O presidente e fundador do Grupo Farroupilha — conglomerado ligado ao agronegócio com sede em Patos de Minas — tornou-se réu por homicídio culposo (sem intenção de matar) em razão da morte do piloto Rodrigo Carlos Pereira, aos 39 anos. A Justiça acatou a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) nessa quinta-feira (31/10). A vítima pilotava uma aeronave destinada à pulverização de agrotóxicos, que caiu na cabeceira da pista de pouso da Fazenda São Francisco, no município de Coromandel, no Alto Paranaíba, em Minas Gerais, em 2020.

 

Conforme consta no inquérito policial que fundamentou o parecer do Ministério Público, o empresário Inácio Carlos Urban, proprietário do avião envolvido no acidente, um modelo EMB 202A, da Embraer, contratou o mecânico Rogério Dalla Santa para prestar serviços de manutenção. Porém, o profissional não possuía a habilitação necessária na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Ele também se tornou réu por homicídio culposo.

 



 

A pena varia de um a três anos de detenção. No entanto, o promotor Edon Rodarte havia solicitado na denúncia encaminhada à Justiça que o empresário e o mecânico fossem condenados com aumento de um terço na pena, conforme prevê o Código Penal em casos de “inobservância de regra técnica de profissão”.

 

 

Segundo a promotoria, o mecânico possuía formação que não o habilitava a realizar intervenções em tais equipamentos, apenas a prestar consultoria em manutenção de aeronaves. “Além da ausência de qualificação e habilitação técnica, foi apurado que os reparos da aeronave eram realizados em locais improvisados e que as peças utilizadas eram inadequadas”, afirma Rodarte, acrescentando que Rogério foi o “autor” do crime de homicídio culposo, e Inácio “participou culposamente do delito”, pois foi omisso “por inércia própria”, já que era responsável por garantir condições seguras de trabalho em sua propriedade. 

 

Agora, conforme decisão assinada pela juíza Amanda Cruz Vargas Barra, que atua na 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Coromandel, os réus têm até 10 dias para apresentar resposta à acusação.

 

A reportagem entrou em contato com a assessoria do Grupo Farroupilha e o advogado do empresário, mas não obteve retorno até o fechamento desta publicação. A defesa do mecânico Rogério Dalla Santa não foi localizada. O espaço permanece aberto para manifestações.

 

Rodrigo Carlos Pereira ao lado da esposa, Patrícia Cristina da Silva Pereira, e dos filhos, que, à época do acidente, tinham 3 e 5 anos

Arquivo pessoal

 

Queda dez minutos após decolagem

 

Visando à pulverização de agrotóxicos, Rodrigo Carlos Pereira decolou no dia 7 de fevereiro de 2020 do aeródromo de Coromandel e caiu na cabeceira da pista de pouso da Fazenda São Francisco, próximo a uma lavoura de milho, dez minutos após a decolagem. O acidente ocorreu no primeiro voo após os reparos realizados pelo mecânico Rogério Dalla.

 

O piloto, que exercia a função há cerca de 12 anos, conforme relatado pelo MPMG, chegou a ser retirado com vida do avião, mas faleceu a caminho do pronto-socorro do município. Rodrigo deixou uma esposa e dois filhos, que, na época do acidente, tinham 3 e 5 anos.

 

Quatro anos depois da queda da aeronave, a Polícia Civil encerrou o inquérito em 12 de abril deste ano e o enviou ao Ministério Público. No documento assinado pelo delegado Leandro Fernandes Araújo consta que a aeronave pilotada por Rodrigo e destinada à atividade aeroagrícola apresentava defeitos "gravíssimos", como superaquecimento, vazamento de óleo do motor, corte de combustível e panes elétrica e termostática.

 

 

Defeitos crônicos nas bombas de combustível

 

O relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) revelou que os tanques de combustível estavam íntegros, mas completamente vazios. Além disso, os “demais componentes do motor apresentavam ausência de combustível residual”.

 

No laudo pericial judicial apresentado nos autos da reclamação trabalhista, o perito concluiu que o piloto não considerava a possibilidade de pane seca — ou seja, quando o sistema não fornece combustível suficiente para o correto funcionamento do motor. O documento revelou que o piloto solicitou o abastecimento do avião mais do que o necessário para o trajeto de ida e volta.

 

Os defeitos crônicos nas bombas de combustível, bem como a posição inadequada dos indicadores de nível e sua imprecisão, contribuíram para o atraso na decisão do piloto em uma situação de emergência, conforme descrito no inquérito. Ainda segundo a perícia, o mecânico usou uma bomba não original, o que “poderia levar à perda ou consumo excessivo de combustível em voo”.

 

Família de piloto pede R$ 9,8 milhões em indenização

 

A defesa da família do piloto solicita à Justiça trabalhista uma indenização de R$ 9,8 milhões. "O montante considera a incorporação no salário oficial de R$ 4 por hectare pulverizado, pois esse valor era pago 'extrafolha' como forma de isentar o empregador dos encargos legais. Também inclui verbas trabalhistas referentes aos valores pagos informalmente; compensação por danos morais em favor das duas crianças órfãs e da viúva; e reparação por danos materiais, mediante pensionamento para as duas crianças e a viúva", explica o advogado Rodrigo Marra.

 

Os advogados do empresário, por sua vez, requerem à viúva o pagamento de pouco mais de R$ 932 mil a título de danos materiais. Esse valor visa cobrir o prejuízo decorrente das avarias na aeronave. Além disso, pedem que sejam acrescidos juros de 1% ao mês até a data do efetivo pagamento. “Em valores atualizados, a quantia ficaria em aproximadamente R$ 1,3 milhão”, completa Marra.

 

O requerimento da defesa do empresário foi apresentado à Justiça em resposta à ação movida pela viúva no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG) após a morte do marido. Além da indenização milionária, ela solicita à Justiça trabalhista o reconhecimento de que cerca de 80% do salário era pago ao companheiro sem o devido recolhimento de impostos, o que possibilitaria a revisão da pensão.

 

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