Em meio aos prédios da cidade, os belo-horizontinos podem apreciar a beleza da floração, como da escumilha africana, que aparece perto da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul -  (crédito: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Em meio aos prédios da cidade, os belo-horizontinos podem apreciar a beleza da floração, como da escumilha africana, que aparece perto da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul

crédito: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS

Na reta final desta primavera, Belo Horizonte tem como destaque a floração da escumilha africana, com variações que vão do rosa ao arroxeado e dão o tom da beleza ao cenário urbano. No contraste com as árvores presentes em avenidas e ruas, ainda brilham o vermelho e o laranja da copa dos flamboiãs, tradição na cidade logo após as primeiras chuvas da estação.


Mas se está tudo certo na “parte alta” do reino vegetal, há problemas muito sérios nos canteiros de áreas públicas, comprometendo o título de “cidade jardim”, um dia conquistado por BH, e interferindo na variedade e no colorido da paisagem urbana.

 

Num giro por jardins famosos da capital, incluindo a Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul, é possível ver que as flores nesta primavera não apresentam tanta exuberância. “Houve uma seca prolongada e até agora não choveu o bastante”, observa um jardineiro que trabalha na manutenção do espaço mais nobre da cidade. Ao ouvir o comentário, um homem, na sua caminhada matinal, dispara: “Na verdade, não molham o suficiente, daí ser impossível um bom resultado”.

 

Há vários fatores que interferem no visual urbano e na paleta de cores, sendo o “roubo” um deles. Segundo o engenheiro florestal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Edinilson dos Santos, há furto de água, terra, grama, mudas e plantas maiores, além da depredação dos equipamentos para irrigação. “Fazemos a manutenção o ano todo, como ocorre agora. Realmente, não há nada igual à água da chuva para os jardins, a natureza, mas, com esses problemas e outras mazelas, o custo da manutenção fica alto e complicado, afastando até pessoas e empresas interessadas na adoção de espaços públicos.”

 

 

 A fotógrafa Stephanie diz preferir a natureza ao redor da Lagoa da Pampulha

A fotógrafa Stephanie diz preferir a natureza ao redor da Lagoa da Pampulha

GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS

 

PAISAGISMO DEFENSIVO

Atualmente, a maior parte da manutenção dos espaços públicos, como a Praça da Liberdade e a Pampulha, está a cargo da PBH que, para minorar os danos e manter a cidade florida, adota o paisagismo defensivo. O que isso significa na prática?, pergunta o repórter. “Usamos plantas de mais fácil manutenção e menos sujeitas ao furto. Entre elas, gramados e plantas perenes, mais rústicas. Exigem menos adubação e o combate às pragas”, responde o engenheiro florestal.

 

 

Para evitar os efeitos das secas prolongadas, frequentes em Minas nos últimos anos, a prefeitura se vale de espécies mais tolerantes a longos períodos de estiagem, informa Edinilson: “Infelizmente, perdemos em diversidade e colorido, mas mantemos por mais tempo as áreas ajardinadas”. A próxima etapa será tirar o mato que cresceu após as últimas chuvas.

 

Em Belo Horizonte, há 500 tipos diferentes de espécies de árvores adaptadas ao ambiente urbano. No inverno, por exemplo, os ipês, em vários tons, atraem os olhares de moradores e visitantes, seguindo-se, no início da primavera, a floração das sibipirunas, com a copa amarela. “Temos árvores floridas durante todo o ano”, diz o engenheiro florestal, citando ainda o alfeneiro, a quaresmeira (símbolo de BH), pata-de-vaca como destaques.


CORES DA CIDADE

Mesmo com o “rouba-se de tudo” dos jardins e a depredação de equipamentos, BH oferece sempre um espetáculo para os olhos de moradores e visitantes. Residente em Maceió (AL), a psicóloga e psicopedagoga Aparecida Gaia já morou em BH, tem uma filha mineira e sempre que pode vem passear nos jardins da Pampulha, especialmente no entorno do Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis, mais conhecido como Igrejinha da Pampulha. Diante do ícone do Conjunto Moderno, reconhecido como Patrimônio Mundial, a alagoana demonstra a paixão pela natureza. E abre o coração: “Num dia radiante como este, com céu tão azul, como não descobrir que a gente é feliz?”

 

A inspiração brota dos canteiros dominados pela cana-da-índia ou cana-índica, fazendo o contorno à beira do espelho-d’água, do laranja e branco dos lírios no contraste com o gramado e do azulado da bela emília combinando com o monumento projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012). Nesse clima, Aparecida Gaia tirou muitas fotos e disse que está aprendendo a cultivar orquídeas. “Sou apaixonada por flores”, resumiu.

