Em 29 de novembro, um ônibus de viagem sem freios arrastou vários carros no Anel Rodoviário, próximo ao Viaduto do Betânia, e deixou quatro pessoas feridas -  (crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Em 29 de novembro, um ônibus de viagem sem freios arrastou vários carros no Anel Rodoviário, próximo ao Viaduto do Betânia, e deixou quatro pessoas feridas

crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

O acidente no qual um ônibus perdeu os freios e arrastou vários carros, com um saldo de 15 veículos danificados e quatro pessoas feridas, no Anel Rodoviário, em Belo Horizonte, completou uma semana na sexta-feira (6/12). O ocorrido soma-se ao cenário de perigo constante na via que, ao longo de 25 quilômetros de extensão, atravessa a capital mineira da Região Oeste a Noroeste. Neste ano, os acidentes por ali aumentaram 5,4% até outubro, em comparação ao mesmo período de 2023, conforme mostram dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) – foram 3.594 acidentes até então.

 

 

A trágica estatística segue em crescimento ao mesmo tempo em que o conjunto de obras para melhoria da via, anunciado há um ano pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e que deveria ter começado em abril, continua sem data para começar. Há pouco mais de um mês, o prefeito Fuad Noman (PSD) anunciou que a administração municipal passaria a ser responsável pela gestão do Anel Rodoviário. O anúncio foi feito durante uma reunião em Brasília com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

 

A municipalização da via é considerada o primeiro passo para dar início ao conjunto de obras planejadas pela PBH, orçadas em R$ 1,5 bilhão e que serão custeadas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Contudo, a transferência da gestão da via para o poder municipal foi acertada, mas a assinatura ainda não ocorreu. O Anel Rodoviário segue nas mãos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Contatada pela reportagem do Estado de Minas, a PBH informou que “há trâmites burocráticos a serem seguidos para a municipalização do Anel Rodoviário" e que "tem atuado para que esse processo seja concluído o mais rapidamente possível”.


PERSPECTIVAS

O conjunto de obras planejado compreende intervenções em oito viadutos ao longo do Anel Rodoviário. A maior parte destas estruturas são, atualmente, mais estreitas e com menos faixas do que o restante da via, o que provoca afunilamentos do tráfego e, consequentemente, retenções. A redução abrupta da velocidade em diferentes trechos do Anel Rodoviário é apontada por especialistas em trânsito como uma das principais causas de acidente na via.

 

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Foi diante deste cenário que aconteceu o acidente da semana passada, quando o ônibus arrastou os carros numa descida no sentido Vitória, no Km 538. A gravação das batidas, feita pelo motorista de um carro de passeio atrás do ônibus, mostra uma longa fila de carros retidos em meio ao trânsito intenso. Perto dali, a cerca de 1,5 quilômetro adiante, está localizado o Viaduto sob a Avenida Teresa Cristina, onde as três faixas de tráfego da via se reduzem para duas – uma das obras do pacote visa corrigir este afunilamento e criar mais alças de acesso nas proximidades.

O motorista do ônibus, em entrevista poucas horas após o acidente, disse ter feito “tudo que pode” assim que percebeu a falha nos freios do veículo, mas, em virtude das filas de carro à frente, não conseguiu evitar as batidas. O trecho onde tudo ocorreu fica no meio de uma curva e logo após uma subida extensa, e está entre os mais perigosos do Anel Rodoviário – de janeiro a outubro, foram 49 acidentes no local.

 

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A professora Gislene Lisboa, de 42 anos, mora a 350 metros da curva onde tudo aconteceu, numa casa colada à via marginal. Em frente à residência, a família dela instalou vigas de ferro na calçada e construiu uma vala no interior do terreno, separando a casa do muro. As medidas foram uma forma de garantir maior segurança, pois, conforme conta Gislene, já perderam as contas de quantos acidentes viram na frente de casa – em uma das ocasiões, um carro colidiu contra o muro e invadiu o imóvel. “Se alguém bater, ninguém vai pagar ou indenizar, como já aconteceu. A gente que tem que arcar com o prejuízo. Nós temos documentação, não é nada invadido, mas ninguém liga”, desabafa.


CONCENTRAÇÃO

Um levantamento feito a partir de dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostra que os trechos que concentram os acidentes no Anel Rodoviário têm características em comum: são próximos de viadutos e curvas ou se localizam em meio a descidas e subidas. O ponto mais crítico é o Km 465, próximo ao Trevo do Califórnia, com 683 acidentes em 2024 – média de um a cada 10 horas. O acúmulo de registros no trecho impressiona, pois é quase seis vezes maior do que o segundo colocado, o Km 457, a curva logo após o Viaduto São Francisco, com 119 acidentes.

