Cristóvão põe pano com veneno na entrada da casa, no Estoril, para tentar evitar a presença  de escorpiões. No detalhe, ele mostra foto de um dos bichos encontrados na área -  (crédito:  Jair Amaral/EM/D.A Press)

Cristóvão põe pano com veneno na entrada da casa, no Estoril, para tentar evitar a presença de escorpiões. No detalhe, ele mostra foto de um dos bichos encontrados na área

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

Moradores do Bairro Estoril, na Região Oeste de Belo Horizonte, e comerciantes da Praça Sete, no Centro da capital, vivem sob alerta com o aumento do aparecimento de escorpiões em ruas, calçadas e até dentro de imóveis. Relatos de picadas e encontros frequentes com os aracnídeos, que figuram entre os principais causadores de acidentes com animais peçonhentos no Brasil, preocupam quem transita pelas áreas mais afetadas. Dados da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) revelam que, entre janeiro e a primeira quinzena de novembro deste ano, foram registradas 620 solicitações de controle de escorpiões na cidade, número que corresponde a quase 60% do total de registros feitos ao longo de todo o ano passado, que somaram 1.086.


Na Rua Paulo Piedade Campos, no Estoril, Cristóvão Humberto Fonseca, de 58 anos, morador de um prédio residencial, precisou mudar a rotina para tentar proteger a casa e sua cachorrinha dos animais peçonhentos. Nos últimos 13 dias, pelo menos seis escorpiões de tamanhos variados foram encontrados no prédio, inclusive dentro dos apartamentos. Agora, Cristóvão mantém a janela fechada mesmo nos dias quentes, coloca cadeiras sobre o sofá para impedir que o animal suba e posiciona panos embebidos em veneno na entrada do apartamento. “Uma coisinha que a gente sente na hora de dormir já assusta”, desabafa.

 


Esta é a segunda infestação no prédio em oito anos. “Pela frequência com que estamos encontrando (os escorpiões), não demora a acontecer de alguém ser picado”, teme uma moradora que preferiu não se identificar. Nem mesmo a dedetização realizada por uma vizinha no andar superior conseguiu impedir a entrada dos aracnídeos. "Ela encontrou três escorpiões no apartamento. Eles subiram pelo menos quatro lances de escada", relata Cristóvão. O episódio mais alarmante foi o de uma moradora que, para seu desespero, encontrou um escorpião em sua cama. Já Cristóvão, até agora, teve a sorte de avistar apenas um, que estava no chão de sua casa.

 


Os moradores acreditam que as aparições podem estar relacionadas a uma reforma recente no bloco do condomínio —o único a ter registro dos animais peçonhentos— mas a origem exata dos bichos ainda é desconhecida. Na Rua Geórgia, a poucos metros dali, outra moradora encontrou um escorpião na janela de seu banheiro. Outros relatos reforçam a gravidade da situação. Uma moradora do bairro revelou que, após orientação de uma veterinária, parou de passear com sua cachorrinha próximo a um antigo restaurante abandonado, conhecido como Rancho Fundo, que se tornou um possível foco dos aracnídeos. “Quem mora ali precisa ter cuidado redobrado”, alerta.

 

Na Praça Sete, o comerciante Otelírio Tavares mostra pote com escorpiões encontrados nos arredores de seu estabelecimento, localizado na Rua Rio de janeiro

Na Praça Sete, o comerciante Otelírio Tavares mostra pote com escorpiões encontrados nos arredores de seu estabelecimento, localizado na Rua Rio de janeiro

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

 


Na Praça Sete, no Centro de BH, o problema também é recorrente. Em julho, a reportagem esteve no local e conversou com comerciantes no quarteirão da Rua Rio de Janeiro, esquina com a Tupinambás. Quatro meses depois, o receio de ser picado continua a inquietar transeuntes e trabalhadores da região. Otelírio Tavares da Silva, de 64, trabalha há quase uma década em uma copiadora na região e guarda em um pote com álcool os escorpiões capturados no local. Segundo ele, “vira e mexe aparece um dando sopa”. O vendedor afirma que a incidência é antiga e que a copiadora resolveu colocar um aviso sobre a presença dos animais para alertar as pessoas sobre os riscos.

