Reverência à memória dos escravizados, oração pelos integrantes de irmandades religiosas, homenagem aos ingleses da mineração, respeito pelos que deram a vida em guerra. Neste sábado (2/11), Dia de Finados, os mineiros lembram seus entes queridos e também os muitos brasileiros e estrangeiros que, de corpo e alma, participaram da construção do país.

 

Na visita a cemitérios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), pode haver um momento especial além das rezas e cerimônias tradicionais: conhecer mais sobre os chamados “campos santos”, alguns deles monumentos dos séculos 18 e 19 nos quais se unem cultos, preservação histórica e fonte de pesquisas. Na capital, o destaque fica no Cemitério do Bonfim, anterior à construção de BH. Muitos casos e curiosidades povoam esse universo de descanso eterno, e, agora, de visitação.

 


Em Santa Luzia (RMBH), o Cemitério dos Escravos (nome oficial), distante sete quilômetros do Centro da cidade, terá missa, hoje, às 16h, informa o padre Onofre Agatão Ferreira Júnior – a organização da celebração ficará a cargo da Pastoral Afro-brasileira, da Comunidade Quilombola de Pinhões, e do Movimento Salve Santa Luzia. Sítio arqueológico, o espaço conquistou grande destaque em 10 de janeiro ao ter reconhecida, por lei, sua relevância cultural e importância histórica, bem como a necessidade de preservação e conscientização sobre o legado dos negros. A proposta da lei foi encaminhada à Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo Movimento Salve Santa Luzia.

 




Tombado pelo município em 2008, o cemitério cercado por muros de pedra não tem lápides e túmulos, havendo apenas um cruzeiro em madeira. Uma das reivindicações do Movimento Santa Luzia é que o local seja protegido pela União, por estarem ali sepultados africanos e brasileiros. “Esperamos a efetivação do tombamento federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O processo está bem adiantado”, informa o sociólogo Glaucon Durães, da Pastoral Afro-brasileira da comunidade quilombola de Pinhões.

 

 

No início da tarde de segunda-feira, quando o céu da cor de chumbo parecia desabar sobre as cabeças, por tantas nuvens carregadas, a equipe do Estado de Minas esteve no cemitério que fica em propriedade particular, na comunidade de Fecho (Rua Damaso José Diniz, s/nº, Estrada da Igreja Nossa Senhora da Conceição). O mugido das vacas, o canto de passarinhos e o zumbido do vento faziam a trilha sonora do meio-dia. Muito bem preservado, o pequeno cemitério, construído pelos escravizados em meados do século 18, fica na área da antiga Sesmaria das Bicas, conforme pesquisa da historiadora Neise Mendes Duarte.

 

Neise registrou em seus estudos: “A paisagem é predominantemente rural, com poucas edificações dispersas nos terrenos, onde se desenvolvem atividades agrícolas ou de criação de animais. Predomina a vegetação rasteira, destinada à pastagem de animais, com alguns trechos de mata preservada. O Cemitério dos Escravos é contornado por um muro de pedras em junta seca e formato quadrangular com aproximadamente 90 centímetros de largura e 1,10 metro de altura”.

 

ESPAÇOS EXCLUSIVOS

Há cemitérios exclusivamente de escravizados em outras cidades mineiras, como em Bom Jesus do Amparo (Região Central de Minas), diz o arqueólogo e historiador Fabiano Lopes de Paula, há mais de três décadas estudando os campos santos do estado. Em 2015, Fabiano participou do livro “Cemitérios de Minas – Cultura e Arte”, coordenado e organizado por Christina Lima, com informações sobre 23 desses locais de sepultamento.

 

Em Monte Alegre de Minas, na Região do Triângulo, está o Cemitério dos Heroicos Retirantes de Laguna, construído em 1967, no centenário da Guerra do Paraguai, enquanto em Nova Lima (RMBH) há o dos ingleses que trabalharam na antiga Mina Morro Velho. “Eram anglicanos, então tinham seu próprio cemitério”, conta Fabiano, lembrando que existiram, em várias localidades, espaços para os ‘excluídos'” – os bexiguentos ou pessoas com doenças infectocontagiosas, caso da varíola. Em BH, no Bairro Jaraguá, na Região da Pampulha, se encontra o Cemitério Israelita, destinado ao sepultamento de judeus.

 

“Os cemitérios são locais importantes não só para as famílias dos mortos como também para pesquisadores. A arte está ‘viva’ nesses locais, com sua iconografia, localização, que considerarmos a ‘geografia do cemitério’, possibilitando, a partir dos elementos tumulares, uma leitura da sociedade”, considera o arqueólogo.

 

Na avaliação de Fabiano, os cemitérios devem ser preservados, pois guardam histórias, muitas delas desconhecidas. E devem ter vigilância permanente para que se evitem os saques aos túmulos. “Registramos casos em que levaram praticamente tudo dos túmulos”, afirma o pesquisador. Como a roda da vida não para de girar, ele observa que, na atualidade, há cemitérios também para ‘pets’.

 

DIA DA RASOURA

Entre os cemitérios históricos de Minas, está o da Ordem Terceira do Carmo, localizado em frente da Igreja Nossa Senhora do Carmo, no Centro de Sabará (RMBH). Construído em 1838, tem uso exclusivo dos integrantes leigos dessa irmandade, mantendo um sistema de sepultamento bem diferente dos demais. “É como se fosse um prédio, com gavetas nas paredes”, conta o diretor de Patrimônio da irmandade, o historiador José Bouzas, esclarecendo que antigamente os túmulos eram chamados de carneiros.

