A primeira escada rolante de Belo Horizonte chegou à cidade na década de 1960. Mas há um conflito, com diferentes versões sobre quem inaugurou primeiro os degraus mecânicos até então inéditos em Minas. Nessa disputa, o edifício Maletta e a Galeria Ouvidor.

 

Neste episódio do Sabia Não, Uai!, série especial do Estado de Minas sobre curiosidades e histórias de Minas Gerais, resgatamos em nosso arquivo textos e fotos que provam qual escada rolante veio primeiro. O mecanismo hoje é comum, mas na época era considerado sinal de progresso, causou alvoroço na capital mineira e virou até atração turística.

 

 

 

Nessa disputa pelo pioneirismo das escadas rolantes em BH, de um lado está a Galeria Ouvidor, considerada um dos centros comerciais mais antigos da cidade. Valter Faustino, síndico do prédio há 17 anos, acredita que o tradicional ponto de venda da Rua São Paulo, no Centro de BH, foi o primeiro a instalar o mecanismo.

 



 

"A Galeria Ouvidor foi inaugurada em março de 1964 e teve a primeira escada rolante de um centro comercial em Belo Horizonte. Se foi a de BH, que é a capital de Minas, também foi a primeira de Minas Gerais", afirma o administrador.

 

A Galeria Ouvidor foi inaugurada em março de 1964

Mannu Meg/EM/D.A Press

Na Ouvidor, escadas ainda funcionam

Os degraus mecânicos da fabricante Atlas são originais e funcionam até hoje na Ouvidor. Eles seguem o projeto inicial da galeria. “A princípio seriam somente os pisos Curitiba e São Paulo, primeiro e segundo. Com a obra já quase finalizada, resolveram fazer mais dois andares, o terceiro e o quarto. Tanto é, que as escadas rolantes só vão até o segundo andar, respeitando o projeto original”, explica Faustino.

 

A edição de 23 de junho de 1963 do jornal Estado de Minas mostra o canteiro de obras onde seria inaugurada, no ano seguinte, a Galeria Ouvidor. A publicação traz foto do terreno sendo preparado para a construção e detalha o andamento das vendas das lojas.

 

Arquivo EM - Foto publicada na edição do Estado de Minas em 23/6/1963 mostra a construção da Galeria Ouvidor
Arquivo EM - Ulysses Vieira Chaves e Ari Vieira Chaves apresentam o empreendimento imobiliário da Galeria Ouvidor, em 1963
Mannu Meg/EM/D.A Press - A Ouvidor foi erguida no terreno do antigo Hotel Glória
Tulio Santos/EM/D.A Press - A Galeria Ouvidor, em especial um pastel vendido lá, ganhou voto de uma candidata

 

Estreia vira atração turística

Mesmo que desde o projeto inicial a Ouvidor tenha previsto a instalação do mecanismo, as primeiras escadas rolantes de BH foram inauguradas em novembro de 1962, no Conjunto Arcangelo Maletta, também no Centro. A edificação onde hoje se concentram bares, restaurantes, brechós, lojas e apartamentos tinha sido inaugurada no ano anterior.

 

A edição de 1º de dezembro de 1962 do Diário da Tarde, periódico do grupo Diários Associados, relatou que a festa de estreia das escadas rolantes do Maletta foi uma grande atração na cidade. Visitantes ocuparam o hall de entrada do edifício, na esquina da Rua da Bahia com a Avenida Augusto de Lima, e formaram fila somente para andar sobre os degraus mecânicos.

Edição de 1º de dezembro de 1962 do Diário da Tarde, dos Diários Associados, relatou inauguração da escada rolante do Maletta

Reprodução
 

Na época, o mecanismo instalado pela Otis, empresa especializada na fabricação de elevadores e escadas rolantes, funcionava. Segundo o síndico do Maletta, Amauri Reis, as escadas rolantes estão há décadas desativadas.

 

“Não sei dizer ao certo há quanto tempo elas não funcionam, mas eu nunca vi funcionar, até porque só frequentava o edifício à noite. Mas sei que há 30 anos, pelo menos, ela não funciona”, comenta o administrador do conjunto, no cargo há 14 anos.