 

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Ele recorda um incidente ocorrido há alguns meses, quando um homem em situação de rua foi picado por um escorpião. “Ele não procurou atendimento e, pelo que sei, não passou mal”, relata. O vendedor afirma desconhecer se o escorpião pertencia a alguma espécie venenosa, mas destaca que, apesar da picada, o homem não apresentou complicações. A reportagem recebeu também relatos de moradores sobre a presença de escorpiões nas proximidades do Edifício Arcângelo Maletta e até mesmo no interior do prédio, localizado a cerca de 700 metros da Praça Sete.


Alerson Cesar de Oliveira, de 45, que trabalha na rua captando joias de ouro para compra, diz que os animais podem ser vistos andando junto às paredes e que sempre há um registro de picadas ou ataques, mais comuns no verão. “Acho que tem muita barata na rede de esgoto daqui, por isso esse tanto de escorpião”, opina. Os escorpiões são predadores de baratas.


VISTORIAS E NOTIFICAÇÕES


Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Belo Horizonte informou, por meio de nota, que não recebeu solicitações recentes para vistoria na Praça Sete, mas que realizará uma inspeção preventiva no local. A área no entorno do Cine Theatro Brasil Vallourec foi vistoriada em julho, quando nenhum escorpião foi encontrado. Já na Rua Paulo Piedade Campos, uma vistoria está agendada para hoje (19/11).


Ainda de acordo com a prefeitura, os Agentes de Combate a Endemias (ACE) realizam vistorias constantes para identificar o aparecimento de animais peçonhentos. Essas visitas são feitas em atendimento às demandas da população e também como rotina. As ações têm caráter educativo quanto às medidas preventivas e protetivas para evitar a presença desses animais e a ocorrência de acidentes. “Baseado em uma análise individualizada, as equipes vão orientar o responsável pelo imóvel da forma mais assertiva”, afirma o diretor de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde, Eduardo Gusmão.

 

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Acidentes com animais peçonhentos em Minas Gerais resultaram em 56.808 notificações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde no ano passado. Entre esses casos, os ataques por escorpiões representaram a maior parcela, totalizando 38.527 ocorrências, ou 67,8% do total. No estado, 446 episódios foram classificados como graves, com 67 levando ao óbito. Na capital, foram registrados 721 casos, dos quais 12 apresentaram maior gravidade, segundo dados do Ministério da Saúde.


PROBLEMA HISTÓRICO


A espécie do aracnídeo vista no Estoril e na Praça Sete é o chamado escorpião amarelo, de nome científico Tityus serrulatus, mais encontrado em Minas Gerais e no Sudeste como um todo, explica a bióloga e professora do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) Fernanda Raggi. O animal, de pernas e cauda da cor amarelo-claro e o tronco escuro, é a principal espécie de seu gênero, e que causa acidentes graves, com registro de óbitos, principalmente em crianças e idosos. “De hábitos noturnos, ele vive em ambientes escuros, quentes e úmidos. São animais que não atacam, mas se defendem quando ameaçados”, detalha Fernanda.


A incidência de escorpiões na capital mineira é um problema histórico da cidade, projetada em uma região onde havia grande quantidade de escorpiões silvestres devido ao bioma predominante. De lá para cá, a espécie se adaptou e já está fortemente adequada ao ambiente urbano. Hoje, eles se alimentam principalmente de baratas e são encontrados no esgoto ou em locais onde há acúmulo de lixo.

 

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Questionado pela reportagem, o diretor da Zoonoses diz que não há um bairro ou região com maior incidência de escorpiões. “Ele é considerado uma espécie sinantrópica, muito ligada às atividades do ser humano. Ou seja, qualquer lugar que propicie abrigo, acesso e alimento para ele, pode ter a presença desse invertebrado”, afirma.


