Trilha acessada pelo EM para chegar ao pico, com o bairro ao pé -  (crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)

Trilha acessada pelo EM para chegar ao pico, com o bairro ao pé

crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press

O registro feito em 2017 pelo setor de Geoprocessamento da Empresa de Informática e Informação de Belo Horizonte (Prodabel) passou quase despercebido. Assim como as nuvens e a neblina têm feito nesta estação chuvosa, o lugar mais alto de Belo Horizonte passou anos encoberto, sem muito alarde, turismo ou divulgação. A reportagem do Estado de Minas foi até esse marco de BH para mostrar como é o cume do município, suas paisagens e mistérios, que envolvem até sítios arqueológicos. Não se trata do Pico Belo Horizonte, no topo da Serra do Curral, com 1.390 metros de altitude e que aparece até na bandeira da cidade. Nem é uma crista da Serra do Cachimbo, onde está a sucessão mais alta de montanhas, que chegam a 1.433 metros. A maior elevação da capital mineira fica na Serra do Rola-Moça e chega a 1.507,4 metros.

 

 

Destaque na Serra do Curral e visível de boa parte da área urbana de BH, inclusive da Avenida Afonso Pena, o Pico Belo Horizonte é 117 metros mais baixo que a montanha mais alta de BH. Ou seja, a diferença entre eles é aproximadamente a de um Edifício Acaiaca, construção histórica do Centro da capital, que tem 120 metros de altura e 30 andares.

 


O cume não tem nome. Mas aqui e ali, aparecem sugestões e brincadeiras. Como a ideia de que, se já existe um Pico Belo Horizonte, este poderia ser o "Pico Capital", uma vez que a palavra também significa “de relevo”, “fundamental” . Contudo, o local é tão afastado de qualquer circuito que não tem sequer uma trilha direta ou indicativos para o topo da montanha, ela própria um dos limites entre Belo Horizonte e Nova Lima, na altura do Bairro Jardim Canadá.

 

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Para chegar até lá, a reportagem precisou conectar trilhas de outros destinos e depois entrar em terreno virgem, confiando na navegação por instrumentos. Tudo começa atrás dos quintais de casas do Bairro Jardim Canadá, um pé de morro onde moradores descartam seu lixo ou incineram resíduos domésticos, abaixo de uma linha de eucaliptos. Os sons do tráfego pesado ali ainda se misturam com os gritos de crianças brincando ou adolescentes jogando futebol em um campo de terra.

 

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À medida que se sobe, os caminhos passam ladeando pequenos cursos d' água do tamanho de valas, que depois se tornam as próprias trilhas alagadas. Já acima da linha dos eucaliptos, a fonte dessa água que verte é um laguinho acomodado sob a base de postes de concreto de distribuição de eletricidade. Um pequeno afluente do Córrego dos Fechos e que flui para a vertente de Nova Lima, em seu rumo para se juntar ao Rio das Velhas. A água é cristalina e o fundo está a menos de um palmo. No leito barrento e vegetado, uma esquadra de girinos pretos nada em formação rente ao fundo, afastando-se das sombras humanas projetadas em seu hábitat.


A chuva ameaça cair. Nuvens escuras se avolumam no alto da montanha, onde há uma mistura de matas mais fechadas e trecho de cerrado de poucas árvores e mato verde. Desse ponto em diante, a trilha tomada é a que sobe destinada às passagens pela crista do vale do Córrego do Barreiro, afluente formador do Ribeirão Arrudas, e as encostas da Serra do Cachimbo, entre esse vale e a rodovia BR-040.

 

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Àquela altura, a chuva e o vento derrubam a temperatura. Uma neblina vasta reduz a visão e encobre referências visuais, como a linha da montanha acima e a sede do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça nas costas de quem avança morro acima. A trilha um pouco mais larga precisa então ser deixada para que um novo caminho, uma picada que avança em vegetação mais baixa com visíveis contornos no chão.


