Três das quatro quadras que compõem o espaço já estão em processo de demolição. A restante continuará a ser usada em jogos de futebol de salão e outros eventos -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Três das quatro quadras que compõem o espaço já estão em processo de demolição. A restante continuará a ser usada em jogos de futebol de salão e outros eventos

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

As noites com muita música e dança nas décadas de 1980 e 1990 são evocadas quando o assunto é a Quadra do Vilarinho, em Venda Nova, Região de BH. O espaço, em seus mais de 40 anos de história, já foi um point da juventude belo-horizontina, sendo palco de inúmeros eventos culturais e esportivos, como os bailes funk e os jogos de futebol de salão. Diz a lenda que até o capeta teria frequentado a área. Hoje, quem passa em frente ao complexo de quatro quadras se depara com um futuro ainda incerto, que se abre com a demolição de parte da estrutura.

 

Do espaço original, vão ficar as memórias, a importância para o cenário cultural e apenas uma das quadras. O restante, que corresponde a 1.500 metros quadrados (m²) de uma área total de 3.500m², foi vendido para uma multinacional do setor automobilístico.

 

 

Marco Aurélio Gonçalves, engenheiro de minas e carnavalesco, foi uma das pessoas tomadas pela saudade ao ver parte do espaço no chão. Aos 56 anos, ele relembra o tempo em que frequentava a Quadra do Vilarinho com irmãos e primos quando ainda era um adolescente, de 14. ”Era um programa familiar. Foi uma época muito interessante, quando o Rock nacional estava em evidência”, conta.

 

Alcione, Beth Carvalho, Elza Soares, Sandra de Sá, Leci Brandão e Martinho da Vila passaram pela quadra em suas noites badaladas, lista o engenheiro, para quem o espaço de Venda Nova era “nosso Rock in Rio”. Além de atrair nomes famosos, as quadras eram o ponto onde a bateria da escola de samba Mocidade Independente deVenda Nova, hoje extinta, ensaiava, completa.

“A minha juventude foi toda lá”, diz Renato Ventura, de 53, que caracteriza o auge da Quadra Vilarinho como “épico”. Gerontólogo, bailarino e profissional de educação física, ele conta que tinha um grupo de dança, o Renegados do Funk, e todo final de semana ia para o espaço praticar e participar de competições da modalidade.

 

Para ele, a quadra era sinônimo de lazer e diversão: “Só quem viveu a época sabe”, diz, emocionado.

 

Ele lamenta que aquele capítulo da história, que lembra com tanto carinho, tenha chegado ao fim. “Quando você descobre que (o local) está sendo demolido, é uma tristeza muito grande porque você vê parte da sua juventude ser quebrada, como os tijolos”, diz Renato, que reconhece ser menos mal que uma das quatro quadras continue funcionando.

 

 

“De todo jeito tentaram apagar o Vilarinho do cenário cultural de Belo Horizonte, pelo desprezo dos tais ‘formadores de opinião’ e elitistas. Afinal, inconcebível seria admitir que Venda Nova fosse também o epicentro cultural da juventude da cidade”, escreveu Marco Aurélio em suas redes sociais sobre a demolição de parte do espaço. Ao Estado de Minas, ele afirma que a reflexão é sobre a minimização da importância do movimento cultural que existiu no subúrbio pela mídia belo-horizontina.


NOVO CAPÍTULO

 

Francisco Filizzola, proprietário do espaço, conta que nada vai mudar na quadra que será mantida. “(Será) a mesma coisa: futebol de salão, eventos e os projetos institucionais.” A venda de parte da infraestrutura foi firmada em fevereiro de 2022. Para ele, “houve uma associação de interesses muito boa. Nem a onça ficou com fome, nem o cabrito foi comido”, diz.

 

O proprietário conta também que a pandemia, que exigiu a suspensão de eventos, foi crucial em sua decisão de vender imóveis que possuía, inclusive a Quadra Vilarinho. Ele confessa que o único que não queria vender era o espaço em Venda Nova, mas recebeu uma boa proposta.

 

 

E o capeta?

 

Com a venda, resta saber se o lendário “Capeta do Vilarinho” vai permanecer na quadra restante. Em 2021, Francisco Filizzola contou ao Estado de Minas a história por trás da lenda, que ele considera uma jogada de marketing produzida pelo acaso. De acordo com ele, uma noite, um dos vigilantes das quadras, “que gostava de uma birita”, ligou dizendo que havia dois “capetas” no local. O proprietário, em tom de brincadeira, disse para o segurança chamar a polícia. No entanto, o segurança levou a sério e acabou registrando um boletim de ocorrência.

 

Na época, uma radialista comprou a história e passou para frente durante o programa de reportagens policiais de que fazia parte. O caso foi noticiado por outros veículos de imprensa e a história tomou grandes proporções, tornando-se parte da vida dos frequentadores. “Tinha um dançarino amigo nosso, que era muito bom e gostava de contar que fez aulas com o capeta”, relembrou Francisco.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

 

O “coisa ruim” de Venda Nova virou personagem de uma revista, e a história rendeu até uma nota no jornal “The New York Times”. Mas, o capeta não foi bem quisto por todos. Na época, um padre de uma igreja da região tentou realizar um exorcismo. “Ele chegou todo paramentado, com os instrumentos de exorcismo e me pediu permissão para a cerimônia”, contou Francisco Filizzola. “Deixei que entrasse e fizesse o serviço, é claro”, completou.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho