Duas pontes do Bairro Campestre foram destruídas pela chuva -  (crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Duas pontes do Bairro Campestre foram destruídas pela chuva

crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press

Dom Silvério – Passados dois dias desde que Dom Silvério, na Zona da Mata, ficou debaixo d’água, as ruas continuam tomadas pela lama. Nas calçadas, os moradores – muitos de botina ou galocha – seguem com rodos na mão e fazem a limpeza de suas casas. A estimativa da Defesa Civil Municipal é que metade dos 5 mil moradores da cidade foi atingida pela chuva. Além dos 104 desalojados e 15 desabrigados, os mais afetados tiveram a casa tomada pelas águas – em apenas 20 minutos, choveu cerca de 150 mm, equivalente a quase 70% do volume esperado para o mês de janeiro.

 

Cada um dos atingidos tem lidado com o prejuízo, e com o trauma, à sua maneira. No caso da cuidadora de idosos Maria de Lourdes Sousa, que ainda conta as perdas e corre o risco de perder o freezer que comprou pra abrir um bar, o que restou é a torcida para que o prejuízo não seja tão grande. “Agora é tentar recuperar o que sobrou”, disse.

 

No momento da chuva, Maria teve apenas duas preocupações: acordar a colega de quarto, que dormia, e socorrer as suas cachorras, que estavam do lado de fora. O maior medo era de que a correnteza levasse os animais para o rio que fica no fundo do lote. Devido à força da água, a porta da casa não abriu, e Maria, então, saiu pela janela para socorrer as cachorras. “Foram embora algumas coisas, mas graças a Deus a gente está com vida e isso que é importante”, conta.

 

 

O desespero pra salvar os animais de casa também foi vivenciado pela aposentada Ana Maria da Silva. A enxurrada que atingiu o imóvel onde mora, bem no Centro da cidade, foi tanta que arrancou o portão. Antes mesmo de a água abaixar, moradores apareceram por ali para ajudar pessoas que estivessem ilhadas. Num ato de carinho com sua companheira, Ana entregou sua cachorrinha pra ser resgatada e apenas depois aceitou ajuda para si. “Foi tudo muito rápido. A gente não pensa em nada, não consegue pensar muito bem. É desespero”.

 

O balanço da chuva deixou a aposentada desesperançosa, pois, como disse, perdeu quase tudo. Entre os prejuízos estão móveis, eletrodomésticos, roupas. Ela conta que se mudou do Rio de Janeiro para Dom Silvério em busca de mais qualidade de vida, mas a experiência vivida com a chuva deixou um trauma, e, agora, vai se mudar para Vila Velha (ES), perto da filha. “Tudo que eu mais queria era estar aqui, mas acho que agora acabou o encanto. Preciso estar mais próxima de outras pessoas também”, desabafa.

 

Quatro casas ao lado, mora o também aposentado Roni de Castro. Os vizinhos têm em comum o fato de terem escolhido Dom Silvério para passar a velhice. Também, ambos perderam quase tudo que tinham em casa nesta última chuva. Roni, por sua vez, revela não ter se abalado com os bens materiais perdidos. Ainda, diz não querer se mudar dali, pois a solidariedade que encontra em Dom Silvério não há em outros lugares, e cita que no dia seguinte à chuva muitos vizinhos foram ajudá-lo na limpeza da casa. “Não vou reclamar o que perdi, outros perderam mais do que eu. Bens e móveis a gente corre atrás e recupera, mas vida nunca”, contou à reportagem, vestido com uma blusa e uma bermuda emprestados do irmão – já que todas as roupas ficaram sujas com a água da enchente.

 

 

Isolamento

 

Ao andar pelas ruas de Dom Silvério, não é difícil encontrar casas com marcas da enchente nas paredes. A Defesa Civil municipal estima que 200 imóveis residenciais e comerciais foram diretamente atingidos pelos estragos da chuva. As marcas mais visíveis são no Bairro Campestre, onde duas pontes ficaram destruídas e uma teve o trânsito de carros proibido devido a possíveis riscos estruturais.

