No Centro de Belo Horizonte, o Santuário Arquidiocesano São José se destaca em meio à selva urbana com torres, arquitetura neogótica com requintes das características romanas, além de cores que saem do comum para igrejas na cidade.

 

Quem entra no Santuário se depara com um universo de pinturas da Santíssima Trindade, santos e santas, animais, plantas e até lendas, com alto teor de detalhes, cores e brilhos. “Toda criatura se curvando a Deus” e abraçando qualquer pessoa que entrar no templo, independentemente de religião.

 

Há tanto a ser visto e a decifrar que a paróquia já pensa em oferecer visitas guiadas – um projeto ainda não fechado – enquanto uma equipe se dedica a identificar e catalogar todas as figuras representadas no templo, em trabalho que deverá ser publicado em um livro, conta o padre José Luís Queimado, reitor do Santuário.

 

 

De acordo com padre, as pinturas do Santuário foram feitas em 1911 pelo alemão Wilhelm Schumacher. Segundo os registros da igreja, na época, o pintor, católico fervoroso, veio ao Brasil em busca de emprego e ofereceu seus serviços para a paróquia recém-criada. O templo começou a ser construído em 1901 e foi finalizado em 1910. Mas já era usado para cerimônias desde 1904, ano que marcou a inauguração do altar.

 




Para mostrar a qualidade do trabalho, Schumacher iniciou, sozinho, a pintura de uma das capelas da entrada. A amostra convenceu o padre Tiago Boomars, superior da época, que se apaixonou pela arte e contratou o alemão para pintar todo o interior do Santuário.


A partir da contratação, as pinturas começaram a ser feitas a partir da orientação de Boomars, que pretendia que as artes abraçassem todas as criações de Deus, segundo a teologia. O trabalho começou também a ser feito com mão-de-obra solo, ainda que os padres locais tenham oferecido a contratação de outro profissional para ajudar na pintura, de longa extensão.

 


Com o alto nível de complexidade, as pinturas levavam um longo tempo para serem concluídas e andaimes impediam o deslocamento e o usufruto de todo o interior da igreja. Segundo Queimado, isso levou a uma aceleração no trabalho de Schumacher, que precisou completá-lo, a contragosto, mediante duas condições: a pintura deveria ser finalizada em 1912, empregando também a mão-de-obra do pintor italiano Di Goretti.


Segundo o padre Queimado, há uma lenda que corre pelos corredores do santuário acerca desse desentendimento. Revoltado por ter que terminar as pinturas mais rápido que esperava, o pintor teria retratado o pároco da época, Boomars, como um “demônio” ou um “palhaço”, a depender das interpretações, em uma das paredes da capela de Nossa Senhora do Perpétuo.

 


As “más línguas” da época afirmam que o rosto pintado em meio à moldura de plantas é idêntico ao de Boomars. “É uma tradição oral que não se encontra nas crônicas”, assegura o padre. Isso explicaria, também, a região central do teto do corredor central da igreja, o transepto, que, em comparação com outras paredes, apresenta maior simplicidade.

 

HORÓSCOPO NA IGREJA?

 

Outro ponto de destaque nas pinturas do Santuário são as constelações nas naves laterais – corredores secundários do centro do templo. Cada lado desses corredores contam com sete capelinhas com inscrições de estrelas, que representam, ao todo, 16 constelações. Entre elas, as do Cruzeiro do Sul, Cão Maior, Áries, Gêmeos e Virgem.


O padre Queimado conta que, apesar de as pinturas de constelações representarem elementos da natureza, muitas pessoas que visitam o local acreditam que estão pintados símbolos pagãos nas paredes da igreja. “Algumas pessoas acham que as inscrições são os signos do horóscopo, mas não são. Até porque aqui temos 16 constelações, enquanto no zodíaco são 12”, explica.

 

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Há também, no altar, um símbolo da mitologia grega: a fênix. Ela está ao lado de outros símbolos relacionados ao centro do cristianismo, como o peixe, o pelicano, o carneiro, o pavão e a árvore da vida. “A fênix representa Jesus que, morrendo, ressuscitou da morte”, conta o padre. Segundo ele, apesar de também causar estranheza, a presença do símbolo na congregação cristã está relacionada a uma fala do papa São Clemente I, ainda no século I d.C., em carta aos coríntios, afirmando que Jesus se parece com a fênix. “Dá a entender, inclusive, que ele acreditava que a fênix era algo real, que ela existia. Mas estamos falando de uma pessoa do primeiro século”, justificou.