 

 

Profissional que trabalha com uma câmera analógica “vintage” e entrega o retrato na hora, Stephanie Martins elege a Pampulha como o melhor local para fazer seu trabalho. “Todos os ângulos daqui são favoráveis, e tem esta natureza exuberante o ano inteiro”, derramou-se em elogios a fotógrafa. Passeando pela orla, o zootecnista André Bertolini, de Amparo (SP), em visita a BH pela segunda vez, aproveitou para fazer “selfies” e curtir a paisagem. “O contraste entre as flores e o céu é muito bonito”, afirmou. Na caminhada, o visitante pode ver a grama amendoim se espalhando perto da Praça Dino Barbieri e, próximo do Parque Guanabara, a cássia imperial dando o tom dourado ao ambiente.

 

O jardim da igrejinha, assim como o da Casa do Baile, atual Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design, do Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo cassino e fechado à visitação, e do Museu Casa Kubitschek foram concebidos por Roberto Burle Marx (1909-1994) para as construções projetadas por Niemeyer, na década de 1940. Um dos mais renomados paisagistas do mundo, Burle Marx criou uma obra inovadora, incorporando elementos de diferentes contextos, como espécies vegetais descobertas em expedições botânicas, colunas e arcadas coletadas em demolições ou mosaicos e painéis de azulejos.

 

Junto ao “valor universal excepcional”, considerado pela Organização das Nações Unidas (Unesco), em 2016, quando a Pampulha se tornou Patrimônio Mundial e Paisagem Cultural, o Conjunto Moderno é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.

Na Praça da Liberdade, as hortênsias resistem às mudanças de temperatura

Na Praça da Liberdade, as hortênsias resistem às mudanças de temperatura

GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS

PRAÇA E PARQUE

O conceito de paisagismo defensivo pode ser notado também na Praça da Liberdade, tombada pelo Iepha, agora com a decoração natalina. Equipes da PBH dão manutenção no espaço público, que é âncora do Circuito Liberdade. Um jardineiro reclama da longa estiagem e das poucas chuvas para explicar o pouco brilho dos jardins, que têm um resistente canteiro de hortênsias em flor.

 

Andar na Praça da Liberdade é sempre um convite à contemplação, para quem gosta de admirar plantas; à atividade física, indicando as caminhadas e corridas; ao descanso, num banco, com um livro na mão; ou ao namoro, em qualquer tempo. Uma roseira direciona o olhar aos prédios do Circuito Liberdade e clama por uma campanha de conscientização para que se preservem as áreas ajardinadas de BH.

 

 

A tarde vai chegando e o término do passeio é no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, alvo de ações do programa da PBH, “Centro de todo Mundo”, que prevê requalificação de espaços e aumento das oportunidades de moradia, trabalho e lazer na Região Central. Muita gente procura a sombra das árvores desse espaço mais antigo do que BH, que completará 127 anos no dia 12. Para dar boas-vindas aos moradores, estão à beira do lago uma elegante mussaenda vermelha, e, mais abaixo, a cana-do-brejo ou cana-de-macaco.


NOS PRIMÓRDIOS

Antes de ser Belo Horizonte, inaugurada em 12 de dezembro de 1897, com o nome de Cidade de Minas (só em 1901 ganhou o nome definitivo), a capital era um arraial com cerca de 370 casas, um chafariz, a sede de uma fazenda e também jaqueiras, copaíbas, gameleiras, casuarinas, amoreiras, jatobás, saponeiras, jabuticabeiras e muitos ipês. Essas eram as árvores que estavam em BH antes de o antigo arraial ser demolido para dar lugar à cidade planejada. O serviço de arborização foi entregue ao renomado arquiteto-jardineiro francês Paul Villon (1841-1905).

 

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Daqueles tempos, que não deixaram pedra sobre pedra, com raríssimas exceções, restaram árvores que garantiram ao município o título de cidade-jardim. Algumas delas, cuja história e beleza fizeram parte da memória da cidade, chegaram a ser tombadas como patrimônio público ou protegidas por um decreto municipal da década de 1930 – o que não impediu que desaparecessem do mapa, por ação do tempo ou do homem. Em 1990, uma nova ação, desta vez do Conselho Deliberativo do Patrimônio Histórico, incluiu nove espécies ou conjunto delas no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico de Belo Horizonte. Entre elas, o conjunto de fícus da Avenida Bernardo Monteiro, no Centro-Sul.