A combinação entre consumo de bebidas alcoólicas e o volante preocupa ainda mais as autoridades do trânsito nesta época do ano, marcada pelas celebrações, como Natal e Ano-Novo. Adalgisa Lopes, presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (Actrans-MG), aponta que o consumo de álcool aumenta com as festas e “isso se traduz em mais imprudência, acidentes e mortes.” Os dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) coletados entre janeiro e setembro dão uma ideia do risco. Nesse período, a corporação multou um motorista a cada 10 minutos por beber – ou usar outras drogas – e dirigir.
Alysson Coimbra, diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), afirma que a época de festas de final de ano é propícia para o aumento no consumo e para a minimização dos riscos de dirigir depois de beber. “As pessoas acreditam que o momento de celebrar é individual e que são merecedoras de abonos na lei porque trabalharam durante todo ano”, diz. E complementa: “É o momento de elas tentarem se livrar de frustrações, problemas e dificuldades que emocionalmente não conseguiram resolver durante o ano.”
O diretor científico da Ammetra aponta também que no ambiente de comemorações é comum a propagação de informações falsas para diminuir a gravidade de combinar álcool e direção, como: “Não vai ter blitz, você dirige melhor quando bebe ou você mora perto.” Para Alysson, nessas ocasiões, o condutor perde o senso crítico e é influenciado.
A preocupação dos especialistas no trânsito neste período festivo, com aumento de venda e consumo de álcool, se aprofunda quando analisados os dados de infração da Lei Seca ao longo do ano. Nos nove primeiros meses de 2024, a cada 10 minutos, uma pessoa foi multada por desobedecer a legislação que proíbe a condução de veículos sob influência de álcool ou outra substância psicoativa, como apontado pela Actrans-MG com base em dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Entre janeiro e setembro, foram registradas 45.930 infrações entre recusa de fazer o teste do bafômetro e constatação de embriaguez, de acordo com a PRF. Até maio, foram realizadas 18.705 operações da Lei Seca no Brasil, que apontaram 4.013 infrações por constatação de direção sob efeito de álcool e 17.332 registradas por recusa ao teste de alcoolemia.
Adalgisa Lopes, que também é psicóloga especialista em trânsito, afirma que o álcool afeta negativamente funções cerebrais essenciais, comprometendo coordenação motora, equilíbrio e leitura espacial. Além disso, a bebida alcoólica deixa os reflexos mais lentos, diminui a concentração e a capacidade de multitarefa.
O humor, discernimento, raciocínio e memória de uma pessoa também podem ser comprometidos pelo consumo de bebidas alcoólicas, diz Adalgisa. “Motoristas sob efeito de álcool são mais propensos a dirigir em alta velocidade e a desrespeitar as leis de trânsito”, acrescenta a presidente da Actrans-MG.
“O consumo de álcool, enraizado na cultura brasileira e associado a momentos de lazer e socialização, mascara os seus efeitos sobre a capacidade de dirigir, como a redução da atenção, reflexos e o aumento da impulsividade. Esse contexto exige uma abordagem multifatorial para combater o problema”, afirma Adalgisa Lopes.
FISCALIZAÇÃO E PUNIÇÃO
Nesta época de festas de final de ano, para Alysson Coimbra, é necessário realizar operações de fiscalização regulares, especialmente em regiões e trajetos próximos a bares, restaurantes ou eventos programados, como festas da virada.
Em junho, quando a Lei Seca completou 16 anos, o diretor científico da Ammetra defendeu também a mudança na legislação para quem provoca mortes e ferimentos ao dirigir alcoolizado. “É preciso aplicar o conceito de dolo eventual ao motorista que, apesar de saber dos riscos de dirigir alcoolizado, insiste na prática. Ao infrator que causa a morte e ferimentos ao dirigir alcoolizado deve ser aplicado o rigor máximo da lei, porque somente afastando a sensação de impunidade poderemos salvar vidas no trânsito”, afirmou.
Por sua vez, a presidente da Associação de Clínicas de Trânsito de Minas defende uma combinação de ações, como: aplicação rigorosa da lei, responsabilização efetiva dos culpados, aumento da fiscalização e campanhas educativas de longo prazo. “Precisamos desconstruir a cultura de permissividade em torno do álcool e direção, conscientizando a população sobre os riscos envolvidos”, diz.
Questionada pelo Estado de Minas sobre planejamento de operações em Minas para mitigar o impacto de pessoas que bebem e dirigem nesta época de festas, a PRF afirmou que “nos feriados prolongados, todas as fiscalizações serão intensificadas”, mas não deu mais detalhes.
