O período chuvoso se estabeleceu na capital mineira, depois de longos meses de seca, e culminou em enchentes e alagamentos. Apesar das cenas de destruição causadas por temporais se repetirem na cidade ano após ano, e geralmente nos mesmos locais, dessa vez, moradores e comerciantes que não eram atingidos frequentemente pelas águas foram surpreendidos pelas fortes pancadas nessa quarta-feira (13/11).

 

 

Nos arredores do Parque Lagoa do Nado, na Pampulha, ruas acumularam lama e estragos após a ruptura do dique do lago. No Bairro Maria Goretti, na Região Nordeste, 42 famílias foram afetadas pelas chuvas, e várias delas perderam móveis e eletrodomésticos. Na Avenida Vilarinho, em Venda Nova, as bacias de contenção de enchentes, que seguraram as águas nas primeiras chuvas que enfrentaram, não foram suficientes, e a via voltou a alagar.

 

Galerias subterrâneas transbordaram e água tomou conta das ruas no Bairro Maria Gorreti, chegando a dois metros de altura

Imagens cedidas

 

As pancadas registradas, acompanhadas do elevado volume de chuvas, levaram a Defesa Civil de Belo Horizonte a emitir alerta de risco geológico forte para as regionais da Pampulha, Venda Nova, Norte, Noroeste e Leste, válido até segunda-feira (18/11). O aviso corrobora com a previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para os próximos dias na capital mineira, que é de céu nublado com chuvas e possíveis trovoadas isoladas ao longo do final de semana.

 

Rastro de lama

 

O ruído intenso das cigarras, dos insetos e dos pássaros de dentro da mata fechada do Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado, no Bairro Itapoã, camufla parte dos estragos consequentes da ruptura do dique do lago. A devastação levou à interdição da unidade, sem data para ser reaberta. Em seu interior, seguem apenas guardas municipais e profissionais de resgate animal dedicados ao salvamento de peixes, tartarugas e cágados. Uma equipe do núcleo de emergência ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) trabalha para prevenir novas rupturas e carreamento de detritos na bacia hidrográfica, assim como para apurar causas do desastre.

 

 

O barramento rompido virou um barranco de terra. Rochas vermelhas sustentam parte da estradinha de pedras e calçamento. A grama do que sobrou do maciço que veio abaixo ficou dependurada, assim como pedaços de vegetação, raízes de árvores e o cabeamento elétrico dos postes de iluminação.

 



 

O rastro do rompimento não se restringe ao interior do parque. Na esquina das ruas Desembargador Lincoln Prates e Gilca Cioto Silva, uma grande quantidade de lama, trazida pela enxurrada que arrasou a Lagoa do Nado, se acumulou. Montes emaranhados de folhas, galhos de árvore, detritos e lama ficaram sobre o passeio, dependurados ou trespassados pelas cercas do parque. O estrago ocorreu em uma faixa de 30 metros. O quarteirão inteiro da Rua Desembargador Lincoln Prates, onde ficam os estacionamentos da parte superior do parque, teve dezenas de placas de asfalto arrancadas do pavimento.

 

“Foi muita chuva. A gente está vendo esses volumes só aumentando cada vez mais. Por isso, está ficando perigoso. As barragens não aguentam. Para mim, que frequento o parque, fica a tristeza de estar fechado. Vai dar muito trabalho, tem lama demais por toda parte”, disse o empresário Adilson Medina, de 54 anos, morador do Bairro Itapoã.

 

Segundo informações do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), entre as 14h e as 15h dessa quarta-feira, choveu no entorno do parque um volume aproximado de 95 milímetros (mm). Em toda a Região Norte, o volume foi menor, de cerca de 70 mm em duas horas.

 

 

Temor de volta

 

A chuva intensa e a ruptura da barragem do Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado trouxeram de volta a rotina de medo e alagamentos para moradores e comerciantes das avenidas Dr Álvaro Camargos e Vilarinho, em Venda Nova. A região recebeu bacias de contenção de enchentes e que aliviaram as cheias nas primeiras chuvas que as atingiram, em 2021. No entanto, as construções não foram suficientes para as chuvas deste ano - o volume de águas foi tamanho que os espaços reservados para serviços de drenagem dos córregos ficaram debaixo d'água.

