Ultrapassar em rodovias é uma das manobras mais arriscadas no trânsito, exige precisão, bom julgamento e, acima de tudo, segurança. No entanto, os números crescentes de acidentes em Minas Gerais mostram que muitos motoristas têm falhado nessa tarefa. De janeiro a outubro deste ano, as ultrapassagens indevidas deixaram 845 pessoas feridas nas rodovias estaduais e federais que passam por Minas Gerais e outros 68 mortos, um salto de 23% em comparação ao mesmo período do ano passado. O total de acidentes é quase duas vezes maior que o das ultrapassagens proibidas (1.670 no mesmo período).

 


Quase a totalidade dos acidentes por ultrapassagens indevidas em Minas Gerais ocorre nas rodovias estaduais. Dos 3.425 registros de janeiro a outubro de 2024 —12,2% a mais do que no ano passado—, 94,9% (3.251 casos) aconteceram nas estradas estaduais, enquanto as federais responderam por apenas 5,1% (174 casos). E o aumento é contínuo: foram 2.665 ocorrências em 2022, subindo para 3.044 em 2023, somando os dados das rodovias estaduais e federais.

 




Os reflexos desses números são sentidos não só na frequência, mas na gravidade dos acidentes. Os acidentes nas rodovias federais são proporcionalmente mais letais, com 43 mortes, o que representa 24,7% de aumento em relação às 33 vidas perdidas no ano anterior, conforme dados da Polícia Rodoviária Federal de Minas Gerais (PRF-MG). Já nas estaduais, 25 pessoas morreram em 2024, número também maior do que os 22 óbitos registrados em 2023, segundo dados do Painel de Acidentes de Trânsito do Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais. Em 2024, as ultrapassagens indevidas deixaram 845 pessoas feridas nas rodovias mineiras, contra 740 em 2023.

 

 

Esse tipo de acidente é resultado de uma combinação de fatores humanos, mecânicos e condições adversas de clima e estrada. "Acidente é um evento que tem múltiplas causas, normalmente nunca é uma causa única", explica Silvestre Andrade, especialista em transporte e trânsito. "Uma noite mal dormida, chuva, ou até o reflexo do sol na pista podem interferir na percepção de distância e de profundidade do motorista na hora da ultrapassagem”, aponta.

 

 

O erro no cálculo da ultrapassagem, no entanto, está entre as principais falhas humanas. Andrade destaca que motoristas muitas vezes subestimam a potência de seus veículos ou ignoram a possibilidade de que o condutor ultrapassado acelere, dificultando a manobra. "O modo defensivo seria quem está sendo ultrapassado reduzir a velocidade para permitir a passagem. Mas nem sempre isso acontece”, alerta. “A malha viária tem um contraste de potência dos veículos, tem carros antigos, menores, trafegando ao lado de modernas carretas. O momento da ultrapassagem é sempre um momento crítico, porque você está interagindo com o outro na pista contrária. É sempre um momento de tensão em que se precisa ter cuidados redobrados, até porque se está em alta velocidade e o tempo de decisão é muito menor”, completa.

 

Nas últimas semanas, acidentes graves chamaram atenção para o problema. No domingo (24/11), uma mulher de 39 anos ficou gravemente ferida ao tentar ultrapassar uma carreta na BR-262, em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Ela perdeu o controle do veículo, bateu e ficou presa às ferragens. Dois dias antes, na MG-202, próximo a Brasília de Minas, no Norte de Minas, uma tentativa de ultrapassagem resultou em tragédia. Uma ambulância do Samu tentou ultrapassar um caminhão, mas ao retornar à faixa, colidiu com um carro. Duas pessoas morreram, incluindo o motorista do carro, e quatro ficaram feridas.

 

Andrade aponta que o aumento do tráfego após a pandemia, a precariedade das estradas e a falta de fiscalização contribuem diretamente para a escalada das ocorrências de acidentes por ultrapassagens indevidas. "Esse aumento do volume de tráfego e a falta de investimentos na infraestrutura para acompanhar esse crescimento acaba, de certa forma, criando um ambiente propício para esse tipo de ocorrência, reforçado pela falta de fiscalização mais intensa", aponta Silvestre.

 

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A falta de faixas adicionais para veículos mais lentos e de duplicações em trechos movimentados, segundo o especialista, expõe motoristas a situações perigosas. “Quanto maior o fluxo, maior a necessidade de ultrapassagens. As rodovias deveriam estar preparadas para isso”, reforça.

 

Enquanto as estatísticas crescem, a fiscalização nas rodovias, por outro lado, deixa a desejar. Andrade avalia que a ausência de uma fiscalização mais intensa nas estradas contribui para a sensação de impunidade e o aumento de comportamentos de risco. "Não só para ver as condições das estradas, mas principalmente dos veículos e dos condutores. Faltam ações efetivas para combater o uso de celular ao volante, o consumo de bebidas alcoólicas e a falta de manutenção nos veículos, por exemplo", critica.

 

No fim das contas, ultrapassar com segurança depende de uma análise cuidadosa do motorista, avalia Andrade. O momento da ultrapassagem exige atenção redobrada, especialmente sob condições adversas como chuva. “Se houver qualquer dúvida, não ultrapasse”, destaca.

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