Para 374.323 alunos de escolas de Belo Horizonte um simples intervalo pode ser sinônimo de desconforto. Sem áreas verdes em seus terrenos, os pátios das instituições belo-horizontinas transformam-se em verdadeiros fornos a céu aberto. Essa realidade é detalhada no relatório. “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras”, divulgado nesta semana pelo Instituto Alana, em parceria com o MapBiomas. Belo Horizonte ocupa uma posição desconfortável no ranking nacional: 39% de suas escolas não têm áreas verdes dentro delas, o que coloca a cidade entre as 12 capitais com maior déficit nesse quesito.

 


O déficit de verde nas escolas belo-horizontinas está acima da média nacional. Mais de um terço das instituições de ensino brasileiras (37,4%) não têm áreas verdes. Nos estabelecimentos de educação infantil, essa porcentagem sobe para 43,5%. A pesquisa, baseada em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, rastreou 20.635 escolas de capitais brasileiras. O estudo demonstra a correlação entre a falta de verde e a maior vulnerabilidade a desastres climáticos e ilhas de calor, impactando principalmente crianças e adolescentes de comunidades vulneráveis.

 


Sem sombra ou espaços frescos, as crianças enfrentam dificuldades para se concentrar nas aulas e, em dias mais quentes, muitas vezes são impedidas de aproveitar o recreio em áreas externas, como quadras, devido ao calor insuportável. “A gente costuma dizer que um dia de calor, muitas vezes, é um dia de aprendizado perdido. Porque é muito difícil se concentrar, muito difícil aprender”, aponta Maria Isabel Barros, especialista em crianças e natureza do Instituto Alana. Por outro lado, o estudo chama atenção para o fato de que 83% das escolas de BH estão próximas de praças ou parques, o que abre uma importante oportunidade para a educação ao ar livre. “A nossa sugestão é que as escolas olhem para esses territórios ao redor e usem essas áreas como espaços de educação”, propõe.

 

 

A pesquisa revela ainda que as escolas públicas de Belo Horizonte apresentam a maior taxa de áreas verdes em comparação às instituições privadas: mais de 80% contam com cobertura vegetal em seus terrenos, enquanto entre as particulares o índice não chega à metade. Mas, apesar de elas serem as que mais têm áreas verdes, esses espaços são subaproveitados e frequentemente vistos como ônus nas escolas públicas, devido à falta de recursos para manutenção e utilização pedagógica. “Isso é uma notícia muito boa e pode favorecer o ‘desemparedamento escolar’, essa inclusão dos alunos e da comunidade em atividades educacionais e recreativas. O desafio é que muitas vezes essas escolas, com lotes muito verdes e áreas incríveis, têm dificuldade em manter e usar esses espaços com intencionalidade pedagógica”, afirma Maria Isabel.

 


Área de perigo

Se por um lado Belo Horizonte apresenta desempenho melhor em relação às ilhas de calor, com apenas 1,63% de suas escolas localizadas nessas áreas (uma das menores taxas entre as capitais), por outro, a cidade enfrenta sérios desafios no que se refere às áreas de risco climático. Em BH, 14% das escolas estão localizadas em áreas suscetíveis a deslizamentos ou enchentes. Essas áreas impactam diretamente 42.802 alunos, o que coloca a cidade na quarta posição entre as capitais brasileiras com mais estudantes expostos a desastres climáticos, atrás de Rio de Janeiro, Recife e Salvador.

 

 

Escolas localizadas em áreas de risco de desastres climáticos, como enchentes e deslizamentos de terra, enfrentam um ciclo de prejuízos quando eventos extremos danificam suas infraestruturas. A reposição costuma ser lenta, deixando os alunos sem aulas por semanas ou até meses, o que agrava a evasão escolar. “Muitas dessas crianças não retornam, contribuindo para o aumento de problemas como trabalho infantil e violência doméstica. É uma cadeia de danos que essa população vai sofrer”, ressalta a especialista. Nacionalmente, 64% das escolas estão em locais onde a temperatura da superfície é pelo menos 1°C mais alta que a média do perímetro urbano, e a maioria dessas instituições (78%) tem pouca ou nenhuma vegetação. As consequências da falta de vegetação e da vulnerabilidade climática vão além do desconforto físico.

 

Os dados escancaram ainda uma reprodução da desigualdade racial: alunos negros estão desproporcionalmente expostos a condições adversas. Nacionalmente, as escolas com maior número de alunos negros são também as que menos possuem áreas verdes e estão em territórios mais quentes. O relatório, no entanto, não apresenta o recorte de Belo Horizonte nesse quesito. “Observamos nas escolas uma reprodução das desigualdades vistas na cidade, refletida no acesso e na distribuição desigual de áreas verdes”, destaca Maria Isabel.

 

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O estudo enfatiza a necessidade de priorizar as instituições de ensino em políticas de adaptação climática. Isso inclui desde a reforma daquelas que estão localizadas em áreas de risco até a construção de novas unidades em terrenos seguros. A implementação de protocolos de prevenção e a capacitação de comunidades escolares para lidar com desastres também são recomendados. “Uma outra coisa muito importante é desenvolver protocolos para subsidiar ações de prevenção e redução de riscos que envolvam toda a comunidade escolar. Além de aperfeiçoar o mapeamento oficial das áreas de risco. Olhar caso a caso para que a gente conheça melhor as escolas nessas áreas”, afirma. 

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