Assim, regiões mais densas e com maior acúmulo de lixo, como o Centro de BH, se tornam ambientes ideais para a proliferação de animais peçonhentos, como os escorpiões, que encontram alimento e esconderijo à vontade. Um estudo do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), realizado entre 2008 e 2021, revela que os índices de envenenamento por escorpiões atingem seu pico na primavera — justamente a estação em que nos encontramos atualmente.


No entanto, a bióloga Fernanda Raggi destaca que mudanças climáticas e o avanço da urbanização têm mantido os escorpiões ativos ao longo de todo o ano. “Nosso inverno está com temperaturas mais altas, então, estamos vendo uma antecipação do período de reprodução desses animais; somado ao acúmulo de lixo, temos o ambiente perfeito”, explica. As fêmeas, capazes de se reproduzir sem a presença de machos, podem gerar até 20 filhotes por ninhada.


PREVENÇÃO E CUIDADOS


Para evitar encontros indesejados, é importante manter sacos de lixo bem fechados, jardins e quintais limpos e evitar acúmulo de entulho, folhas secas, lixo doméstico e materiais de construção nas proximidades das residências. O diretor da Zoonoses não recomenda a utilização de inseticidas para o controle de escorpiões. Esses produtos, além de não terem, até o momento, eficácia comprovada para o controle do animal em ambiente urbano, podem fazer com que eles deixem seus esconderijos, aumentando o risco de acidentes. “Pode causar justamente um efeito contrário, e o desalojamento de escorpiões que saem de ambiente de menor risco de acidente para dentro de casa”, alerta Gusmão.


Os acidentes acontecem quando o ser humano toca no animal, geralmente escondido dentro de um sapato ou gavetas. “Por ter um hábito noturno, é que a gente tem que tomar mais cuidado. Esses animais acabam usando esses ambientes mais escuros e úmidos, como dentro de sapatos e gavetas para se esconder”, ressalta a bióloga Fernanda. A aparição deles em qualquer ambiente é um sinal de alerta, por isso recomenda-se acionar a zoonoses por meio dos canais oficiais: portal de serviços, aplicativo ou pelo telefone 156. Na rua, vale prestar atenção a partir do entardecer e início da noite.


A gravidade de uma picada de escorpião está relacionada à proporção de veneno, idade e à massa corporal da pessoa que a recebeu. Felizmente, os casos leves, que não necessitam da aplicação do antiveneno, representam cerca de 87% do total de acidentes, de acordo com o Ministério da Saúde. Ainda assim, em caso de picada, o morador de BH deve procurar atendimento médico imediatamente no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, referência nacional em atendimentos envolvendo bichos peçonhentos.


O diretor da Zoonoses alerta, ainda, que não há evidências científicas de que tratamentos caseiros, como chupar o veneno, funcionem. “Não se pode perder tempo, principalmente quando se fala em crianças e idosos. Não precisa capturar o animal, nessa hora não é o mais importante. Se tem a possibilidade, coloca um balde com peso em cima ou até mesmo pode esmagar o animal, o importante é correr para o hospital”, ressalta o diretor da Zoonoses de BH.

 

Fique de olho

 

Verifique calçados, roupas, toalhas e roupas de cama antes de usá-los

Limpe caixas de gordura e ralos de banheiro e de cozinha.


Mantenha camas e berços afastados da parede

Evite que lençóis toquem no chão

 

Use telas nas aberturas dos ralos, pias e tanques

 


Feche frestas nas paredes, móveis e rodapés para que não sirvam de esconderijo para os escorpiões

 

Para manter o bicho longe

 


Não é aconselhável usar veneno para combater os escorpiões, pois o desalojamento pode favorecer o aumento da população.


Não deixe acumular lixo e entulho nos quintais, jardins e terrenos baldios.


Cuidado com restos de obras e terraplanagem que possam causar acúmulo de entulho.


Coloque o lixo em sacos plásticos fechados para evitar baratas e outros insetos, que são fontes de alimento para os escorpiões.