O Ministério Público do Trabalho (MPT) obteve na Justiça uma tutela de urgência em ação civil pública, com pedido de R$ 25 milhões, impetrada contra Inácio Carlos Urban e seu grupo econômico. O fazendeiro e fundador do Grupo Farroupilha — conglomerado ligado ao agronegócio com sede em Patos de Minas — tornou-se réu por homicídio culposo (sem intenção de matar) em razão da morte do piloto Rodrigo Carlos Pereira, aos 39 anos, em Coromandel, no Alto Paranaíba, em Minas Gerais. Agora, na tutela concedida em decisão liminar, Inácio e suas empresas ficam obrigados a adotar rotinas adequadas de manutenção nas máquinas e nos equipamentos utilizados na aviação agrícola. 

 

 

A decisão proferida na quinta-feira (21/11) pelo juiz Sérgio Alexandre Resende Nunes, titular da Vara do Trabalho em Patrocínio, ocorre após a defesa do Grupo Farroupilha se negar a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no último dia 14, no qual se comprometeria a cumprir em todas as empresas do conglomerado a legislação trabalhista — que foi negligenciada na relação de trabalho com Rodrigo Carlos Pereira, morto após a aeronave em que estava cair em uma das fazendas de Inácio, em Coromandel.

 

O avião, um modelo EMB 202A da Embraer, de propriedade do fazendeiro, possuía defeitos crônicos e havia recebido manutenção de um mecânico inabilitado minutos antes da queda. Esse profissional também acabou se tornando réu por homicídio culposo.

 



 

Rodrigo Carlos Pereira, ao lado da esposa, Patrícia Cristina da Silva Pereira, e dos filhos, que, à época do acidente, tinham 3 e 5 anos

Arquivo pessoal

 

Acordo amigável não foi aceito por Grupo Farroupilha, diz MPT

 

“O MPT tentou a composição amigável com os réus [Inácio Carlos Urban e as empresas que integram o Grupo Farroupilha] para que ajustassem sua conduta e ao menos passassem a cumprir as normas de saúde e segurança do trabalho para prevenção de novos acidentes. Contudo, os réus se recusaram a tratar qualquer acordo”, declarou o órgão na petição protocolada na Justiça, na qual pleiteou a tutela de urgência visando ao cumprimento das obrigações trabalhistas.

 

 

Logo, a decisão obtida pelo MPT determina que as aeronaves passem por inspeção regular, com o objetivo de “reparar, substituir ou remover qualquer item inoperante”. “Todo serviço de manutenção previsto nas obrigações impostas à empresa deverá ser feito conforme as recomendações dos fabricantes e por profissionais legalmente habilitados ou qualificados, de acordo com as normas técnicas oficiais ou internacionais”, pontuou Hermano Martins Domingues, procurador do Trabalho que atua no caso.

 

Em resposta e na mesma toada, o juiz do Trabalho Sérgio Alexandre Resende Nunes classificou a conduta da empresa em relação à manutenção das aeronaves como de “evidente risco para a integridade física dos pilotos”.

 

O Grupo Farroupilha deverá ainda anexar ao processo os relatórios contendo as inspeções obrigatórias da aeronave pilotada por Rodrigo, além das manutenções preventivas, corretivas e até mesmo a realizada no dia do acidente. Em caso de não cumprimento, a empresa pagará R$ 20 mil por cada obrigação não acatada.

 

A reportagem entrou em contato com a defesa de Carlos Inácio Urban e a assessoria do Grupo Farroupilha, mas, até o fechamento desta publicação, o retorno não havia ocorrido. O espaço segue aberto para manifestações.

 

Relembre o caso

 

Visando à pulverização de agrotóxicos, o então funcionário de Inácio Carlos Urban decolou com uma aeronave em 7 de fevereiro de 2020 do aeródromo de Coromandel. O avião caiu na cabeceira da pista de pouso da Fazenda São Francisco, próximo a uma lavoura de milho, dez minutos após a decolagem.

 

O acidente ocorreu no primeiro voo após os reparos realizados por Rogério Dalla, mecânico contratado por Inácio, que não possuía a habilitação necessária na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A Polícia Civil encerrou o inquérito em 12 de abril deste ano e o enviou ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com os indiciamentos de Inácio e Dalla, após a conclusão da investigação. Na oportunidade, o delegado Leandro Fernandes Araújo apontou que a aeronave pilotada por Rodrigo apresentava defeitos “gravíssimos”, como superaquecimento, vazamento de óleo do motor, corte de combustível e panes elétrica e termostática.

 

O empresário e o mecânico tornaram-se réus por homicídio culposo em 31 de outubro deste ano, quando a Justiça acatou a denúncia do MPMG. A pena varia de um a três anos de detenção. No entanto, o promotor Edon Rodarte havia solicitado no documento encaminhado à Justiça que Inácio e Dalla fossem condenados com aumento de um terço na pena, conforme prevê o Código Penal em casos de “inobservância de regra técnica de profissão”.

 

Segundo a promotoria, o mecânico possuía formação que não o habilitava a realizar intervenções em tais equipamentos, apenas a prestar consultoria em manutenção de aeronaves. “Além da ausência de qualificação e habilitação técnica, foi apurado que os reparos da aeronave eram realizados em locais improvisados e que as peças utilizadas eram inadequadas”, afirma Rodarte, acrescentando que Rogério foi o “autor” do crime de homicídio culposo e Inácio “participou culposamente do delito”, pois foi omisso “por inércia própria”, já que era responsável por garantir condições seguras de trabalho em sua propriedade.

  

MPT aponta “imprestabilidade” de laudo do Cenipa

 

O relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) revelou que os tanques de combustível estavam íntegros, mas completamente vazios. Além disso, os “demais componentes do motor apresentavam ausência de combustível residual”.

 

No laudo pericial judicial apresentado nos autos da reclamação trabalhista movida pela viúva, o perito concluiu que o piloto não considerava a possibilidade de pane seca — ou seja, quando o sistema não fornece combustível suficiente para o correto funcionamento do motor. O documento revelou que o piloto solicitou o abastecimento do avião mais do que o necessário para o trajeto de ida e volta.

 

 

O MPT, no entanto, apontou a "imprestabilidade do relatório do Cenipa" para atribuir culpa aos réus. "As investigações realizadas pelo Cenipa não possuem caráter de laudo pericial e não podem ser usadas para apurar responsabilidades por acidentes aéreos. Os documentos possuem apenas a implementação de medidas de segurança para evitar novos acidentes", afirmou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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