RUÍNAS DOS ESPALDÕES

Ao longe, uma marco de desenho quadrilátero destoa das formas naturais. Uma velha estrada quase desaparecendo leva a uma placa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) alertando sobre a proteção de um sítio de ruínas que se chama Espaldões de Capão Xavier. Mas, na paisagem sob chuva, neblina e mato alto, não se avista nenhum sinal de ruínas, apenas um pé de bota de trekking abandonado, sugerindo que outros aventureiros menos afortunados já estiveram explorando o local.


De acordo com o Iphan, as ruínas históricas foram cadastradas em maio de 2013, a partir do Relatório de Diagnóstico e Prospecção Arqueológica nas Áreas de Abrangência da Ampliação da Mina Capão Xavier e protegidas pela Constituição Federal de 1988. "Os Espaldões são estruturas que servem como proteção ou anteparo na arquitetura militar durante a realização de exercícios de tiro ou guerra. No caso do sítio, foram feitos por empilhamento de blocos soltos de canga – rochas de minério de ferro – a um metro de altura. A distribuição é semicircular, com abertura para a parte mais alta da vertente e indicando, por esse desenho, que os tiros eram disparados em direção à vertente oposta do mesmo vale de encostas relativamente íngremes, em direção a sul e sudoeste", detalha o Iphan.


MATAGAIS FECHADOS

Desse ponto em diante não há mais trilhas. A reportagem sobe a face sudoeste da elevação em meio às formações de matagais fechados com ligeiros espaçamentos, procurando passagens onde pedras escuras manchadas de branco vencem a vegetação de campos ferruginosos. Permitem um caminhar pouco mais firme, ainda assim atrasado pelos ramos mais resistentes, arbustos insistentes, espinhos inconvenientes e touceiras escondendo solo instável para passos reticentes.


A neblina e a chuva se intensificam, prejudicando ainda mais a navegação visual e a identificação de marcos e paisagens naturais. A utilização de bússola e de GPS é a única forma de encontrar o pico. E a chegada ocorre quando o GPS marca 1.510 metros de altitude, um pequeno erro, uma vez que a elevação tem 1.507,4 metros, segundo o Geoprocessamento da Prodabel. Diferentemente do agudo Pico Belo Horizonte ou das estreitas cristas da Serra do Cachimbo, o ponto mais alto de Belo Horizonte se abre em planalto, como uma mesa rochosa ampla. Um platô cortado por com uma cerca antiga de madeira e arame farpado enferrujado, falha na maioria dos segmentos e aos poucos engolida pela neblina.


CACTO RARO

Algumas estruturas mostram que já houve atividades no ponto mais elevado da capital. Uma pedra cunhada no meio das rochas e arbustos. Estruturas de tijolos desabadas sobre a rocha plaina. Uma pipa rasgada que se desgarrou e se entrelaçou nos arbustos. Um cacto raro ameaçado de extinção no quadrilátero ferrífero (Arthrocereus glaziovii) também prolifera na cumeeira, mostrando uma importância grande em diversidade de flora, tal que até impediu as visitações na Serra do Curral por sua mera presença.


Um marco de cimento que pode ser a marcação geodésica do cume também desponta das rochas escuras, mas não dispõe mais de qualquer informação que comprove ser a indicação do exato ponto mais alto de BH. Sem os pássaros afugentados pela tempestade, os únicos animais encontrados foram piolhos-de-cobra enrolados ou esticados perto das poças d' água formadas sobre as rochas. 

 

Cumes entre

cavas e minas

 

Retornar ao pé da montanha sob o clima adverso traz tantos desafios quanto os reservados à subida ao ponto mais alto de Belo Horizonte, que fica na Serra do Rola-Moça. Nenhuma referência ao longe e a possibilidade de se aproximar de despenhadeiros, como o Vale do Córrego do Barreiro, são situações que exigem cuidados além da checagem dos instrumentos de navegação.


