Uma pesquisa realizada pelo DataSenado e a empresa Nexus em parceria com o Observatório da Mulher, entre agosto e setembro de 2023, revelou que 78% das mulheres negras dizem conhecer pouco ou nada sobre a Lei Maria da Penha, a principal legislação de proteção à violência contra a mulher no Brasil, em vigor desde 2006. Segundo o estudo, essa é a maior pesquisa de opinião sobre o tema feita no Brasil, aprofundada com um recorte específico para entender as particularidades das mulheres negras em relação à violência de gênero.
Os dados também indicam que as medidas protetivas, um dos principais mecanismos da Lei Maria da Penha, são totalmente desconhecidas por 15% dessas mulheres – outras 15% dizem conhecer muito, e outras 70% disseram conhecer pouco. Para Larissa Lauane Rodrigues Vieira, pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o problema está relacionado a uma questão estrutural. “Elas (mulheres pretas e pardas) podem estar em locais periféricos e sem acesso a educação de qualidade. Por uma questão histórica e econômica, acabam tendo pouco conhecimento sobre seus direitos”, diz Larissa.
Mas apesar de declararem um conhecimento limitado sobre a legislação, a pesquisa revelou um grau de informação maior sobre os mecanismos de enfrentamento à violência doméstica, já que 95% das entrevistadas afirmaram conhecer a Delegacia da Mulher, especializada no atendimento a vítimas desses tipos de crimes. Já os serviços de assistência social, como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que também atendem vítimas de violência doméstica, são conhecidos por 90% das entrevistadas. Por sua vez, a Defensoria Pública é conhecida por 88%, e o Ligue 180, canal de denúncias para esse tipo de agressão, por 79%.
Larissa explicou que essas mulheres por vezes conhecem mais os mecanismos de acolhimento do que os canais de denúncia e a própria lei, pois essas políticas públicas envolvem ações e meios que lidam diretamente com essas mulheres, o que acaba sendo considerado mais eficaz do que a própria justiça, por exemplo. A mesma observação foi feita por Alana Mendes, professora, advogada criminalista e diretora do Instituto de Ciências Penais: “As mulheres negras estão na base da pirâmide social, mas a questão histórica e do racismo torna difícil para elas entenderem seus direitos. Quando necessitam elas vão buscar serviços diretos, acaba que a lei e os mecanismo de proteção ficam muito distantes delas”
De acordo com Milene Tomoike, psicóloga e pesquisadora do Observatório da Mulher contra a Violência, vale destacar que os Serviços de Assistência Social que chegam até essas mulheres, que entre outras vulnerabilidades e violações de direito também possam estar sendo vítimas de violência doméstica e de gênero, são políticas públicas amplamente divulgadas pelo governo, o que pode justificar a maior popularidade.
Por fim, quando o assunto é a efetividade da Lei Maria da Penha, metade (49%) das brasileiras negras acredita que ela protege as vítimas apenas em parte. Outros 30% acreditam que protege e 20% que não protege. Milene acredita que para entender esses dados precisamos levar em consideração que esse grupo lida com dois desafios, o de gênero e de raça, o que agrava essa dificuldade de inserção. “As políticas de proteção à mulher estão muito avançadas, mas ainda temos muito que caminhar. Mas a questão dos direitos humanos precisa ser vista, falta uma iniciativa de traduzir os termos jurídicos para uma determinada parte da população. Falta essa informação chegar onde tem que chegar”.
Para Larissa, do Instituto de Ciências Penais, a falta de conhecimento sobre a lei, por parte desse grupo, só poderá ser resolvida com uma ação integrada do Judiciário, do Ministério Público e da advocacia, que precisam pensar em levar informação para essas mulheres.
Por que somente mulheres negras?
O Mapa Nacional da Violência de Gênero, lançado em novembro de 2023, reúne informações de diversas bases. As informações usadas revelaram um quadro alarmante. Dados extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que, em 2022, das 202.608 brasileiras que sofreram algum tipo de violência, 112.162 eram pretas e pardas, 55% do total. Além disso, informações do Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp) indicam que, entre as 8.062 mulheres vítimas de violência sexual, cujas ocorrências policiais incluíam o registro de cor/raça, 5.024 eram pretas ou pardas, o que corresponde a 62% do total.
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Para Milene Tomoike, pesquisas como essas são imprescindíveis para a formulação de políticas públicas mais objetivas e assertivas. “Ao avaliar o cenário da violência podemos compreender onde o braço do estado não chega, e quais políticas públicas são desconhecidas pelas pessoas que delas necessitam. Hoje esses dados subsidiam senadores e senadoras no debate, e balizam a efetividade da aplicação da Lei Maria da Penha.”