A Justiça Federal de Minas Gerais decidiu que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está autorizada a retornar a fiscalização e apreensão de veículos irregulares da plataforma de fretamento coletivo de ônibus Buser. A empresa afirma que recorrerá da decisão, que foi tomada pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região.
Os desembargadores do tribunal analisaram um mandado de segurança da ANTT, que solicitava reforma da decisão que proibiu a fiscalização dos técnicos da agência do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG).
Foram três votos a favor – dos desembargadores federais Simone Lemos, Prado de Vasconcelos e Alvaro Ricardo de Souza Cruz – e dois contra a proibição – dos desembargadores federais Lincoln Faria (relator do processo) e Monica Sifuentes.
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Durante o julgamento, a desembargadora federal Simone Lemos, que obteve o voto vencedor, defendeu que o serviço da Buser se enquadra na clandestinidade. Segundo ela, a atividade da empresa é desleal com as empresas concessionárias regulares, aquelas que cumprem as normas estabelecidas pela ANTT.
Em voto, ela afirmou que o transporte clandestino, mesmo com intermediações de plataformas digitais, continua clandestino e deve ser tratado como tal.
Já o relator desembargador federal Lincoln Rodrigues de Faria, que votou contra, argumentou que as autuações e apreensões de veículos efetuadas pelas autoridades impetradas afetam diretamente o exercício da atividade econômica da empresa, uma vez que as viagens por ela intermediadas são interrompidas, o que causa prejuízos aos passageiros, conforme relatório.
O processo considerou que o fretamento em “circuito aberto”, como praticado pela Buser e suas parceiras na disponibilização de passagens únicas de ida ou volta, sem a necessidade de uma mesma turma viajar junto em ambos os trajetos, se caracteriza como utilização ilegítima de trechos cobertos por operadores regulares.
ANTT não considera Buser regular
Em nota, a ANTT esclareceu que a plataforma digital da Buser não tem a regulamentação necessária do órgão para a prestação desse tipo de serviço. Conforme a agência, a empresa “funciona apenas como aplicativo que vende bilhetes e não presta o serviço de transporte interestadual de passageiros”.
As empresas autorizadas devem seguir regras específicas, como o pagamento de impostos e manutenção da regularidade, além de oferecer benefícios e gratuidades para pessoas idosas, pessoas com deficiência, jovens de baixa renda, dentre outros, segundo a ANTT. O órgão define que a regularidade de circuitos abertos também se deve à partida dos usuários de terminais rodoviários, com a manutenção de circuitos fechados.
O órgão ainda esclareceu que a fiscalização pode levar à aplicação de multa e, em alguns casos, à apreensão dos veículos. “Na maioria dos casos, as empresas têm autorização para realizar fretamentos turísticos e ocasionais, conhecidos como ‘circuito fechado’, destinados a grupos específicos de passageiros que viajam juntos na ida e na volta. A irregularidade ocorre quando essas empresas vendem passagens apenas de ida ou de volta, o que não se enquadra como fretamento”, afirmou a nota.
Dessa forma, cabe à ANTT a fiscalização e a implicação da aplicação de multas à Buser.
Buser afirma que continuará atuando
Nas plataformas da Buser, há a venda de passagens de viagens intermunicipais. Em nota, a assessoria da empresa esclareceu que a decisão não implica na proibição da operação da plataforma.
A empresa também afirmou que recorrerá da decisão aos Tribunais Superiores, uma vez que tem convicção da legalidade do fretamento coletivo “e de seus benefícios à comunidade, conforme demonstrado e ratificado por diversas decisões no país”.
A empresa explica ainda que a decisão não proíbe a operação da plataforma, mas “somente permite à ANTT fiscalizar viagens de fretamento a partir de Minas Gerais aplicando uma norma que já foi reconhecida por diversos Tribunais (estaduais e federais) como ilegal”. A prática é a de “circuito fechado”, regra que obriga viagens de fretamento a transportar sempre os mesmos passageiros na ida e na volta.
“A decisão representa um entendimento contrário à jurisprudência que vem sendo construída na maior parte dos estados a favor do modelo de fretamento colaborativo – pelo qual a plataforma da Buser une viajantes a empresas fretadoras e de turismo -, entendendo que se trata de um modelo moderno, que aponta para o futuro e que é complementar ao sistema das empresas que atuam com linhas fixas”, completou a nota.
Ao Estado de Minas, a empresa afirmou que a ANTT não poderia realizar a apreensão dos veículos com o Termo de Autorização do Fretamento (TAF). Segundo a Buser, isso garantiria a atuação de todos os veículos dos parceiros, uma vez que há registros de 100% dos veículos com o selo. Ainda segundo a empresa, a decisão garante a fiscalização abusiva.
Argumentação dos apelantes
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Minas Gerais (SINDPAS), um dos apelantes no julgamento, afirmou que não há abuso de poder por parte dos agentes fiscalizadores e que "há uma diferença gritante entre o que a Buser alega fazer e o que de fato faz". Segundo o órgão, a empresa não faz a formação de grupo no circuito fechado, uma vez que os integrantes não se conhecem e adquirem individualmente as passagens, sem motivação comum.
O SINDPAS também argumentou que "a diferença para o transporte sob concessão é que a Buser não está obrigada a manter a regularidade do serviço com segurança de dia e horário".
Já a ANTT argumentou, durante a sessão, que "é descabida a alegação de que a Buser é uma empresa tecnológica que realiza mera intermediação entre pessoas que querem fazer a mesma viagem, através de plataforma digital". Segundo a Agência, o fretamento necessariamente é um serviço prestado a um grupo fechado de pessoas previamente identificadas, com interesse comum em relação à viagem, e que retornariam juntas à origem.
Ela ainda afirmou que o usuário é induzido a acreditar que a Buser é prestadora de serviço com a identificação visual dos veículos, o que contraria a resolução nº 4.777/2015 da ANTT.
"Não se trata de inviabilizar serviços desenvolvidos em plataformas digitais, mas, sim, de coibir o transporte irregular de passageiros; que o modelo de operação executado pela Buser importa concorrência desleal em desfavor dos concessionários que operam regularmente no mercado", afirmou.