Belo Horizonte é a terceira capital brasileira no ranking dos maiores crescimentos de áreas urbanas em encostas, ou seja, com declividade superior a 30%, entre 1985 e 2023: um avanço de 532 hectares. A área equivale a 745 campos de futebol. Os dados fazem parte do mais recente levantamento do MapBiomas sobre o perfil das áreas urbanas no Brasil, publicados nesta sexta-feira (8/11).

 


Hoje, a cidade conta com uma área total de 1.343 hectares de ocupação em terrenos com declividades superiores a 30%. Territórios que, juntos, equivalem a cerca de 1.881 campos de futebol. BH está atrás apenas do Rio de Janeiro (2.695 hectares) e São Paulo (1.525 hectares). 




 

Famosa pelos seus morros, a ocupação das encostas na capital mineira se deu de maneira regular e irregular. Enquanto bairros como Buritis, Estoril e Belvedere surgiram nas últimas décadas seguindo parâmetros de segurança, a fim de garantir a estabilidade dos terrenos e estruturas, milhares de famílias ocuparam áreas irregulares devido à necessidade de moradia.


“Belo Horizonte tem um território com uma declividade já considerável, né? Com o tempo a gente foi subindo e foi ocupando mais as encostas legalmente, porque a legislação foi aos poucos permitindo a sua ocupação. Mas, em paralelo a isso, a gente também tem as ocupações clandestinas, com risco porque não tem uma análise técnica de ocupação, é uma coisa que acontece de forma emergencial”, explica Branca Macahubas, urbanista  e consultora em inovação urbana.

 


Apesar de menos comuns, áreas regulares também podem sofrer com deslizamentos. É o que aconteceu, por exemplo, em março de 2018, quando um muro de arrimo de uma casa de luxo no Bairro São Bento, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, desabou e interditou a rua Abel Araújo.


Em 2013, no mesmo bairro, um muro de arrimo de 15 metros na Avenida Professor Cândido Holanda causou pânico nos moradores de dois prédios que foram atingidos. As duas situações ocorreram em razão de grandes volumes de chuvas.


“A natureza não se defende, mas ela se vinga, né? Já vimos situações históricas aqui em Belo Horizonte de deslizamentos em áreas de ocupação regular. Então é fundamental que o poder público esteja preparado para um momento de crise, porque a gente não sabe o que virá", considera Macahubas sobre as mudanças climáticas.

 


Sem outro lugar para morar


O mapeamento também constatou crescimento das áreas de favelas. Elas representam 4,2% das áreas urbanas no Brasil e cresceram 104,7 mil hectares entre 1985 (75,2 mil hectares) e 2023 (180,1 mil hectares). A expansão no período tem sido de 2.760 hectares ao ano. Isso significa que a cada quatro anos elas crescem o equivalente a uma cidade como Lisboa, em Portugal. 


BH está acima da porcentagem nacional. Na capital mineira, o território ocupado por favelas corresponde a 2.192 hectares, ou seja, 6,6% da área total da cidade, que é de cerca de 33.135 ha. A urbanista Letícia Clipes, especialista em gestão de risco de desastres, avalia que nesses locais existem duas problemáticas: a humana e a ambiental.

 


“A ocupação dessas áreas é a consequência da necessidade do acesso à cidade, da centralização de equipamentos e de recursos cotidianos que todos precisamos. É uma situação de risco de quem ocupa essa área, da fragilidade de posse desse desses imóveis, por exemplo, e o risco à própria vida e, por outro lado, tem toda uma área de proteção ambiental que não existe mais”, explica. 


Clipes afirma que solucionar o problema da ocupação em áreas de risco é muito difícil, que passa por planejamento urbano, investimentos em infra estrutura e programas sociais. Ela aponta que tecnologia nas áreas da engenharia e geotecnia viabilizam obras seguras em locais de encosta, mas o custo é alto.


“É um tecido urbano complexo que se formou com muita complexidade e em uma geografia muito complexa. Ou seja, não tem resposta simples para um problema complexo”, avalia Clipes.

 


Rotina de insegurança


Um desses territórios ocupados nos últimos 38 anos é a Vila Chaves, uma ocupação localizada no Conjunto Califórnia, Região Noroeste da capital. Ali se encontram 212 famílias que, na temporada de chuvas, correm o risco de perder tudo o que têm.

 

 

“As famílias aqui vivem em situações bem precárias, de extrema pobreza, a maioria é mãe solo e não tem outro lugar para ir. Infelizmente a gente vive em uma situação bem precária, a nossa luta aqui é grande, e essa época de chuva é um perigo maior para as famílias”, conta a líder comunitária da Vila do Chaves, Geni Mendes, de 51 anos.


Ela conta que quando chega o período de chuva a atenção na ocupação é redobrada. Eles possuem um grupo no WhatsApp para poder comunicar qualquer sinal de risco para as famílias. Ali, a comunidade é unida e os próprios moradores vão se ajudando: “É o povo ajudando o povo”. 


Geni lembra das chuvas de 2021, quando ocorreu um deslizamento de terra que derrubou nove barracões. Segundo ela, a relação com a Defesa Civil é bem próxima, e representantes do órgão sempre estão presentes verificando o terreno e as áreas mais comprometidas.

 


“A gente aciona a Defesa Civil e sempre vai olhando os barracos que estão com perigo de cair para tirar a família antes de acontecer uma tragédia maior. Vítimas nós nunca tivemos, graças a Deus, mas perdas materiais têm sempre aqui na comunidade”, relata a líder comunitária.


