no total e 14 mortes.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

 

Recentemente, em entrevista ao EM, o prefeito eleito da cidade, Heron Guimarães (União Brasil), que tomará posse em janeiro, destacou que, dentre os grandes desafios para a saúde do município, está o número alto de acidentados nas rodovias que cortam Betim – além da BR-381, há também a MG-50 e a BR-262. “Temos a questão da ortopedia, que é um grande problema, justamente por causa dos acidentes que essas vias provocam, e também pelos aplicativos de moto. Nosso hospital (regional) tem muitos leitos sendo ocupados por politraumatizados, e isso cria uma fila enorme”, disse.


Salvar vidas

 

Quem também vivencia todo dia os temores da rodovia é o administrador de empresas Renato Carvalho, presidente do Serviço Voluntário de Resgate de João Monlevade (Sevor), grupo de civis que socorre acidentados na estrada que atravessa a cidade. Os dois, à sua maneira, em diferentes posições e localidades, ilustram alguns dos personagens envolvidos nessa longa novela sem fim dos acidentes constantes nas rodovias do estado.

 

Quem circula diariamente pela BR-381 toma parte dos desafios que a estrada apresenta em cada curva. No caso de Renato Carvalho, presidente do Serviço Voluntário de Resgate de João Monlevade (Sevor), as percepções sobre a rodovia são ainda mais profundas, pois faz parte da sua rotina acompanhar os trabalhos do grupo durante os resgates em acidentes no trecho. São 90 voluntários que realizam atendimentos pré-hospitalares nas cidades da região. “Os tipos de ocorrências são casos clínicos, acidentes – que podem ser domésticos, de trabalho ou de trânsito – e agressões, tanto com arma branca, quanto com arma de fogo”, diz.

 

 

O serviço funciona 24 horas por dia, sete dias na semana. A iniciativa, que completou 24 anos neste mês de novembro, se formou devido à ausência do poder público, pois não havia equipes do Corpo de Bombeiros nem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) na região. Atualmente, há um efetivo reduzido de bombeiros que atuam na localidade, mas ambos os serviços se complementam – quando surge alguma ocorrência enquanto as viaturas dos bombeiros estão empenhadas, a corporação aciona o Sevor e vice-versa.

 

Os voluntários do Sevor, em sua maioria formados na área da saúde, realizam uma média de 150 atendimentos por mês. O presidente explica que as ocorrências variam de cinco a dez por dia, sendo que metade dos chamados é para atender acidentes nas rodovias da região. “Períodos de chuvas mudam completamente o cenário. Se chover aqui na BR-381, os dados mudam, porque é um acidente atrás do outro”, diz.

 

Renato Carvalho é presidente do Serviço Voluntário de Resgate (Sevor) de João Monlevade

Renato Carvalho é presidente do Serviço Voluntário de Resgate (Sevor) de João Monlevade

Leandro Couri/EM/D.A Press

 

Para realizar os socorros, os voluntários contam com a estrutura de uma sede operacional, de 1.000 metros quadrados, quatro ambulâncias, duas motocicletas e um carro de auto-salvamento, equipado com ferramentas para retirar pessoas presas a ferragens de veículos ou que tenham caído em barrancos. Parte dessa estrutura foi financiada com recursos e comodatos junto às prefeituras das cidades, outras foram doadas por empresas ou, ainda, adquiridas a partir de doações de pessoas físicas.

 

O presidente Renato Carvalho explica que conhecer o trecho onde dirige é fundamental para que os motoristas possam evitar acidentes, assim como praticar uma condução responsável. “Os motivos dos acidentes passam pela quantidade de curvas. Quando fica um período sem chuva, gera muito óleo e borracha nas curvas, o que leva a ter muita derrapagem e saída de pista. Há também muitas colisões frontais, causadas por negligência de motoristas que ultrapassam em faixa dupla”, afirma.

 


Desafios

 

O relevo acidentado que constitui a maior parte da topografia de Minas Gerais contribui para que as rodovias tivessem muitas curvas sinuosas, aclives e declives, características que geram propensões a um maior número de acidentes. É o que explica o Agmar Bento Teodoro, professor de educação e segurança no trânsito do Cefet-MG.

 

O especialista também enumera outras condições das rodovias mineiras que as tornam perigosas, como o fluxo misto de automóveis, com veículos pequenos e pesados dividindo espaço, e as manutenções aquém do necessário em alguns trechos, principalmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “No geral, também tem a fiscalização. A gente percebe que na maioria dos acidentes o fator velocidade está presente. A fiscalização da velocidade é fundamental para garantir segurança e a diminuição no número de acidentes", diz.


Leilão com promessas


Em relação a João Monlevade, toda a região próxima vive a expectativa de quais serão os próximos passos após a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) realizar, em agosto, o leilão para conceder à iniciativa privada, pelos próximos 30 anos, o trecho da BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. O edital estabelece que a empresa vencedora, a 4UM Investimentos em Infraestrutura de Responsabilidade Limitada, aplique R$ 9 bilhões em investimentos. As melhorias incluem 134 quilômetros de duplicação, além da manutenção da rodovia. A previsão é de que o contrato de concessão seja assinado até janeiro de 2025.