Pelo menos oito bois foram flagrados soltos na pista do Anel Rodoviário, na altura do Bairro Engenho Nogueira, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, na noite dessa quarta-feira (18/12). Dois dos animais foram abatidos por policiais militares que atenderam a ocorrência, o que gerou revolta entre ativistas.
De acordo com a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), a guarnição foi acionada às 20h38 com a informação de que entre oito a dez bois estavam soltos na pista, mas, ao chegarem ao local, os militares encontraram apenas um.
Ainda segundo a PM, o animal estava bastante agressivo e teria derrubado um motociclista na pista, além de ter danificado uma viatura. Os policiais tentaram conter e resgatar o boi com a utilização de cordas e sirenes, mas a tática não funcionou e eles acabaram atirando contra o animal sob a alegação de que havia "risco para as pessoas".
Em seguida, os policiais foram novamente acionados para comparecer em outro trecho da via por causa de mais um animal que estava na pista. De acordo com os militares, o boi também estava agressivo e precisou ser abatido "para contenção e não causar acidentes".
Revolta
O abate do dois bois revoltou ativistas que participaram do resgate de animais envolvidos na ocorrência. Segundo Val Consolação, coordenadora da ONG Vida Animal Livre, uma equipe da organização acompanhou o caso e fez o resgate voluntário de um dos animais.
Ela conta que solicitou o apoio do veículo da cavalaria da Polícia Militar para transporte do boi, mas não obteve resposta. Por meios próprios, o animal foi levado para a escola de veterinária da Faculdade Arnaldo, onde foi avaliado e encaminhado para uma fazenda-abrigo. Ao Estado de Minas, a PMMG informou que o veículo não suportaria o peso dos bois, uma vez que os animais pesam mais do que os cavalos que normalmente são transportados.
A jornalista e ativista da causa animal Daniela Sousa também questiona a atuação da Polícia Militar. Para ela, a corporação deveria ter unidades especializadas nesse tipo de ocorrência, mas como essa estrutura não existe, o ideal é que os militares tivessem acionado uma equipe especializada para contenção do animal sem que fosse necessária a morte dos bois.
"Os animais deveriam ter sido derrubados com dardos pois provavelmente estavam desorientados e, por isso, agressivos", opina.
Até o momento, dois animais foram abatidos pela PM e um foi resgatado pela ONG Vida Anima Livre. Como as imagens mostram oito bois soltos na pista do Anel, pelo menos cinco ainda não foram encontrados. Segundo Daniela, equipes de veterinários e ONGs se deslocam para a região na manhã desta quinta-feira (19) com objetivo de localizar e resgatar os animais, já que temem que eles também sejam abatidos pela PM.
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"Por que que a equipe militar não tem um setor especializado pra utilizar dardos? Por que não existem veterinários especializados em situações como essa que poderiam ser alocados para a situação? Por que o animal precisa sempre pagar com a vida, como se fosse uma coisa?", questionou Daniela.
Ela reforçou que existe a possibilidade dos animais terem caído do veículo de carga e essa situação é que pode tê-los deixado agressivos e atordoados. "Falar que os animais atacaram é muito simplório, eles podiam estar se defendendo. Se fosse alguém atordoado no meio do trânsito, ele seria abatido por tentar atacar outra pessoa? Eu duvido muito", enfatizou a jornalista e ativista.
A advogada criminalista Chayana Rezende explicou que a Polícia Militar pode intervir em casos emergenciais, mas a responsabilidade é da Polícia Rodoviária Federal. "Ações específicas como o sacrifício extrapolam as competências da PM. Se for comprovado que os policiais sacrificaram os animais sem necessidade ou respaldo técnico, eles podem ser responsabilizados criminalmente. No entanto, se a ação dos policiais foi baseada em um risco imediato, como evitar acidentes graves, pode haver atenuantes. A questão central será comprovar se o sacrifício foi justificado, proporcional e realizado com os devidos cuidados técnicos", afirmou a advogada.
Ineficiência do Estado?
Para Daniela, a atuação da Polícia Militar não é equivalente com a Emenda Constitucional nº 96, de 2022, que reconheceu os animais como sujeitos de direito e seres sencientes.
A explicação de Chayana reforça o ponto de vista de Newton. Segundo ela, embora os animais não sejam considerados pessoas jurídicas ou naturais, eles possuem direitos próprios à integridade física, ao bem-estar e à proteção contra crueldade e maus-tratos. "Esse reconhecimento exige que o Estado e suas instituições, incluindo a Polícia Militar, adotem medidas protetivas e preventivas nesse casos, reforçando a responsabilidade do poder público em garantir que suas ações sejam compatíveis com os direitos desses animais", afirmou.
De acordo com a advogada, o Estado deve promover alternativas que minimizem o sofrimento animal por meio das instituições, como tratamentos, resgates e encaminhamentos para abrigos ou clínicas veterinárias. "Como os animais são sujeitos de direitos, qualquer ação envolvendo seu manejo deve ser devidamente registrada e justificada. O Estado pode ser, sim, responsabilizado em casos de omissão ou violação desses direitos", concluiu.
Suspeitos
Na noite dessa quarta-feira (19), a Polícia Militar encontrou um caminhão abandonado de transporte de carga viva na altura do km 564 do Anel Rodoviário, no Bairro São Francisco, sentido Vitória. A suspeita é que os animais que invadiram a pista tenham sido transportado por esse veículo, mas ainda não se sabe o que ocasionou o abandono da boiada no local.
O caminhão estava com o documento de transferência atrasado. Durante buscas realizadas pelos policiais na região, o motorista e o ajudante, de 34 e 38 anos, foram localizados. Segundo a PM, eles relataram não ter relação com os animais soltos na pista, mas foram considerados suspeitos e serão convocados para prestar esclarecimentos futuros.
Ainda de acordo com a PM, não foi possível retirar o caminhão da pista na noite dessa quarta. Segundo a polícia, o pátio do Detran não tinha um reboque disponível no momento da ocorrência.