Os donos de apartamentos no Conjunto Governador Kubitschek, conhecido como Edifício JK, vivem drama que, segundo eles, passa por coerção e falta de comunicação em eleições com chapa única. Hoje, a atual síndica do edifício, que fica no Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul da capital mineira, concorre ao cargo mais uma vez, em chapa única, para seu 38º mandato, e pretende viabilizar normas como a judicialização contra pessoas que difamem o condomínio, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012).

 


Moradores alegam não ter diálogo ou garantia de expressão na própria casa. É o que conta uma proprietária de um dos 1.139 apartamentos e moradora do conjunto habitacional ao Estado de Minas. A mulher, que pediu para não ser identificada por medo de sofrer retaliação, contou que os condôminos não têm espaço para formalizar queixas e reclamações.

 




Segundo o relato, as reclamações poderiam ser feitas nas assembleias. No entanto, o convite para essas reuniões são recebidos na semana anterior à data marcada. “No documento que eu recebi consta a data de 1º de novembro, mas ele chegou para mim em 2 de dezembro, para uma reunião no dia 7”, afirma a moradora.

 

Mesmo nas assembleias, as reclamações só podem existir no campo teórico. Isso porque o condomínio impõe multas as pessoas que “tumultuem” as assembleias ou interrompam assuntos em pauta. “Você não consegue questionar nem se achar que o assunto é relevante”, afirmou outra proprietária.

 

Para a moradora, os avisos de assembleia são feitos muito próximo da data marcada para a reunião para dissuadir os moradores de participar. “Quando é avisada a tempo, a pessoa se programa para ir. Recebendo agora, não posso ir, pois já tenho um compromisso. E muita gente também não vai poder. Eles fazem de tudo para o menor número de pessoas participar”, analisa.

 

 

De acordo com o advogado Marcus Monteiro, especialista em Direito Imobiliário e Cível, a prática foge à razoabilidade. Para ele, considerando as dimensões do edifício, que conta com 1.139 apartamentos em duas torres, a convocação para a reunião a poucos dias da assembleia diminui o tempo hábil para a ciência da convenção. “É perceptível que há uma tentativa de dificultar o conhecimento das pessoas e afastá-las das reuniões. Se uma gerência faz isso, ela dificulta a presença dos proprietários na assembleia”, afirma.
Ainda segundo ele, é irregular a assinatura de um documento em uma data e a entrega em outra. O documento convite, com os temas que serão discutidos na assembleia, tem a assinatura da síndica Maria Lima das Graças, datada em 1º de novembro.

 

Há ainda que afirme não ter nem sequer recebido a convocação. Caso de uma proprietária que também pediu para não ser identificada. “Não recebi o comunicado sobre a assembleia. Ainda fiz questão de atualizar o meu cadastro no condomínio, mas mesmo assim não recebi”, afirma. Segundo ela, para atualizar o cadastro o proprietário deve apenas anotar seus dados em um folha de papal em branco. “Eles falam que vão atualizar na ficha, mas consigo ter nenhuma certeza se isso aconteceu ou não. Você tem que tentar a sorte”, disse.

 

 

Essa proprietária conta que ficou sabendo da assembleia por outros condôminos, que, assim como a primeira moradora citada, receberam a carta na segunda-feira, 2 de dezembro. “Vou à assembleia, mas sei que muitos condôminios não vão porque já sabem que não tem o que fazer. Acho muito importante comparecer, mesmo como forma de protesto silencioso contra a atual gestão do condomínio”, disse.

 

COIBIÇÃO DE CRÍTICAS

De acordo com documento de convocação da assembleia, marcada para às 13h30 na primeira chamada, e às 14h na segunda, um dos tópicos a serem discutidos será a aplicação de medidas jurídicas contra qualquer pessoa, moradora ou proprietária, que “difame a imagem do Conjunto e desvalorize os imóveis”. A ideia desagrada. “Não será possível reclamar de nada sem ser penalizado, e é a síndica quem vai decidir isso”, afirmou a moradora. “Vivemos uma ditadura, é a palavra da síndica que conta”, diz uma proprietária.
Segundo o advogado Marcus, essa é uma violação do Artigo 15 da Constituição Federal: “Todo mundo tem o direito de acessar o Judiciário. Se uma pessoa está insatisfeita com algo no local onde mora e tem a vontade de judicializar, judiciar ações, ela tem o direito. E isso não deve ser motivo para a pessoa sofrer punições”. “Ao meu ver, isso é uma ditadura”, afirmou.

 

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Ainda segundo a condômina, as decisões ainda são tomadas por ovação, sem registro escrito de quais condôminos estão presentes e concordam com as elas. Já para uma lojista que tem estabelecimento na área comercial do condomínio, a coibição de críticas é “um completo absurdo”. “É uma forma de censurar e assustar os condôminos que não estão satisfeitos com a gestão e as condições lamentáveis em que os edifícios se encontram. Mas não me surpreende, a síndica já tomou outras medidas para censurar as pessoas lá dentro do complexo JK. A multa será apenas mais uma forma”, disse.

 

Ela relatou à reportagem situações que classificou como violência e coerção vividas dentro do condomínio, como proibição do uso de celular na secretaria para registros. Os moradores também são impedidos de concorrer contra a chapa da atual síndica. Para a criação de uma Chapa 2, é necessária uma caução de R$ 4 milhões.

 

INVENTÁRIO E ACESSO

Outro tópico a ser discutido na reunião é para que, nos casos de óbito de um morador, o acesso ao imóvel somente seja permitido após apresentação da certidão de inventariante. No entanto, segundo o advogado especialista em Direito Imobiliário e Cível, isso é uma violação do Código Civil: “Vai contra o direito de propriedade, o direito de posse e o exercício de posse”.

 

Segundo ele, os processos de inventários são demorados. “Uma coisa é a propriedade, outra coisa é a posse. Se o pai de alguém morrer, por exemplo, o filho tem o direito de ter acesso ao imóvel. O síndico não pode proibir o acesso de quem tem a posse”, afirmou. “É antijurídico”.

 

A reportagem tentou contato com a administração do Condomínio JK por diversas vezes via ligação telefônica e mensagem no WhatsApp, mas não obteve retorno.

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