As dificuldades mostram que, para que mais gente possa conhecer o pico ainda sem nome registrado pelo Geoprocessamento da Empresa de Informática e Informação de Belo Horizonte (Prodabel) em 2017 é preciso que haja mais estrutura e que o clima esteja ameno durante a aventura. Contudo, o gerente do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, Henri Collet, afirma que a montanha está fora dos limites da unidade de conservação, já em uma área de reserva legal de mineração que, de acordo com o plano de manejo, quando se exaurir, integrará o parque.


"Atualmente, essa área é uma faixa que isola o Bairro Jardim Canadá do parque, mas ainda assim essa proximidade traz conflitos. Em alguns trechos, motociclistas arrebentaram a cerca, tem criadores de cavalos que invadem por ali para levar seus animais para pastar na área de preservação. A maior parte do cume é campo rupestre, mas tem mata atlântica também e cerrado. É uma transição, sendo os campos ferruginosos aquelas pedras duras que abrigam orquídeas e bromélias, que têm as terras vermelhas", descreve.


Quando soube da montanha mais alta de BH, o gerente pensou em providenciar uma estrutura para a visitação. "Como foi comprovado que estava fora da unidade, desistimos. Se for muito divulgado, daqui a pouco, em vez de um motociclista teremos dez. Guias trazendo multidões. Tudo isso em locais inadequados. O que temos, protegemos, como a vegetação e a água para BH. Em termos de uso do parque, temos 5 mil a 6 mil ciclistas e média de até 15 mil visitantes por mês".


Como este, alguns dos pontos culminantes da capital se encontram em áreas onde os direitos minerários já foram concedidos e, quando fora de unidades de conservação, poderiam ser engolidos por cavas e minas. Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), o pico mais alto de BH está em área de concessão de lavra minerária, ativa desde 1959, dentro de 1.136,51 hectares (ha) licenciados para extração de bauxita. De acordo com Collet, a área é parte da reserva legal de uma mineradora e será integrada ao parque futuramente. O licenciamento ambiental permite a extração mineral até 2034.


A segunda mais alta montanha de BH, com 1.433 metros, na Serra do Cachimbo, por ficar dentro do parque, não pode ser utilizada para extrativismo, ainda que em uma área de mineração com concessão de lavra ativa desde de 1961 para extração de ferro, em um complexo de 964,45ha.


O terceiro no ranking é o Pico BH, de 1.390m, e que está em área "em disponibilidade", mas ainda ligada a um titular desde 1958 para mineração de ferro, ocupando 0,49ha. O lado belo-horizontino do pico é tombado municipalmente e muitas pessoas visitam o cume ou passam por ele para fazer a trilha da capital mineira a Nova Lima.


Com 1.381 metros de altitude, a quarta montanha mais alta de BH é uma das cristas do Parque da Serra do Curral, em área preservada e tombada, vizinha a uma concessão de lavra de minério de ferro ativa desde 1967. A travessia está impedida desde 2016, mas deve ser aberta este mês.


A quinta posição é de uma elevação de 1.284m no Belvedere, entre a BR-040, a antiga ferrovia e os bairros Vila Castela e Vila da Serra, em Nova Lima. O pico fica ao lado de área que tem requerimento de pesquisa minerária desde 2007. O sexto também está margeando a BR-040, mas no sentido oposto, no Bairro Califórnia, Noroeste de BH, entre a Arena MRV e a Central de Tratamento de Resíduos Sólidos. O monte tem 989m.


O sétimo, de 977m, foi tomado por residências, comércios e uma igreja, no Bairro Engenho Nogueira, na Pampulha, mais especificamente na parte mais alta da Rua Engenho do Sol. No Parque Estadual Serra Verde está o oitavo ponto mais alto de BH, um monte de 944,5m de altitude, próximo da Avenida Oceano Atlântico, no Bairro Nova York, na Região Norte de BH. O nono fica na Rua Itapagipe, no Concórdia, Região Noroeste, perto da Igreja Batista Memorial de Belo Horizonte. Fechando os 10 pontos culminantes, com 902m, está o Mirante do Baroneza, no Bairro Monte Azul, na Regional Norte da cidade, no limite com Santa Luzia.