Os sinos dobram em reverência à memória de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), nesta segunda-feira (18/11), em que são lembrados os 210 anos de sua morte. Em Ouro Preto, na Região Central de Minas, terra natal do patrono das artes no Brasil, as badaladas saem de três sinos da torre do Santuário Nossa Senhora da Conceição, no Centro Histórico, e ecoam pela cidade reconhecida como Patrimônio Mundial.

 

 





“Aleijadinho foi criado no meio da arte. Seu pai, o português Manuel Francisco Lisboa, era construtor de igrejas. Quando criança, o menino Francisco brincava na antiga Rua de Trás (atual Rua Aleijadinho), ao lado do Santuário Nossa Senhora da Conceição", contou o ouro-pretano Francisco Barroso Filho, de 96 anos, o dom Barroso, bispo emérito de Oliveira (Centro-Oeste de Minas). Dom Barroso foi titular da Paróquia Nossa Senhora da Conceição durante 26 anos e criador da Semana do Aleijadinho e do Museu do Aleijadinho.

Dom Barrroso foi titular da Paróquia Nossa Senhora da Conceição durante 26 anos

LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS

 



De acordo com dom Barroso, que está lúcido e cheio de saúde, Aleijadinho tem um lado pouco conhecido. "Era um homem profundamente religioso e caridoso. Quando jovem, quis entrar para a ordem  franciscana, mas foi impedido por ser mestiço (filho de Manuel com a negra alforriada Isabel). Puro racismo. Mais tarde, entrou para a irmandade de São José."

 

Autor de vários livros, dom Barroso escreveu um sobre a Igreja São Francisco (já em segunda edição). No templo, afirma, o artista foi responsável pelo projeto e realização, convidando Manuel da Costa Ataide (1762-1730), de Mariana, na mesma região, para a pintura do forro.



Dia especial

 

Sineiros da torre do Santuário Nossa Senhora da Conceição

LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS

 

Ouvir as badaladas do sino ao meio-dia fez o coração disparar, e só mesmo estando perto para sentir tanta emoção. Até os três sinos, são 64 degraus de pedra de uma escada estreita e em caracol. "É um dia muito importante para Ouro Preto. Tocamos o sino a cada 18 de novembro. Isso 'toca' também nosso coração", destacou o sineiro Rafael Ernesto Barreto dos Santos, de 21 anos, ao lado do primo, Mateus França, de 22, e do mais novo do trio, Micael da Silva Vieira, de 17. "Hoje é Dia do Barroco Mineiro, aí fica um dia completo", contou Mateus, que estuda conservação-restauração na Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop).


Emoção

 

Vizinha do santuário, a artista plástica Maria de Lourdes Marques Lana ressaltou que Aleijadinho é a mais perfeita tradição da arte. "O melhor da nossa cidade, nossa fonte de inspiração", disse Maria de Lourdes.

 

O engenheiro civil Gustavo Henrique da Silva Macabeu, de Viçosa, na Zona da Mata, visita Ouro Preto pela primeira vez e ouviu as badaladas fúnebres, que duraram dez minutos. "Estudei sobre Aleijadinho na escola. Para nós, é um momento surpreendente", observou Gustavo, ao lado da mulher, Mariana Lara Alves da Silva.

 

 

Nas ruas da ex-capital de Minas, a memória do gênio do Barroco se mantém viva sob os pilares da admiração, da importância histórica e do talento insuperável. E pessoas de outros estados entram nessa vibração. "Muito bom estar aqui hoje. Lembramos o artista, valorizamos a história e reverenciamos a memória dos nossos ancestrais", disse a pedagoga Márcia Santana, com o filho João Vitor, de 16, e em companhia das também professoras Sara Jane Esteves e Márcia Damiana. O grupo veio do Rio de Janeiro e gostou de tudo o que viu. Para Sara Jane, a viagem é como livro aberto: "Podemos passar da teoria à prática". Satisfeita, Márcia Damiana completou: "E com muita emoção".



Programação 

 

Nesta segunda-feira, Dia do Barroco, ocorre o encerramento da 45ª Semana do Aleijadinho, cujo tema é 210 anos de arte, cultura, contemporaneidade e patrimônio. Às 19h, haverá Missa solene de Réquiem, no Santuário Matriz Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, presidida por dom Edmar José da Silva, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte. Em seguida, acontece a inauguração da primeira estátua do Aleijadinho esculpida pelo artista Elias Layon, do município vizinho de Mariana.

 


Em pedra-sabão e com policromia, a peça tem 65 centímetros de altura e foi doada por Elias Layon ao Museu do Aleijadinho, que fica no santuário onde o artista se encontra sepultado, sob o altar de Nossa Senhora da Boa Morte. “É o primeiro retrato esculpido de Aleijadinho. A primeira homenagem que ele recebe ao longo de séculos”, conta Elias Layon, que fez as pesquisas para chegar ao resultado final durante 30 anos.


Em Sabará

 

Também em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde Aleijadinho morou e trabalhou, ele está sendo lembrado. Às 10h, houve dobre fúnebre do sino-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. À noite (19h), tem recital de música colonial, no órgão francês Debain, comprado em 1875 do engenheiro Henrique Dumont, pai de Santos Dumont, e, na sequência, palestra “Aleijadinho em Sabará”, pelo professor de museologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Célio Macedo Soares. 

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia



Em Sabará, Aleijadinho deixou muitas obras, a exemplo da imagem de Santana Mestra (1770), pertencente ao acervo do Museu do Ouro, e dois atlantes, em madeira, e fachada, em pedra-sabão, da Igreja Nossa Senhora do Carmo. Também nesse templo do século 18, se encontram as imagens de São Simão Stock e São João da Cruz, em madeira e o coro completo, púlpitos e a grade que separa a nave da capela-mor da igreja.

compartilhe