A sequência segue com o Km 451, próximo ao Trevo da BR-262 (115 acidentes), com o Km 463, que é a curva do Aeroporto Carlos Prates (89 acidentes), e com o Km 462, que é a reta após o Viaduto da Avenida Pedro II (78 acidentes). Em meio aos 3.594 acidentes no Anel Rodoviário de janeiro a outubro, foram 822 vítimas – entre elas, 33 morreram e 69 se feriram gravemente.

 

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O engenheiro civil e consultor de transportes Silvestre de Andrade explica que essa confluência de aclives, declives e curvas é palco para a promoção de acidentes ao longo da via. A isso, soma-se os afunilamentos provocados pelos viadutos. “O Anel foi dimensionado inicialmente para duas faixas por sentido. Hoje, ele tem três faixas em alguns lugares. Nas obras de arte, a pista estreita e volta a ser duas, porque elas não foram alargadas”, detalha.


FALHA MECÂNICA

Segundo o motorista do ônibus que provocou o acidente na última sexta-feira, o veículo perdeu os freios logo após subir um aclive e, até então, não havia apresentado qualquer problema mecânico durante a viagem. O ônibus partiu pela manhã de Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, e seguia para Pirapora, no Norte do estado – cidades distantes cerca de 350 quilômetros. O condutor pontuou que, até chegar em Belo Horizonte, havia enfrentado subidas e descidas pela BR-040 sem qualquer indício de problemas no sistema de frenagem.

A resposta para o que pode ter provocado a falha nos freios deve surgir na investigação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), que abriu um inquérito policial para apurar as circunstâncias e causas do acidente – logo após o ocorrido, peritos estiveram no local para colher vestígios e levantar informações. Segundo a corporação, a investigação está a cargo da Divisão Especializada em Prevenção e Investigação de Crimes de Trânsito (Deictran).

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que os freios de um veículo pesado, como ônibus e caminhões, não “acabam” repentinamente ou por acaso, e que tal situação só pode ser consequência de algum outro problema, como falta de manutenção ou má condução dos sistemas de frenagem. A especialista em freios da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade do Brasil (SAE Brasil) Silvia Iombriller é enfática ao dizer que os veículos pesados possuem uma redundância no sistema de freios que faz com que a frase “perdeu o freio” não seja verdadeira.

Além do freio convencional acionado pelo pedal, ônibus e caminhões contam com freio motor e freio de estacionamento – ambos os sistemas atuam de forma independente, justamente para suprir a falha de algum dos sistemas. Silvia explica que os casos de veículos com travamento de freio devido ao baixo atrito, pelas pistas estarem encharcadas ou com óleo derramado, tem se tornado cada vez mais raros devido à obrigatoriedade do sistema ABS desde 2013 no Brasil. “Este sistema garante a dirigibilidade do veículo para uma frenagem segura, mesmo em baixo atrito”, completa.

Ainda segundo a especialista, o bom funcionamento dos sistemas de frenagem passa por revisões frequentes nos sistemas de segurança do veículo e, também, pelo uso de pneus em boas condições, o que garante atrito junto ao solo. “Acima de tudo, vale destacar um dos mais importante fatores na prevenção de acidentes que é a responsabilidade do motorista em conhecer o veículo, as condições da rodovia e suas próprias condições para uma viagem segura”, destaca.


ALTERNATIVA

Silvia Iombriller destaca que, em uma situação de falha de algum dos sistemas de freio, caminhões e ônibus precisam de um espaço maior para realizarem a parada pelos sistemas auxiliares, pois carregam muito mais peso do que os carros. Uma das iniciativas para auxiliar neste momento é a construção de áreas de escape, uma alternativa para que condutores de veículos pesados possam parar o veículo mesmo que todos os sistemas de freio falhem. A área de escape na descida do Betânia, na Região Oeste de Belo Horizonte, cerca de quatro quilômetros antes do local do acidente com o ônibus, foi a última obra feita no Anel Rodoviário – entregue em agosto de 2022 e que, em um ano de funcionamento, evitou 22 potenciais acidentes.

O especialista em segurança viária e diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra, defende que a construção de estruturas viárias como áreas de escape e readequação de viadutos são importantes para aumentar a segurança no Anel Rodoviário, mas não serão suficientes para solucionar os acidentes na via.

Para tal objetivo, é necessário que sejam solucionados problemas crônicos do trânsito brasileiro, como condutores de veículos pesados que cumprem jornadas exaustivas em meio a caminhões e ônibus com más manutenções. “Essas obras vão continuar sendo ineficiente se não avançarmos na fiscalização das condições dos veículos que estão trafegando, na instalação nos postos de pesagem para identificar inconformidades com cargas excedentes e na fiscalização das jornadas de trabalho”, detalha Alysson.