No dia do aniversário de Congonhas, a chamada Cidade dos Profetas, na Região Central do estado, recebe um presente que, na verdade, é um tesouro para Minas, o país e a humanidade. Após 14 meses de obra, foi concluída a restauração das seis capelas nas quais se encontram as 64 esculturas em cedro, em tamanho natural, de autoria de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). O acervo considerado obra-prima, junto aos 12 profetas em pedra-sabão, também de Aleijadinho, grande destaque no adro do Santuário Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, foi reconhecido, em 1985, como Patrimônio Mundial pela Unesco (agência das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
“Terminamos o serviço de conservação e restauro, e acabaram as infiltrações. Graças ao Bom Jesus, como se diz aqui em Congonhas”, diz o diretor Municipal de Patrimônio, Hugo Cordeiro, ressaltando que, além do aniversário da emancipação política de Congonhas, os moradores e demais brasileiros reverenciam, em 2024, a memória de Aleijadinho, patrono das artes no país, pelos 210 anos de seu falecimento.
O trabalho foi executado nos seis Passos ou capelas concebidas para retratar a Paixão de Cristo: Santa Ceia, Horto das Oliveiras, Prisão, Flagelação e coroação de espinhos, Cruz às costas e Crucificação. Todo o serviço teve acompanhamento de especialistas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pois os bens são tombados pela União e integram o complexo arquitetônico e artístico sob chancela da Unesco.
TÉCNICAS DE ÉPOCA PARA UMA OBRA-PRIMA
As intervenções nos Passos da Paixão de Cristo – a última ocorreu na Capela da Crucificação – conduzidas pela Prefeitura de Congonhas ao custo de R$ 370 mil começaram em outubro de 2023, com uso de material (cal, argamassa de cal e areia) e técnicas da época da construção, contemplando a recomposição de rebocos e algumas partes degradadas, tratamento das cúpulas, limpeza das cantarias e pintura das esquadrias de madeira. As portas e janelas também foram restauradas.
Entre outubro de 2023 e agosto deste ano, num trabalho de conservação, as esculturas em cedro passaram pelo processo de desinfestação denominado anóxia ou anoxia, para matar cupins e evitar a proliferação dos insetos, caso presentes na madeira. O serviço esteve a cargo do Grupo Oficina de Restauro, tendo à frente o restaurador Adriano Ramos.
Conforme explicou Adriano, a técnica consiste em colocar as imagens dentro da bolha de plástico especial – cada uma tem 3 metros de comprimento, 2m de largura e 1m de altura –, fechada com barreiras e válvulas. Quando tudo está bem acondicionado e vedado, a equipe técnica injeta nitrogênio para ser retirado todo o oxigênio existente no interior da bolha. O trabalho de desinfestação foi realizado graças a recurso de um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público Federal.
Hugo Cordeiro explica que, em janeiro, a equipe do Grupo Oficina de Restauro retornará aos Passos. O objetivo é concluir parte do contrato referente a restaurações pontuais de algumas das imagens que estavam mais danificadas por cupins ou desgaste de exposição. “Tivemos que fazer um aditivo, porque o previsto em planilha era bem inferior ao que os técnicos da empresa e do Iphan constataram durante a execução da anóxia, mas sem precisar tirar imagens ou impossibilitar a visita.”
O diretor Municipal de Patrimônio ressalta que a última restauração semelhante das capelas ocorreu em 2004, pelo Programa Monumenta. “Desde então, a basílica vinha realizando pequenas manutenções na pintura, embora houvesse bastante desgaste, com o crescimento até mesmo de uma gameleira, responsável pela infiltração da Santa Ceia.”
TRABALHO FEITO COM ESMERO E TECNOLOGIA
Ao longo dos últimos anos, o Estado de Minas vem documentando a situação das Capelas dos Passos da Paixão de Cristo, em Congonhas. Em 8 de março de 2022, durante a pandemia, foi colocada uma cobertura, em forma de tenda, sobre a Capela da Santa Ceia, como ação emergencial obrigatória contra as infiltrações, em janeiro daquele ano, que atingiram o bem cultural, histórico e espiritual.
Na etapa seguinte, ainda às vésperas da quaresma, que sempre atrai grande número de visitantes à cidade, a Prefeitura de Congonhas criou estrutura metálica semelhante para proteger a Capela da Crucificação e Flagelação das águas fortes chuvas, especialmente em 8 de janeiro de 2022, quando houve grande enchente em Congonhas.