Vila Chaves


Quando surgiu em 2014, a ocupação no Conjunto Califórnia tinha apenas quatro casas. Como eram feitas de madeirite, as crianças compararam o local com o cenário da série mexicana Chaves, os adultos gostaram da ideia e o local ganhou o nome de Vila Chaves. 


Geni explica que quando uma família quer construir uma casa na ocupação, ela ajuda a escolher um terreno mais estável e acompanha a construção. Por prevenção, ela não doa nenhuma área em época de chuva.


“Tem um terreno para ser doado, mas eu vou esperar a época de chuva passar. Quem está mexendo com construção, eu peço para parar, porque aí dá medo, né? Imagina uma pessoa debaixo de um barranco construindo e vem a chuva?”, explica Geni.

 


Sonhando com dias melhores

 

Moradias de risco em áreas de encostas. Ocupação Vila Chaves, na região Noroeste de BH tem vários pontos de risco. Na foto, Natielle Monteiro

Leandro Couri/EM/D.A. Press

 

Natielle Monteiro, de 27 anos, mora na ocupação há 5 meses. Ela conta que mora no local por não ter condições de se estabelecer em outro lugar e que quando chove, entra água e lama em sua casa.


“Quando chove é muito barulho, as lonas voam, as madeiras balançam e a terra entra na minha casa todinha, molha tudo. É simples, mas é o que eu tenho. Fora o risco de vida que a gente sofre aqui, né?”, narra Monteiro.


Ela ainda conta que seu sonho é conseguir se mudar para um lugar melhor e dar segurança para seus filhos, que não moram com ela no momento devido ao perigo do terreno acidentado. 


Canário nacional


No Brasil, a Lei Federal 6766/79 proíbe o parcelamento do solo em terrenos com declividade igual ou superior a 30%, salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes. Entretanto, o levantamento do MapBiomas encontrou 47,6 mil hectares de áreas urbanas nessas condições - dos quais 33,2 mil hectares foram ocupados entre 1985 e 2023, e quase 80%  se encontram no Sudeste. 


O estudo também chama a atenção para a expansão da área urbana próximas a rios e córregos de todo o país. Um a cada quatro hectares de crescimento urbano no período analisado fica a três metros verticais ou menos de rios ou córregos, ou seja, se encontram vulneráveis a inundações. 

 


Em 2023, as áreas urbanas próximas a rios e córregos totalizavam 1,14 milhão de hectares, o que corresponde a 26,6% do total de áreas urbanas brasileiras. Segundo o documento, áreas desse tipo podem estar mais sujeitas a efeitos de eventos climáticos extremos, como os ocorridos entre abril e maio de 2024 no Rio Grande do Sul.


“Isso quer dizer que temos que adaptar as nossas cidades para conviver com as mudanças climáticas, então determinadas regiões merecem uma atenção específica para evitar que a população sofra com as mudanças climáticas”, declarou Edimilson Rodrigues, pesquisador do MapBiomas. 


 

Ao todo, as áreas urbanas localizadas em regiões de risco somaram 115 mil hectares: um aumento de 60,9 mil hectares nos últimos 38 anos. O Sudeste concentra 48,4% das áreas de risco no país. Segundo o MapBiomas, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco e Bahia são os cinco estados com maior proporção de áreas de risco em relação à área urbana no ano passado.


Rodrigues ainda ressalta que o estudo e os mapas estão disponíveis para toda a população. Além de ajudar o poder público a entender o território e traçar políticas públicas mais assertivas, as informações também podem ser usadas pela sociedade civil para entender suas necessidades e demandar ações dos governantes. Além disso, também tem a finalidade de contribuir para estudos sobre ocupação urbana. 


“Se, por um lado, é o poder público quem efetiva o planejamento, a sociedade pode usar os mapas para também ter um meio de levar informações e fazer demandas”, analisa Rodrigues.


 

Posicionamento da PBH

 

A diretora de manutenção e áreas de risco da  Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), Isabel Volpini, explica que a PBH realiza o programa gerencial de áreas de risco há 30 anos. Sua função é diagnosticar as áreas de risco, realizar prevenção, mitigar o risco e desenvolver junto à população moradora das áreas de risco a chamada “cultura do risco”.


“A cultura do risco é você entender o risco, estar preparado para não gerar novas situações de risco, para as pessoas saberem se importar frente a algumas situações, saberem as vulnerabilidades e saber como se auto proteger e se proteger coletivamente”. 


O programa atua durante todo o ano,  fazendo vistorias e planejamento de obras, tanto orientando o morador a fazer a própria obra quanto obras de responsabilidade da prefeitura como: estabilização de encostas, drenagem e reconformação de encostas. Para pessoas em situação de risco iminente à vida, a PBH oferece a bolsa aluguel, para que a pessoa possa se estabelecer em um lugar seguro até que sua casa esteja fora de perigo.


“O programa gerencial de áreas de risco continua, então nós temos obras de ação imediata a curto, médio e longo prazo, que são definidas de acordo com o nível de risco que você vai tratar e o número de famílias envolvidas”, explica Volpini.


Entretanto, frente às mudanças climáticas, a diretora afirma que, por mais que todas as ações de prevenção sejam colocadas em prática, a atividade antrópica pode criar um risco a qualquer momento. Além disso, existe a imprevisibilidade da natureza.


“A engenharia pode muita coisa, mas a natureza pode mais né? A prefeitura tem trabalhado sistematicamente com as questões da inundação, estabilização da encosta e com a cultura do risco, mas sempre existem variáveis que estão realmente fora do nosso controle, que é a natureza”, avalia Volpini.


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