 

Ao fim de um dos corredores, há a imagem de José do Egito. O padre explica: “José do Egito também está ligado a São José. Ele é o último patriarca da promessa do Antigo Testamento, enquanto (São) José é o último patriarca do Novo Testamento”, explicou o padre. Ele conta que muitos fiéis que não conhecem a história se perguntam “quem é essa santa?”, uma vez que as vestes egípcias desenhadas na imagem são interpretadas, nos séculos mais recentes, como pertencentes a mulheres, uma vez que têm características de vestidos.

 

Para evitar mais confusões e transmitir conhecimento, o padre comentou que visitas guiadas são uma pretensão da paróquia. “Nós queremos fazer essa visita monitorada para mostrar para as pessoas”, contou. No entanto, ainda não há previsão de quando a ideia entrará em prática.


MULTIDÃO CELESTE


Das paredes na entrada até o altar, o Santuário São José conta com dezenas de representações de santas, santos, diferentes versões de São José e Maria, além de interpretações sobre Jesus. Em diferentes níveis, persongens importantes para a fé católica ocupam espaços da altura dos fiéis até os mais altos pontos do teto.

 

Em uma compreensão neogótica, linhagem da arquitetura em que a igreja se encontra, entende-se que a altura das pinturas representa um esforço de alcançar os céus, fisicamente.

 

No altar, por exemplo, tem-se a representação de cerca de 50 santidades, anjos e arcanjos da corte celeste, presentes para a Celebração da Eucaristia. Eles observam, no centro, a Santíssima Trindade, que tem aos pés Santa Maria e João Evangelista, além dos arcanjos Miguel e Gabriel.

 

Ao redor, como explica o padre Queimado, alguns representantes da corte celeste identificados são Santa Rita, Rei Davi, São Martinho de Tours, Santa Teresinha, São Magno, São Geraldo Magela, Santo André e São Francisco.

 

A equipe da paróquia ainda não conseguiu identificar todos os santos representados, mas está realizando um trabalho de catalogação que resultará em um livro. Segundo o padre José Luís Queimado, ainda não há previsão de lançamento, uma vez que o processo de pesquisa nos documentos oficiais demanda bastante tempo.

 

Na segunda parte do altar, um pouco à frente, há a representação da linhagem real do Rei Davi, com 40 majestades do Livro dos Reis, incluindo Abias, Abraão, Josafá, Joatan, Josué, Ezequias e Manassés. “Esses são os reis bons, os grandes patriarcas que formam a linhagem daquele que vai nascer de Maria, que é Jesus Cristo”, explicou o padre.

 

Logo abaixo, estão representados apóstolos com os instrumentos da própria morte, com interpretações do pintor Schumacher e do pároco Boomars. Exemplos disso são a representação de São Paulo com espada; São Bartolomeu segurando uma pele, uma vez que foi esfolado vivo; e Santo André com cruz em X. O único que não segura um símbolo da morte é São Pedro, que leva chaves nas mãos, dadas a ele por Jesus conforme cena descrita no Evangelho de Mateus.

 

Já na nave central, estão representados 14 santos e 14 santas, como Santa Luzia, Santa Teresinha, Santa Bárbara, Santa Inês e até Verônica que, apesar de não ser santa, tem grande participação nas escrituras do Evangelho, uma vez que, de acordo com a história bíblica, enxugou o rosto de Jesus durante o percurso à crucificação, e as feições do Filho do Homem ficaram inscritas no pano usado por ele.


RESTAURAÇÃO RECENTE


Apesar de se mostrarem extremamente conservadas, as pinturas têm mais de 100 anos de existência. A boa aparência se deve a uma restauração feita nos anos de 2014 e 2015, que demandou recursos de R$ 7 milhões doados pela comunidade. O restauro da área externa “descobriu um tesouro”, uma vez que, em algum momento entre os anos de 1940 e 1950, sem registro exato, as paredes foram pintadas com uma tinta bege que, como foi constatado durante as obras, escondia tons vívidos de azul, amarelo e laranja-abóbora, agora resgatados.

 

Já na área interna, a restauração foi nos tons dourados de aréolas, além da limpeza das pinturas com equipamentos e produtos adequados para que não se desgasse a tinta original. “Aqui é um oásis em meio a uma selva de cimento, com portas abertas todos os dias para quem quiser visitar e estar na presença do Senhor”, finalizou o padre José Luís Queimado.

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