Imagine uma fileira de caminhões com as caçambas abarrotadas de lixo, entulho e resíduos, um à frente do outro, formando uma linha contínua da Praça 7, no Hipercentro de BH, até a Pampulha. É essa quantidade de detritos que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) removeu das 18 bacias de detenção e drenagens da capital mineira, de janeiro a setembro deste ano, para manter a capacidade das estruturas de segurar a água das chuvas e dar vazão a ela impedindo alagamentos no Barreiro, Região Oeste, Vilarinho e muitas outras áreas da capital. O total é de 59 mil metros cúbicos (m³) de resíduos.
A reportagem do Estado de Minas mapeou nos cursos d'água onde ocorrem os principais alagamentos como os descartes de lixo, entulho e outros tipos de resíduos ameaçam reduzir as capacidades de drenagens da capital, podendo ocasionar mais problemas.
"A manutenção das bacias de detenção e das drenagens precisa ser constante, para que não ocorra uma redução da sua capacidade projetada nem bloqueios por esse material que permitam retenção de água que deveria passar e acaba ocasionando mais alagamentos. A cada período ou evento de chuva como os últimos que ocorreram, a PBH tem de dar manutenção nesses espaços. Retirar o lixo e sedimentos depositados, porque, se não o fizer, a capacidade de retenção de água é reduzida, além de se tornar um vetor de doenças", observa o professor do Departamento de Geografia e Biologia da PUC Minas, Antoniel Fernandes, que tem trabalhos de alcance internacional de urbanismo e geografia sobre as drenagens de BH.
Segundo a PBH, foram realizadas 56 intervenções de manutenção rotineira e especial nas bacias de detenção de cheias nos nove meses destacados. Foram feitas limpezas manuais e mecânicas, roçadas, desassoreamento dos reservatórios, tratamentos erosivos e recuperação de canais e contenções, limpeza e desobstrução de canais. O volume de sedimentos retirados com as intervenções de desassoreamento foi de cerca de 59 mil metros cúbicos (m³). "As mudanças climáticas têm trazido um cenário no qual os eventos extremos, com chuvas intensas e volumosas, são cada vez mais frequentes. Para esses eventos é fundamental o papel desempenhado pelas bacias de detenção", informa a PBH.
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Esse volume daria para encher cerca de 1.475 caminhões-baú simples (toco) com capacidade unitária de 40m³ cada um. Se enfileirados, os veículos de carga com cerca de 8,5 metros de comprimento poderiam formar uma linha de 12.537,5 metros, que se estenderia da Praça 7 até a Pampulha, passando pelos estádios do Mineirão e Mineirinho, a Igrejinha de São Francisco de Assis e o Museu Casa de Juscelino Kubitschek até chegar ao Parque Ecológico da Pampulha.
Uma das piores situações observadas pela reportagem ocorre no Córrego Isidoro, no Bairro Piratininga, em Venda Nova, na altura da Avenida Padre Pedro Pinto, antes que o manancial ingresse na canalização da Avenida Vilarinho, uma das mais marcadas por históricos de inundação, prejuízos e morte.
A drenagem que faz a conexão com a Vilarinho é muito estreita para a quantidade de resíduos depositados clandestinamente ao longo das margens do Córrego do Isidoro. Bem na abertura da estreita passagem para a Vilarinho, entre as margens de gaiolas de pedras (gabiões), a equipe do EM encontrou no início da semana passada vários descartes irregulares de lixo e de entulho. Eram restos de roupas, sobras de alimentos, embalagens de produtos eletrônicos, DVDs, meias, sacos de resíduos, tênis e outros esparramados na margem, junto a sobras de materiais de construção em outras pilhas, contendo latas de tinta vazias e cacos de cerâmica de fórmica, pedaços de tijolos, forros de PVC e outros tipos de entulho e poda.
INSALUBRIDADE E PREJUÍZOS
Em caso de chuva forte, a água do Córrego Isidoro frequentemente fica barrada e alaga as casas que ficam em sua área de inundação. Uma água que já desce com uma cor escura, cinzenta, como se estivesse mais espessa do que uma água comum. O forte cheiro de esgoto e lixo é resultado dos vários canos e tubulações clandestinas que despejam esgoto doméstico diretamente no manancial ao longo de todo o curso.
A atendente Vitória Reis, de 19 anos, afirma que basta uma chuva mais forte para o córrego transbordar ali. "É difícil de passar pela rua, porque a água é esgoto puro, traz doenças e quando escoa deixa lama e barro. As crianças aqui do bairro vivem com doenças porque só têm a beira do córrego para brincar nessas condições precárias, entre os ratos e baratas", afirma a moradora.
