A Penitenciária Nelson Hungria (PNH), maior presídio de Minas Gerais, está parcialmente interditada. O presídio, um dos maiores do estado, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, chegou a esse ponto por decisão tomada pelo juiz Wagner de Oliveira Cavalieri, da Vara de Execuções Criminais, que se baseou em dois fatos: superlotação e falta de servidores.
O juiz anunciou sua decisão na terça-feira (17/12). Baseado nela, o seguinte deve acontecer: a penitenciária não pode receber novos detentos sempre que atingir a lotação de 2.200 presos; a interdição parcial poderá ser revista se o estado apresentar proposta de solução para o problema; e a interdição será reavaliada no prazo de três meses, independentemente de manifestação das partes.
Hoje são 2.700 presos cumprindo penas.
A decisão judicial é baseada, em primeiro lugar, pela exoneração de 142 agentes penitenciários no início de 2025. Esse total representa uma redução de 23,75% no quadro de servidores, que hoje são 598.
Sobre a superlotação, o juiz deixa claro que a capacidade atual é de 61,3% da capacidade do presídio.
O juiz dá um prazo à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), e à diretoria do presídio se manifestassem e apresentarem um plano para resolver o primeiro problema, que é a falta de agentes.
A direção da Penitenciária Nélson Hungria foi a primeira a se pronunciar. Ela informou que não existe condições para seguir funcionando na situação atual.
O juiz também salienta que a superlotação da Nelson Hungria traz prejuízo em vários setores, em especial no que diz respeito à segurança e disciplina, atendimento interno, atendimento dos advogados, escoltas para diversos fóruns, atendimento de visitantes, entre outros.
O juiz esteve na Penitenciária e, durante a visita, observou várias irregularidades no tratamento dos presos, como a não concessão ao direito de banho de sol. Os presos não têm esse benefício diariamente, o que é previsto por lei. Esse seria, segundo ele, um dos motivos de insatisfação.
Outro problema detectado pelo juiz Cavalieri foi de que o corpo médico é insuficiente para atender às necessidades de 2.700 presos, o total de presos cumprindo pena.
“A conclusão a que se chega diante da previsibilidade de tantos problemas que serão agravados com as exonerações, bem como diante da ausência de perspectiva de designação oportuna de novos servidores, é a de que a unidade precisará diminuir o quantitativo de presos. Assim irá diminuir os riscos e tentará manter o respeito aos direitos básicos da massa carcerária, assim como diminuir os impactos sobre as condições de trabalho dos servidores remanescentes”, diz o juiz.
O Estado é criticado pelo magistrado. Segundo ele, a falta de planejamento é evidente, principalmente no momento em que enfrenta exonerações. Ele cita a falta de respostas do Sejusp e do Depen. “Não existe ou existiu, em momento algum, uma preparação para a situação atual”. Para ele, a situação era previsível.
Nota oficial
A Sejusp também se manifestou por nota oficial:
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) foi notificada, na tarde desta terça-feira, 17, sobre a decisão judicial referente à interdição parcial do Complexo Penitenciário Nelson Hungria em Contagem.
O Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) cumprirá a determinação imediatamente, não recebendo ou transferindo novos custodiados para o local.
É importante ressaltar que os servidores que deixam de atuar no complexo penitenciário, a partir de janeiro, terão contratos temporários de trabalho extintos, em razão do término do vínculo. A modalidade de contratação deixa de existir – e não as vagas previstas para a segurança e custódia de presos na unidade.
Vale destacar, ainda, que o Departamento Penitenciário acaba de realizar um dos maiores concursos de sua história, ampliando a força de trabalho da Polícia Penal em mais de 3.500 homens e mulheres.
O plano de contingenciamento para a resolução imediata da reposição de mão de obra na Nelson Hungria já está definido e ajustado. Por questões de segurança, mais detalhes não podem ser informados.
Repetição dos fatos
A superlotação de cadeias é algo que remonta dos anos 1980. Na época, existiam poucos presídios em Minas Gerais: Penitenciária Agrícola de Neves (PAN), Presídio Dutra Ladeira, ambos em Ribeirão das Neves; Penitenciária de Santa Terezinha, em Juiz de Fora; e a Penitenciária de Uberaba. Elas eram as maiores. A Nelson Hungria não existia. O primeiro presídio de Segurança Máxima de Minas Gerais foi inaugurado em 1995.
E com a falta de presídio, de vagas para presos condenados, na maioria das vezes, eles permaneciam presos em celas de delegacias. A superlotação era evidente. Numa cela da Delegacia de Furtos e Roubos (DFR), no Bairro Floresta, por exemplo, uma cela que tinha sido projetada para abrigar oito presos, chegava a ter 24.
No Departamento de Investigações da Lagoinha, a situação era a mesma, sendo que uma das celas chegou a ter 28 presos.