 

Na Avenida Álvaro Camargos, na altura da Rua João Saldanha, no Bairro Santa Branca, na Pampulha, a obra de ampliação da macrodrenagem dos córregos do Nado, Vilarinho e Isidoro ficou completamente alagada pelas chuvas e a ruptura da barragem, segundo operários do canteiro de obras da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A água lamacenta formou grandes poças nas áreas das canalizações do Córrego do Nado, oriundas do Bairro Jardim Atlântico, e da galeria que vem do lago, que se rompeu no Parque da Lagoa do Nado.

 

Desse ponto abaixo, no sentido Venda Nova, os alagamentos continuaram ao longo da Avenida Dr. Álvaro Camargos. No pavimento, na calçada e nas rampas de garagens, muita lama e areia se acumularam. A forte umidade exalava dos muros e do chão, bem como cheiro forte de terra molhada ou de esgoto. Algumas placas de asfalto foram arrancadas, ebocas-de-lobo e bueiros acabaram destampados ou tiveram as tampas deslocadas pela força da água.

 

Nos passeios, nas canaletas, nos bueiros e até em uma caixa havia areia e lama, que invadiram o restaurante e churrascaria onde trabalha o churrasqueiro João Nascimento da Silva, de 56 anos. “A chuva estava forte e já alagava quando rompeu a barragem do parque (Lagoa do Nado). Veio água demais, com lama e areia. A praça ficou debaixo d'água. Entrou água na altura da canela no restaurante”, detalha.

 

O rastro da lama dentro do estabelecimento só foi eliminado após um procedimento de limpeza que durou da noite de quarta até a manhã dessa quinta (14/11). De acordo com o churrasqueiro, essa é a terceira vez em dois anos que o espaço alagou.

 

No fim da avenida, perto da UPA Venda Nova, onde pessoas acabaram ilhadas e foram resgatadas pela ação de funcionários, socorristas e populares, comerciantes estavam visivelmente incrédulos com o retorno dos alagamentos. A Bacia de Detenção da Vilarinho, perto do metrô e do viaduto da Avenida Dom Pedro I, transbordou pela primeira vez, atingindo comerciantes próximos.

 

Rescaldo

 

As ingratas surpresas trazidas pelas pancadas de chuva geraram temor a moradores do Maria Goretti, onde as galerias subterrâneas não suportaram o volume de águas e transbordaram. A marca da chuva ficou estampada nos muros das casas e atingiram dois metros de água. Com este cenário ao fundo, moradores e comerciantes tiraram o dia para limpar a sujeira e contabilizar os prejuízos, de móveis, eletrodomésticos e documentos perdidos.

 

Teresinha Aparecida Duarte, que há 17 anos mora ali, conta que desde então vivência alagamentos, mas que nunca chegaram perto de provocar tanto estrago. A moradora seguia na noite dessa quinta em faxina após “perder tudo”. Na lista de perdas, estão geladeira, fogão, micro-ondas, dentre outros eletrodomésticos. “Foi a primeira vez que a água chegou nessa altura toda. A água entra aqui em casa sempre, mas não tanto. Dessa vez, foi descomunal”, relata.

 

Do lado de fora da casa, Teresinha deixou a cabeceira de uma cama para secar, aproveitando a trégua da chuva. Os vizinhos da Rua dos Limões também encheram as calçadas com o que sobrou das suas casas enquanto faziam a limpeza interna. Pelos quarteirões, o rescaldo seguia com sujeiras e itens perdidos sendo recolhidos por caminhões da prefeitura. Fora das casas, carros foram arrastados pela enxurrada e se amontoaram no fim da rua, alguns sobre os outros.

 

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Pela manhã, os moradores afetados pelas chuvas foram atendidos pela Defesa Civil Municipal e receberam colchão, cobertores, lençóis e cesta básica - itens para ajudar a passar as próximas semanas enquanto luta para reconquistar o que perdeu. Ao todo, foram distribuídas 18 cestas básicas, 53 colchões, 44 cobertores e 33 lençóis. O órgão destaca que também foram realizadas vistorias de risco em imóveis alagados e levantamento de danos e que, “apesar do grande volume de chuva, não há registro de desabrigados ou desalojados”.

 

O presidente da Associação Comunitária do Maria Goretti, Melchiades Efigênio Mello, destaca o empenho da Defesa Civil durante a ação comunitária junto a moradores, mas destaca que a região demanda obras de prevenção para enchentes. “Nos últimos anos, aconteceram eventos causados pela chuva, mas essa tromba d'água surpreendeu", detalha.

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