 

Restauração inviabilizada

Fazer a escada rolante voltar a funcionar não faz parte dos planos da administração do Maletta. Existe uma convenção do conjunto que estabelece que a escada rolante é de responsabilidade das 72 sobrelojas, já que permite acesso apenas a essa área.

 

Amauri estima que a reforma de uma escada rolante custa em torno de R$ 600 mil, custo a ser dividido que ele considera não ser de interesse dos donos das lojas no pavimento superior. Para alterar o protocolo, é necessário a autorização de 823 condôminos adimplentes.

 

 

Outro fator desfavorável é a fonte de energia. Para que as escadas rolantes voltem a operar, os proprietários também precisariam arcar com uma caixa de energia própria para o sistema de elevação.

 

Apesar de todos os desafios, o Maletta não cogita trocar o mecanismo original por escadas convencionais. “As escadas rolantes não podem ser trocadas. Para a gente, ela não só é a primeira escada rolante de Belo Horizonte, como um patrimônio”, afirma o síndico.

 

Patrimônio da cidade

A Galeria Ouvidor e o Edifício Arcangelo Maletta são patrimônios de BH por fazerem parte da história da capital mineira. E dividem uma curiosidade em comum: ambas as construções foram levantadas em terrenos onde anteriormente existiam hotéis.

 

 

A Ouvidor foi erguida no terreno do antigo Hotel Glória e teve em seu planejamento as famílias de Juscelino Kubitschek (1902-1976); de José Magalhães Pinto (1909-1996), advogado e banqueiro que dá nome ao Mineirão; e do militar Olímpio Mourão Filho (1900-1972).

 

O espaço desenhado pelo arquiteto Henri Friedlander era pra ser um shopping com 353 lojas onde a elite belo-horizontina pudesse comprar produtos exclusivos, importados e artesanais. Hoje, o centro comercial é um ponto popular e muito disputado de revendas de acessórios, joias, embalagens e itens de artesanato, entre outros.

 

Destino dos famosos

O Maletta foi construído sobre o Grande Hotel, que hospedou famosos do Brasil e do exterior, como o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), Tarsila do Amaral (1886-1973) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), entre outros. No entanto, foi demolido para em 1961 dar espaço ao edifício comercial e residencial.

Fachada do Grande Hotel, na Avenida Augusto de Lima com Rua Bahia, onde atualmente fica o Maletta

Arquivo EM

Apesar dos atuais 319 apartamentos e 20 andares comerciais, cada um com 19 salas, o Maletta é reconhecido pela população de Belo Horizonte como um ponto de encontro há décadas. As lojas de vinil, sebos, livrarias e brechós garantem o passatempo durante o dia e, à noite, restaurantes e botecos transformam o espaço em um centro gastronômico.

 

O Sabia Não, Uai!

As reportagens do Sabia Não, Uai! mostram de um jeito descontraído histórias e curiosidades relacionadas à cultura mineira. A produção conta com o apoio do vasto material disponível no arquivo de imagens do Estado de Minas, formado também por edições antigas do Diário da Tarde e da revista O Cruzeiro, e por vídeos digitalizados da TV Itacolomi.

 

 Todos os vídeos desta temporada e das anteriores estão disponíveis nas plataformas de podcast e no canal do Portal Uai no YouTube.

 

O Sabia Não, Uai! foi um dos projetos brasileiros selecionados em 2023 para participar do programa Acelerando Negócios Digitais, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), iniciativa apoiada pela Meta e desenvolvida em parceria com diversas associações de mídia (Abert, Aner, ANJ, Ajor, Abraji e ABMD) com o objetivo de atender às necessidades e desafios específicos de seus diferentes modelos de negócios.

 

Arquivo EM

Se você gostou de mais esta história recontada pelo especial Sabia Não, Uai!, aproveite para acompanhar nossa série sobre a memória do jornalismo brasileiro. O Arquivo EM conta, a partir de buscas na Gerência de Documentação e Informação (Gedoc) dos Diários Associados em Minas Gerais, reportagens quase esquecidas sobre Minas Gerais e o país.

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