"Não dormimos nada. Viemos de quatro irmãos, para ajudar a reconhecer o meu irmão mais rápido, tirar DNA e dar um alívio para a família. Está todo mundo esperando para o velório na Bahia. Mas não chamaram ninguém para o reconhecimento desde que chegamos, 5h (de domingo)". A voz pesada da lavradora Lucinalva Ribeiro Dias, de 55 anos, traz as marcas da tristeza e do cansaço dos parentes dos 41 mortos no desastre entre um ônibus, uma carreta e um carro, na madrugada do dia (21/12), na BR-116, em Teófilo Otoni.
No fim da manhã de domingo, os parentes que vieram de São Paulo, da Bahia e do interior de Minas Gerais reclamavam de não terem podido ainda ser levados para reconhecer os corpos. Mas muitos só poderão ser identificados após coleta de material genético dos pais, irmãos e familiares para comparativo.
A chegada dos corpos ao Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte ocorreu em um caminhão frigorífico, por volta das 4h30. Uma estrutura de atendimento aos familiares está sendo preparada na Academia da Polícia Civil (Acadepol).
Do momento em que pegaram o carro para reunir a família e viajar para BH, Lucinalva e os três irmãos já estavam acordados há 20 horas, buscando notícias do encanador Tiburtino Ribeiro Dias, de 60 anos, que morava em São Paulo, mas que estava prestes a realizar o sonho de retornar para sua cidade natal, de Anagé, no sudoeste baiano.
"Meu irmão estava construindo a casinha dele lá em Anagé. Queria ir embora de São Paulo. A gente tem muitos parentes lá (em São Paulo) trabalhando. A casa dele já estava quase pronta para ele se mudar de volta. Desta vez ele foi passar o Natal com a família de mãe, por sorte deixou a esposa e as duas filhas: uma criança e outra adolescente. Se não a tragédia ia ser pior", imagina a lavradora, que vive em Mata Verde, no Vale do Rio Jequitinhonha.
"Já ficaram todos sabendo que ele faleceu. A família está muito triste, porque imaginavam que com ele voltando iam poder ficar mais com ele. A mulher e as filhas também, estão arrasadas mesmo. E a gente quer fazer a identificação, para poder ter o velório e aliviar um pouco essa angústia toda", desabafa Lucinalva.
Por pouco, a tragédia que devastou a família do motorista do ônibus acidentado Webertom da Silva Ribeiro, de 38 anos, não ocorreu com outras pessoas. O condutor do veículo é de Caratinga, no Vale do Rio Doce, e não estava escalado para essa viagem, mas trocou sua escala de lugar com um colega que o pediu.
"Meu irmão era um pessoa muito direita e prestativa. Desta vez o colega dele, outro motorista, tinha pedido para ele ir no lugar dele para essa viagem, porque estava com um filho doente", conta o irmão do condutor, o marceneiro Bruno da Silva Ribeiro, de 27 anos. "Chegamos em BH 1h30 (de domingo) e estamos na expectativa de nos chamarem para fazer o reconhecimento. mas até agora, nada", disse.
O motorista deixou um filho adolescente e uma criança. O irmão também veio a Belo Horizonte para ajudar com amostras de DNA, junto com uma prima, um cunhado e outros parentes. "Eu também estava mais inteiro. Foi um golpe duro demais para a minha família, ninguém estava em condições. Então assumi e como sou irmão o DNA eu posso fornecer", conta o marceneiro.
Admirador da postura séria do irmão, Bruno conta que isso ajudava a família a ter mais segurança com as constantes viagens que ele fazia. "A vida inteira meu irmão viajou por aquele trecho. Conhecia tudo muito bem. Foi motorista de carreta. Trabalhou na Viação Gontijo fazendo a mesma região e estava há um mês nesta empresa (Emtram). Mas do jeito que foi, ele não teria como ter evitado o acidente", lamenta o marceneiro.
"A equipe da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) está toda mobilizada para dar uma resposta o mais rápido possível. A gente se solidariza com a dor dos familiares. A gente quer que essa identificação ocorra o mais rápido possível. Obviamente respeitando os critérios técnicos relativos aos trâmites periciais", afirma o perito criminal da PCMG, Felipe Dapieve.
De acordo com o perito, será ainda montado na Academia da Polícia Civil (Acadepol) uma estrutura para receber melhor os parentes e recebimento das documentações e coleta de material genético.
A equipe da perícia técnica da Polícia Civil atua tanto nas informações sobre as causas do acidente e a sua dinâmica, quanto na identificação das vítimas. "Primeiramente se atuou no levantamento do local do acidente, uma cena complexa. Possíveis imagens estão sendo levantadas para subsidiar a análise pericial e ocorreram também trabalhos no local", afirma o perito criminal da PCMG, Felipe Dapieve.
Com relação à identificação das vítimas, os 41 corpos deram entrada no IML, sendo que 12 já passaram pelo processo de identificação, dois estão em processo de recuperação para a famílias.
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"Já o restante dos corpos, muitos deles se encontram em avançado estado de carbonização. Então essa análise vai ser feito pela equipe de antropologia do IML. Passaremos então a fazer uma coleta do material genético e das informações, sinais particulares, exames e toda a informação documental que as famílias possuem e que vão contribuir para a identificação e dar mais celeridade", afirma Dapieve.