 

Essa situação faz com que parte do bairro corra o risco de ficar ilhada. Atualmente, os moradores precisam fazer uma volta de cerca de cinco quilômetros para ter acesso à cidade por meio de uma estrada provisória criada após as chuvas. Contudo, a entrada para este caminho fica após a ponte, que pode ter tido danos estruturais – e que, eventualmente, pode ser necessário interditá-la.

 

Enquanto isso, os moradores têm se arriscado na travessia entre os escombros da ponte caída, feita com uma escada improvisada e um corrimão de bambu. A “gambiarra” foi feita com a ajuda do artista plástico José Geraldo da Costa. Conhecido na cidade como “Bambino”, ele batizou o temporal recente como “a chuva de cem anos”, pois, conforme relembra, há registros num jornal de 1926 que moradores colheram assinaturas num abaixo-assinado para cobrar ações da prefeitura e dos vereadores diante de uma tempestade que estava por vir.

 

O artista plástico, que lidera um projeto para preservar a história da cidade, destaca também uma reportagem do Estado de Minas de 1962 que registrou uma chuva histórica, que devastou a cidade. “É um problema antigo, só que antigamente não chovia tanto assim. Chovia mais dias e criava um grande volume. Agora está caindo de uma vez só”, detalha.

 

 

Resgate

 

Segundo o prefeito de Dom Silvério, José Bráulio Aleixo (União Brasil), a principal prioridade do município tem sido a reconstrução das pontes destruídas. Para tanto, a administração tem articulado junto ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER) formas de viabilizar a reconstrução das estruturas.

 

Durante a chuva, o político, inclusive, viralizou nas redes sociais ao ser flagrado em meio à correnteza enquanto tentava resgatar uma moradora que estava ilhada em casa. Na gravação, o prefeito lança uma corda em direção à mulher para que ela possa ser puxada para o outro lado da rua.

 

O prefeito explica que agiu no impulso ao entrar na correnteza e que recebeu um “puxão de orelha” da Defesa Civil, pois a atitude é considerada perigosa. “Eu ainda falei para a moradora ficar quieta, porque pelo que conheço do córrego, ele ia abaixar e nós íamos sair tranquilamente”, relata.

 

Contudo, em pouco tempo, a água começou a subir ainda mais e, então, o prefeito decidiu amarrar uma corda no guarda-corpo de uma praça e criar um cordão para resgatar a moradora. Resgatar pessoas por meio de cordas sem ter o treinamento adequado é desaconselhado pelas forças de segurança, pois a enxurrada pode fazer mais vítimas.

 

“A gente pede para que as pessoas não façam isso, porque é perigoso. A gente quer proteger uma vida, mas temos que proteger a vida da gente também. Foi no impulso. Nós tivemos êxito, mas como disse a Defesa Civil, poderíamos ter tido mais vítimas naquela hora. Foi mais pela emoção do que pela razão”, relata José Bráulio.

 

 

Saúde

 

Desde o primeiro momento em que a chuva caiu sobre Dom Silvério, as autoridades do município têm sido apoiadas pelo núcleo da Defesa Civil do Consórcio Intermunicipal Multissetorial do Vale do Piranga (Cimvalpi), iniciativa que reúne 46 municípios da região. O coordenador regional do órgão, Anom Moreira, explica que o apoio é dado pelo consórcio para que os municípios, em sua maioria de pequeno porte, realizem um trabalho conjunto, tanto estratégico, ao compartilharem servidores, quanto de empréstimo de maquinário. "Conseguimos trazer caminhões-pipa, retroescavadeiras e pás-carregadeiras para auxiliar na limpeza do município como um todo", detalha.

 

Segundo o coordenador da Defesa Civil de Dom Silvério, Gilson Souza, servidores da saúde visitaram todas as casas do município para orientar os moradores que tiveram contato com a água da enchente a se vacinarem contra tétano e outras doenças. "Assim que aconteceu o desastre, no mesmo dia já conseguimos mobilizar as equipes. A Saúde entrou em contato com a regional onde disponibiliza as vacinas. Temos um estoque mínimo, mas na regional já tem um estoque disponibilizado para o município", explica.

 

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