 

Neste sábado dedicado aos mortos, muitas famílias irão ao Cemitério do Carmo para homenagear entes queridos, mas no próximo dia 16, às 8h, haverá uma cerimônia fechada e exclusiva dos carmelitas leigos. Será o dia da rasoura, com homens e mulheres vestindo opas e hábitos (vestes da irmandade) e seguindo em procissão, ao som do toque fúnebre de sinos, para reverenciar a memória dos que terminaram sua peregrinação terrestre. ”Vamos sair da Igreja do Carmo carregando a cruz coberta por um pano preto, e levando a imagem de Nossa Senhora do Carmo. Contornaremos o templo e passaremos dentro do cemitério”, diz Bouzas.

 

“A rasoura, palavra com significado de nivelado, plano, mostra que somos todos iguais, independentemente de ocuparmos, na irmandade, o cargo de prior, secretário ou tesoureiro”, diz o diretor, citando São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, e Ouro Preto, na Região Central de Minas, como cidades onde existem irmandades carmelitas e, por isso, as rasouras.

 

 

Se o tempo estiver bom, a missa será celebrada no cemitério, do contrário, na igreja. Bouzas esclarece que o dia 16 é sagrado para os carmelitas por ser 16 de julho a data consagrada a Nossa Senhora do Carmo. Depois de muitos anos, a imagem de Nossa Senhora do Carmo, do século 18, sairá no cortejo. Furtada em 1995, ela foi restituída em 17 de setembro ao acervo do templo, após ser identificada num leilão.


MEMÓRIA DOS INGLESES

Já em Nova Lima (RMBH), fica o Cemitério dos Ingleses, em propriedade AngloGold Ashanti, também responsável pela gestão. Segundo informações da empresa, trata-se de um espaço singular de história e cultura, refletindo a influência e os padrões da Inglaterra do século 19: “Este local, destinado aos imigrantes anglicanos, carrega em sua estrutura e design os traços distintivos dos cemitérios parques da época na Inglaterra”.

 

Atualmente, há um grupo chamado “Solidário do Cemitério dos Ingleses”, formado por ex-funcionários da empresa, historiadores, arquitetos, engenheiros e pessoas que têm familiares sepultados no local. O grupo desenvolve iniciativas para a preservação do local, em parceria com a AngloGold Ashanti.

 

Desde os primeiros sepultamentos, no século passado, o cemitério foi meticulosamente planejado, seguindo padrões ingleses e apresentando estruturas tumulares simples, adornadas com elementos decorativos característicos da Inglaterra do século 18. Assim, praças e arruamentos refletem a preocupação dos imigrantes em preservar a tradição e a segurança dos sepultamentos.

 

Estudos mostram que a disposição dos túmulos revela “uma narrativa rica em simbolismo e significado”. Os túmulos de alguns funcionários da mina e dos membros da maçonaria se destacam pela elaboração estética, refletindo homenagens póstumas e hierarquia social. A presença marcante de símbolos maçônicos e a disposição estratégica dos túmulos sugerem uma intencionalidade na sua construção, alinhada com os princípios da ordem.

 

Os epitáfios gravados nos túmulos oferecem “uma janela para o passado, com homenagens tocantes, datas de nascimento e óbito, e votos de paz na eternidade”. O uso predominante do inglês nos epitáfios, juntamente com algumas inscrições em português e francês, reflete a diversidade cultural e linguística dos residentes e imigrantes. Atualmente, existe um grupo chamado “Solidário do Cemitério dos Ingleses”, formado por ex-funcionários da AngloGold, historiadores, arquitetos, engenheiros e pessoas que têm familiares sepultados no local. O grupo desenvolve iniciativas para a preservação do local, em parceria com a empresa.

 

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O espaço não é aberto ao público mas, por demanda, visitas ao cemitério podem ser agendadas no Centro de Memória AngloGold Ashanti, pelos telefones (31) 3589-1716/ (31) 97200-7978 ou centrodememoria@anglogoldashanti.com.

 

Em Sabará (RMBH), há também um cemitério usado para sepultamento dos ingleses que trabalhavam na mineração, mas, com chuva, o acesso é inviável e o local está coberto de mato. Assim, vai o recado para as autoridades para que preservem não só o campo santo como também a memória dos falecidos. 

 

CAMPOS SANTOS E HISTÓRICOS

Conheça alguns cemitérios de Minas Gerais


- Bonfim, em Belo Horizonte
- Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas, na Região Central
- Municipal de Januária, Antigo de Januária e de Brejo do Amparo, no Norte do estado
- Nossa Senhora Aparecida, em Juiz de Fora, na Zona da Mata
- Dr. Lund, em Lagoa Santa, na Grande BH
- Igreja de Santana, Arquiconfraria de São Francisco de Assis e Igreja Nossa Senhora dos Anjos, em Mariana, na Região Central
- Monumento dos Heroicos Retirantes de Laguna, em Monte Alegre de Minas, no Triângulo
- Ingleses, em Nova Lima, na Grande BH
- Matriz Nossa Senhora da Conceição (Antônio Dias), Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, - Cemitério da Ordem Terceira do Carmo e da Igreja Bom Jesus de Matozinhos, em Ouro Preto, na Região Central
- Igreja Nossa Senhora da Glória, em Passagem de Mariana, em Mariana, na Região Central
- Cemitério da Ordem Terceira do Carmo, de Sabará, na Grande BH
- Cemitério da Arquiconfraria de São Francisco, em São João del-Rei, no Campo das Vertentes
- Cemitério dos Escravos da antiga Fazenda das Bicas, em Santa Luzia, na Grande BH

Fonte: “Cemitérios de Minas – Cultura e Arte”

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