A partir de outubro do ano passado, a equipe do Grupo Oficina de Restauro, de BH cumpriu o cronograma do trabalho de conservação das 64 esculturas em cedro. Em 11 de junho, foi retirado da parede da Capela do Horto das Oliveiras o Anjo da Amargura com o cálice. Diferentemente das demais peças, essa foi tratada na própria capela devido a suas dimensões. Parte do conjunto – Cristo suando sangue e os apóstolos Pedro, Tiago e João, passou pelo processo de desinfestação em outro local, no município.
MARCO DA CIDADE
Os moradores da Cidade dos Profetas celebram, hoje, os 86 anos da emancipação política de Congonhas – o decreto-lei estadual nº 148, de 17 de dezembro de 1938, criou o município de Congonhas do Campo. Uma década depois, em 27 de dezembro de 1948, a lei nº 336 simplificou a denominação, reduzindo para Congonhas. Voltando no tempo, há mais informações sobre o início do povoamento, em 1691, do Arraial de Congonhas do Campo, e seu desenvolvimento. Em 1746, Congonhas se tornou distrito de Vila Rica (atual Ouro Preto). E bem mais tarde, em 1923, o distrito foi transferido para o de Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), até se emancipar em 1938.
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PASSOS DA PAIXÃO DE CRISTO
Detalhes das seis capelas de Congonhas que retratam a via-crúcis e trazem, na fachada,
citações bíblicas:
1) Santa Ceia
Construída entre 1799 e 1808, é a maior das capelas, com 10 metros de altura e área de 6mx6m. Traz os 12 apóstolos, Cristo e dois servos esculpidos por Aleijadinho, que teria também sido o responsável pelo desenho do prédio. Segundo pesquisas, foi a única que Aleijadinho viu concluída. As pinturas das paredes são de Manuel da Costa Ataíde, o Mestre Ataíde (1762-1830). A citação em latim sobre a porta é de São Mateus: “Enquanto ceavam, Ele tomou o pão e disse: ‘Eis o meu corpo’”.
2) Horto das Oliveiras
Cristo suando sangue, o anjo da amargura com o cálice e os apóstolos Pedro, Tiago e João são as imagens que compõem o cenário criado pelo Mestre Ataíde. Foi construída entre 1813 e 1818. A citação é de São Lucas: “Tendo caído em agonia, orava com mais insistência”.
3) Prisão
O cenário pintado por Ataíde recria o Monte das Oliveiras, com colunas e decoração, arcos e vegetação para valorizar o conjunto de peças – Cristo, Judas, São Pedro e soldados. A citação é de São Marcos: “Como se fosse um ladrão, com espadas e varapaus, vieste prender-Me?”.
4) Flagelação e Coroação de Espinhos
Da construção das primeiras capelas às três seguintes passaram-se quase cinco décadas, sendo a obra feita de 1864 a 1875. Esse Passo, um dos mais visitados pelos turistas, mostra duas cenas separadas por uma barra. Do lado esquerdo, está Cristo atado a uma coluna, enquanto um soldado o esbofeteia; do direito, a imagem também conhecida como Senhor da Pedra Fria ou Cristo da Cana Verde. A citação é de São João: “Eis o homem”. A policromia das imagens da capela, da Cruz às Costas e da Crucificação é de autoria de Francisco Xavier Carneiro, contemporâneo de Mestre Ataíde.
5) Cruz às Costas
Construída entre 1864 e 1875. As imagens esculpidas por Aleijadinho mostram Cristo ao lado de duas mulheres, de guardas romanos, do mascote da guarda e de um arauto que anuncia o cortejo pelas ruas de Jerusalém. As pinturas nas paredes são de autor desconhecido. A citação é de São João: “Tomando sobre si a cruz”.
6) Crucificação
As peças mostram Maria Madalena ao pé da cruz, soldados disputando as vestes de Cristo, o centurião romano São Longuinho, o bom ladrão, Dimas, e o mau ladrão, Gestas. A citação é de São João: “Num lugar chamado Gólgota, O crucificaram. Com Ele, outros dois, um de cada lado”.
Fonte: Luciomar Sebastião de Jesus, escultor e pesquisador de Congonhas