Mulher trans foi executada à luz do dia em avenida da Região Centro-Sul de BH
 -  (crédito: Arquivo pessoal/Reprodução)

Mulher trans foi executada à luz do dia em avenida da Região Centro-Sul de BH

crédito: Arquivo pessoal/Reprodução

“Jeane começou perdendo na vida: preta, trans, favelada. Mas ela nunca deixou de sorrir e lutar. A vida não foi amável com ela, como ela foi com a vida.” É assim que Alexandre Silva Costa, presidente da escola de samba Cidade Jardim, descreve Jeane Lui, ou “Jeje Sucesso” como era conhecida na comunidade. Aos 32 anos, a mulher transsexual foi brutalmente assassinada na madrugada deste domingo (5/1), vítima de tiros disparados por um homem, ainda não identificado, na Avenida Raja Gabáglia, no bairro Luxemburgo, também na Região Centro-Sul.

 

Uma discussão em um baile funk que frequentava na noite anterior pode ter sido a motivação para o crime. Mas antes do desfecho trágico, Jeane era uma figura singular, querida pela comunidade e considerada essencial para a escola de samba Cidade Jardim — a maior campeã do Carnaval de Belo Horizonte, onde ela atuava há quase uma década. O crime aconteceu a poucos metros da quadra da escola de samba, um espaço que Jeane frequentava e considerava como uma extensão de sua casa.

 


Jeane iniciou oficialmente sua trajetória na Cidade Jardim em 2016, mas sua ligação com a escola de samba vinha desde muito antes. Moradora do Morro do Papagaio, também na Região Centro-Sul de BH, ela era presença constante nas festas e eventos da comunidade. Para o presidente da escola, Alexandre Silva Costa, a convivência foi natural. "Ela era de casa. Às vezes dormia aqui na minha casa. Jeje tinha um carinho especial por tudo, gostava de ver tudo no lugar. Era muito organizada e se preocupava em ajudar, mesmo quando não era responsabilidade dela", recorda.

 


Alexandre destacou ainda a leveza e o bom humor que marcaram a personalidade de Jeane. "Ela chamava todo mundo de ‘sucesso’, era muito engraçada. Foi assim que surgiu o apelido, Jeje Sucesso. Onde estava, fazia todo mundo sorrir. O pessoal ficava encantado com ela”, contou à reportagem do Estado de Minas


Uma paixão que, para quem conhecia Jeane de perto, era descrita como uma verdadeira missão, um propósito de vida. Habilidosa e dedicada, ela estava prestes a assumir a produção das fantasias da escola de samba e liderar oficinas de corte e costura, que ajudam a arrecadar fundos para a Cidade Jardim. Antes disso, planejava participar de um curso intensivo de 15 dias no Espírito Santo, com viagem marcada para esta terça-feira (7/1). "Tudo que precisava, até aquilo que não era da alçada dela, ela fazia. Era uma pessoa de astral lá em cima, sempre disposta a ajudar", recorda Alexandre.


A notícia da morte de Jeane deixou todos na comunidade abalados. A família não soube informar à polícia se ela vinha recebendo ameaças. Para a Cidade Jardim, a perda é irreparável. "Ela era o nosso ‘sucesso’. Uma pessoa que transformava qualquer ambiente em um lugar mais leve e divertido”, afirma Alexandre, que mora ao lado da quadra da escola, e ouviu os tiros que interromperam a vida da amiga. "Foi uma coisa covarde. Ouvir os disparos e depois saber que foi com ela, foi devastador", conta.

 

 

Polícia investiga motivação do crime


Uma discussão em um baile funk pode ter sido o estopim para o assassinato de Jeane. Conhecida por todos na festa, segundo relatos de testemunhas ao Estado de Minas, ela se envolveu em uma briga com um homem, ainda não identificado, e horas depois foi abordada por dois suspeitos.

 

Uma amiga, que a avistou do outro lado da Avenida Raja Gabaglia, quando saia de casa para ir à padaria, presenciou o momento do crime. Segundo relato à reportagem, o homem se aproximou já com a arma em punho e, aproveitando que Jeane estava de costas, efetuou o primeiro disparo. Mesmo caída no chão, o atirador continuou atirando antes de fugir em uma motocicleta junto com o comparsa.


Jeane foi atingida na cabeça. Próximo ao corpo, a Polícia Militar (PM) recolheu na manhã deste domingo mais de dez cápsulas de munição de grosso calibre. Até a tarde, os suspeitos ainda não haviam sido localizados. São muitas as testemunhas, no entanto, segundo os militares, a maioria diz ter ouvido os tiros, mas não viram o atirador.

 

De acordo com a PM, a vítima tinha passagens por tráfico de drogas, lesão corporal e agressão, e havia deixado a prisão no ano passado. A ausência de câmeras de segurança operantes na área dificulta a identificação dos suspeitos. O caso, agora sob responsabilidade da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), ainda não tem linha de investigação definida, mas a polícia aposta no depoimento de testemunhas e na análise das cápsulas de munição para identificar os autores do crime.

 

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A polícia ainda investiga se o assassinato de Jeane foi motivado por transfobia. O fato, porém, reforça a dura realidade da violência enfrentada por pessoas trans no Brasil. Minas Gerais ocupa o 5º lugar no ranking de estados com mais registros de violência contra a população trans, conforme o último dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado em janeiro de 2024 com dados referentes a 2023.