BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Na saída da visita no presídio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, Maria (nome fictício), de 28 anos, disse que seu marido está irreconhecível. Fumante desde a adolescência, ele cumpre pena há sete anos e, desde o dia 31 de agosto, deixou de fumar, após decisão do governo Romeu Zema (Novo), que proibiu a entrada de cigarros nos 171 presídios do estado.

 

Na cela, que o marido divide com nove detentos, todos fumavam. Ela conta que eles têm sofrido de insônia, ansiedade, perda de apetite e tremedeiras. Desde setembro, três brigas aconteceram na cela, todas, segundo contou à mulher o detento, em razão do estresse causado pela abstinência de tabaco.

 

O governo mineiro não informa o número de fumantes entre os 71 mil presos. Em nota, a Sejusp-MG (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) disse que acompanha de perto o andamento da medida, "fornecendo apoio e orientação para os casos de abstinência, a partir da assistência prestada por profissionais de saúde e de atenção psicossocial que atuam nas unidades prisionais do estado, em consonância com o Programa Nacional de Controle do Tabagismo".

 



 

No perfil no TikTok "Guerreiras de BH e região", administrada por esposas e mães de presos, há um vídeo gravado em cela em agosto na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. É possível ver fogo, enquanto um detento grita: "Quer cortar o cigarro do preso? Vai dar ruim".

 

À época, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais instaurou um processo para averiguar a ocorrência e encontrou um celular em uma das celas.

 

No memorando que proibiu os cigarros, de julho, que deu prazo até 31 daquele mês aos presídios de pequeno porte e 31 de agosto aos maiores, a Sejusp argumentou que a proibição visa garantir a saúde e o "atendimento humanizado" ao preso, garantindo "um ambiente livre das toxinas contidas nos cigarros".

 

O documento previa os efeitos da abstinência, entre os quais elencou "dor de cabeça, irritabilidade, agressividade, alteração do sono, dificuldade de concentração, tosse, indisposição gástrica e outros". Para minimizá-los, recomendou que as unidades recorressem à "rede de saúde municipal para incluir o privado de liberdade no Programa Nacional de Controle do Tabagismo".

 

 

Foi o que fez a juíza Bárbara Nardy, da vara de execução penal de Ribeirão das Neves, onde há seis unidades prisionais e cerca de 7.500 detentos.

 

Nardy enviou um ofício à Secretaria de Saúde da cidade, consultando-a sobre a possibilidade de o município atender aos apenados. A pasta respondeu que, como não fora previamente informada pela Sejusp acerca da proibição dos cigarros, não licitou a compra de medicamentos, sendo "inviável para o ano de 2024 atender as demandas das unidades prisionais para a cessação do tabagismo".

 

Também ouvida sob anonimato, Luiza (nome fictício), mãe de um detento, disse que a orientação dos carcereiros aos parentes dos presos é a de que a responsabilidade da compra dos medicamentos para o tratamento antifumo é da família.

 

Em um debate na semana passada na Defensoria Pública, que reuniu familiares de presos e funcionários do sistema, a psicóloga penal Sidnelly Almeida, que atende no presídio José Maria Alkmin, avaliou que a tensão nas cadeias aumentou após o veto ao cigarro.

 

"Não foi pensada uma política de saúde mental para lidar com a cessação do tabagismo nos presídios, que são ambientes adoecedores por si só", disse.

 

Almeida afirma que, no contexto prisional, o cigarro é um "redutor de danos", aliviando a ansiedade, e, na sua ausência, os detentos têm fumado páginas de cadernos e espuma de colchão, usando a fiação elétrica para acendê-los, já que os isqueiros também estão proibidos. Esses relatos também foram recebidos também pela Defensoria Pública.

 

Era comum ainda que o cigarro fosse usado como moeda de troca entre os presos. Segundo relatos à Almeida, atualmente a comida e os kits de higiene fornecidos pelos familiares substituíram o cigarro na função.

 

Thiago Almeida, mestre em assistência farmacêutica pela UFMG e que há 12 anos atua em tratamentos antitabaco no SUS, diz que é consenso que largar o cigarro é uma boa decisão para a saúde, mas ressaltou que "toda a terapêutica, para ter sucesso, parte da vontade da pessoa de parar de fumar".

 

A Defensoria Pública entrou, em 31 de julho, com uma ação pedindo a suspensão liminar da proibição dos cigarros até que a Sejusp apresente um "diagnóstico da realidade de cada estabelecimento carcerário" e das equipes de saúde para o atendimento.

 

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Da forma "abrupta" como foi proposta, afirmou o defensor público Leonardo Bicalho de Abreu, a proibição "com certeza eleva a tensão nos presídios do estado". A ação foi rejeitada em 21 de agosto pela 4ª Vara da Fazenda Pública. A Defensoria entrou com recurso, que ainda não foi julgado.

 

Questionada, a Sejusp-MG não respondeu sobre a quantidade de cigarros apreendidos nos presídios do estado desde o veto nem sobre qual é o recurso empenhado em pessoal e equipamentos para o tratamento do tabagismo.

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