ABUSO E INTERNAÇÕES
O consumo de bebidas alcoólicas não preocupa somente quando associado ao trânsito. A bebedeira exagerada também está ligada ao comprometimento da saúde. Em Minas, de janeiro de 2023 a outubro de 2024, foram registradas 11.899 internações por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e doença alcoólica do fígado, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
Esses números vêm ao encontro do resultado da pesquisa realizada pelo Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool (Cisa), que coloca Minas em 4º lugar no ranking de estados com mais internações atribuíveis ao álcool em 2023. Do total, 6.500 hospitalizações ocorreram no ano passado, e 5.399 de janeiro a outubro deste ano.
Já a Prefeitura de Belo Horizonte informa que, em 2024, de janeiro a outubro, foram registradas 2.539 internações relacionadas ao alcoolismo em hospitais do município. Desse total, 170 internações eram de residentes do município.
Os números incluem atendimentos devido a doenças do fígado, esôfago e pâncreas, além de internações relacionadas a transtornos mentais e comportamentais por uso de álcool. Esses dados também justificam a 6ª posição de BH na lista do Cisa de capitais brasileiras com maior prevalência de consumo abusivo de álcool na população adulta. Essa prevalência é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Beber Pesado Episódico (BPE), equivalente ao consumo de 60g ou mais de álcool puro (cerca de quatro doses ou mais no Brasil) em pelo menos uma ocasião, no último mês. No primeiro ano do estudo, a capital mineira apresentou uma prevalência de 20,9%. Em 2023, considerando os 30 dias anteriores à pesquisa, BH registrou 22,4%.
De acordo com o Cisa, esse comportamento está associado a um maior risco de prejuízos imediatos, como amnésia alcoólica, quedas, envolvimento em brigas, acidentes de trânsito, sexo desprotegido e intoxicação alcoólica. Quando frequente, o BPE pode intensificar o impacto negativo do álcool em diversos órgãos e sistemas, especialmente no trato gastrointestinal, sistema nervoso e sistema cardiovascular.
ASSISTÊNCIA
Procurada pelo Estado de Minas para saber quais as medidas existentes para auxiliar o público que sofre com a dependência, a SES esclareceu que a responsabilidade pela gestão do acesso, consultas, priorização e agendamentos de procedimentos, exames e tratamentos de natureza eletiva é das Secretarias Municipais de Saúde (SMS), bem como atendimentos relacionados a doenças psiquiátricas.
“A assistência em saúde mental pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a toda a população que apresente sofrimento ou transtorno mental e/ou com necessidades de saúde decorrentes do uso prejudicial de álcool e drogas se dá por meio da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que é composta por diversos serviços”, diz em nota do órgão.
O atendimento é iniciado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) existentes em todos os municípios mineiros. “A equipe da UBS avalia a necessidade clínica do usuário e, caso necessário, ele é encaminhado para a atenção especializada, especificamente os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de referência dos territórios”, prossegue o texto da Secretaria de Saúde.
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Já em BH, a prefeitura informou que, atualmente, conta com cinco Centros de Referência em Saúde Mental – Álcool e outras Drogas (CERSAMs-AD). Essas unidades realizam o acompanhamento em urgência ou crise de pessoas com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas.
*Estagiárias sob supervisão da subeditora Rachel Botelho
Crime de trânsito
Um motorista, de 50 anos, foi preso após bater em outros oito veículos, na noite de terça-feira, um dia depois de ser condenado por homicídios no trânsito. Segundo a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), o homem conduzia o carro da marca Mercedes-Benz, no Bairro Castelo, Região da Pampulha, com o direito de dirigir suspenso. Ele se submeteu ao teste de bafômetro, que apontou 0,70mm/l, o que configura crime de trânsito, prestou depoimento, pagou fiança de R$ 6 mil e foi liberado. Na segunda-feira, o motorista havia sido condenado a sete anos de prisão por dois homicídios culposos e por duas lesões corporais. A pena é relativa a um acidente que aconteceu em 2021. Também sob efeito de álcool, o homem perdeu o controle do carro e bateu em um veículo. Uma mulher, de 33, e o filho, de 10, foram arremessados para fora do carro. Um idoso, de 65, e uma adolescente de 14, avô e neta, morreram carbonizados. Segundo testemunhas, o motorista participava de um "racha". Diante do novo caso, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que vai pedir um aumento de pena, que o condenado cumpra o período na cadeia, além da prisão preventiva dele.