“Ciranda da Morte”
E a superlotação revoltava os presos, que se rebelaram e criaram uma situação para chamar a atenção: a execução de outros presos. Em 1985, em curto espaço de tempo, cerca de cinco meses, ocorreram 33 homicídios em cadeias, um episódio que foi batizado como “Ciranda da Morte”.
Nela, detentos de unidades superlotadas faziam um sorteio para decidir quem seria executado, como forma de diminuir a superlotação e chamar a atenção da sociedade. A série resultante da cobertura, “Livrai-nos do fogo do inferno”, valeria o Prêmio Esso, Regional Centro-Oeste, ao ESTADO DE MINAS.
A Furtos e Roubos e a Lagoinha ganharam apelidos. A primeira, “Inferno da Floresta”. A segunda, “Inferno da Lagoinha”. O episódio, “Ciranda da morte” se espalhou pela rede carcerária, resvalando no interior, mais precisamente em Juiz de Fora, no Presídio de Santa Terezinha. A superlotação carcerária e o descaso do poder público para com os problemas criminais foram as principais causas das tragédias, reportadas pelo ESTADO DE MINAS.
Em apenas três meses, nada menos que 15 mortes, sem falar no grande número de outras evitadas. O grande problema no sistema carcerário de Minas Gerais era o baixo número de penitenciárias. Na Grande BH, onde se concentrava a grande maioria de crimes, eram duas, a José Maria Alkmin e a Antônio Dutra Ladeira. E algumas poucas no interior, como o Presídio de Santa Terezinha, em Juiz de Fora.
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Por consequência, as cadeias de delegacias ficavam superlotadas, pois não havia lugar para mandar os presos condenados, já que os presídios também estavam cheios. Como se não bastasse, uma rebelião em Neves, no início de 1985, fez com que os presos apontados como líderes, cerca de 50, fossem transferidos para o DI e a Furtos e Roubos, transformando os locais em depósitos de presos, que, por sua vez, ficaram conhecidos como bomba-relógio.
Sempre que tomavam conhecimento de algum movimento em outras delegacias ou penitenciárias, os presos do DI e da Furtos e Roubos se rebelavam. Ao saberem de uma primeira morte em Juiz de Fora, os encarcerados passaram a reivindicar o direito de transferência, porém, sem sucesso, já que não havia para onde ir (a superlotação era comum a todas as unidades).
Bilhetes de ameaças de mortes começaram a ser encontrados nas alas onde ficavam as celas na Lagoinha e na Floresta. Neles, os presos anunciavam que haveria uma morte por dia e que a escolha da vítima seria por um jogo de palitinhos. Quem tirasse o menor estaria marcado para morrer. Foi assim que o então detento Deusdedith Marques Marx Rodrigues escapara da morte. “Restaram dois palitinhos e eu era o penúltimo. Tirei o meu e não era o menor. O Edson Rodrigues Silva, que ficara por último, morreu”, contou.
Anjo da morte
Os presos passaram a conviver com o terror. Um homem que nem deveria estar preso, pois tinha sido detido depois de uma briga na zona boêmia de BH, Severino Ferreira Lima, virou o terror da cadeia.
De pacato cidadão se transformaria no principal executor, o que lhe rendera o apelido de “Anjo da Morte”. Assim, ele ganhou o respeito da comunidade carcerária, passando a ser temido por todos. Mais tarde, porém, é diagnosticado como sendo esquizofrênico e acaba transferido para o Manicômio de Barbacena. Severino era o executor, pois aquele que tirasse o menor palitinho morreria pelas mãos de Severino.
Detalhes noticiados na época deixaram claro o descaso do poder público para com o sistema penitenciário. Em Juiz de Fora, por exemplo, das cinco mortes registradas, quatro foram por facadas e dentro das celas. Só um preso, Gilberto Steikofp, cometeu dois homicídios em dois dias.
Steikofp matou suas vítimas a facadas. As perguntas, então, eram: “Como as facas foram parar dentro da cela? Por que o assassino teria voltado ao convívio com os demais presos?
Já em Belo Horizonte, além de as mortes ocorrerem por sorteio, os presos usavam uma arma chamada “teresa” – feita com tiras de panos, mais precisamente cobertores – para estrangular as vítimas.
A sequência de mortes chamou a atenção das autoridades. Um grupo de deputados estaduais – Jesus Trindade Barreto, Paulo Almada, José Maria Vaz Borges e Hugo Campos – visitou a Lagoinha e ficou estupefato com o quadro que encontram.
Eles prometem uma CPI, mas ela nunca saiu do papel. Já a visita dos promotores públicos Castelas Modesto Guimarães Filho, Francisco Del-Corsi Campos, Antônio Lopes Neto, Clodesmith Riani, Antônio José Leal, Darcy de Souza Filho, Armando Prates e Alencar Serrão Neves deu mais resultado. Eles passaram a exigir providências por parte do então governador Hélio Garcia. Por fim, depois de muita luta, os dois “infernos” foram fechados, pondo fim a meio século de operação (1958-2008).
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