"A qualidade dessa água é péssima. Um cheiro horrível. Choveu e olha a situação de lixo e lama esparramados nas casas. A água já entrou na minha casa várias vezes. Perdi muita coisa, mesmo com o portão vedado, ela passa por baixo e sobe ficando da altura da pia. As coisas baixas que eu tinha se perderam todas: sofá, geladeira, armário e os mantimentos e mercadorias", afirma o motorista Lino Carvalho, de 58 anos.
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De acordo com ele, o problema é a entrada da drenagem da Vilarinho, que é muito estreita. "Não tem o tamanho suficiente para aguentar o volume de água. Porque quando chove, toda a água da região cai por aqui e não tem outra saída. A bacia de detenção está abaixo e vai recebendo lixo, até que desce um sofá, se acumulam sacos e tampa tudo e alaga aqui", conta Lino. Outro ponto de manancial que desce para a Avenida Vilarinho e contribui para alagamentos, antes da bacia de detenção dessa via, é o Córrego do Nado, que corre pela Avenida Doutor Álvaro Camargos. O córrego é um dos que formam a Lagoa do Nado, cuja represa se rompeu na quarta-feira passada, deixando rastro de estragos e lama. Ele passa ainda por duas bacias chamadas Várzea da Palma 1 e 2, ambas também alvo de descartes frequentes de lixo, entulho e invasões de pessoas soltando animais para pastagem.
O canal passa aberto dentro das bacias de detenção. Mas a própria área da bacia sofre com descarte de lixo e de entulho que vão se empilhando deixando menos espaço para a água das chuvas ficar acumulada em vez de descer pelo córrego. Várias pequenas lagoas se formam com o empoçamento de águas que ficaram retidas pelas últimas chuvas, onde patos e aves pernaltas aproveitam para pousar e nadar. Vários cavalos ficam dentro da bacia pastando em meio a muito lixo jogado, colchões, sacos com entulho e com poda. Guarda-chuvas velhos, brinquedos, garrafas pet, pedras, tijolos, pedaços de laje ainda com essas ferragens, louça sanitária, pedaços de móveis.
Uma das piores ocorrências de alagamento em Belo Horizonte neste ano foi na Avenida Bernardo Vasconcelos, no Ipiranga, Região Nordeste, onde o Córrego da Cachoeirinha subiu rapidamente de nível, invadindo as pistas da via e as casas, garagens de moradias e comércios, trazendo riscos e prejuízos.
Uma das soluções para o problema, segundo a PBH, será a finalização da bacia de detenção Praça das Águas, próximo à Avenida Cristiano Machado e a Estação São Gabriel. Enquanto isso, o lixo e o entulho seguem sendo depositados na cabeceira do córrego, sobretudo em áreas mais altas do Bairro Aparecida, próximo ao Cemitério da Paz.
Um dos pontos que mais resíduos lança na canalização aberta fica na Rua Hélio Gomes dos Santos. Em um só dia, a reportagem encontrou um carrinho de supermercado repleto de terra e galhos. O passeio e as valas de drenagens das chuvas que levam aos bueiros estavam soterrados por espumas, madeira de construção e de caixotes, lixo doméstico em sacolas plásticas de supermercado, pedaços de armários, borracha de pneus e câmaras de ar, baldes utilizados em construção, embalagens de doces e de comida, várias latas de spray, tijolos, arame retorcidos, brinquedos, pedaços de telha, de portas e de cômodas, um colchão de madeira, a tampa de uma caixa d’água, pedaço de para-choque de carros, muitas marcas de produtos queimados no chão que indicam que o local é utilizado para se pôr fogo e extrair metal.
Tudo isso atravessa a rua com as chuvas, entra pelas drenagens das águas e também vaza diretamente para o Córrego da Cachoeirinha, que corre abaixo já com esgoto em uma contenção de gabiões, ingressando na comunidade onde ele é atravessado por várias canalizações aéreas de esgoto e recebe parte do despejo de dejetos clandestino que desce do bairro.
Os afluentes do Ribeirão Arrudas que contribuem para as cheias e alagamentos que atingem a Avenida Teresa Cristina entre o Barreiro e a Região Oeste de Belo Horizonte também são alvos frequentes de deposições de lixo em áreas clandestinas ou acima das capacidades da coleta, indo parar ao longo do curso, como é visível, por exemplo, na Bacia Olaria, do Córrego Independência, no Tirol. Além do lixo, entulho é lançado no curso de água diretamente dos barrancos e dezenas de pneus ajudam a assorear o manancial antes da estreita passagem de sua barragem.