Vista aérea da cidade de Espinosa, no extremo Norte de Minas, onde o Rio São Domingos transbordou, inundando vários bairros  -  (crédito: Prefeitura de Espinosa/Divulgação)

Vista aérea da cidade de Espinosa, no extremo Norte de Minas, onde o Rio São Domingos transbordou, inundando vários bairros

crédito: Prefeitura de Espinosa/Divulgação

Primeiro, o castigo da seca. Agora, prejuízo com a chuva. Essa é a situação vivida por parte da população mineira, diante dos extremos do clima. O Estado já tem 58 municípios em situação de anormalidade (55 em estado de emergência e três em calamidade pública) por causa dos estragos causados pelas chuvas, que, até a manhã de ontem (13/1), deixaram 279 pessoas desabrigadas e 1.479 desabrigados, com o registro de 25 mortes, segundo boletim da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec). Pelo menos nove municípios agora se encontram em situação emergencial por causa dos temporais estavam sob decreto de emergência até dezembro em função da estiagem prolongada.

 


Um dos municípios onde a população convive com o sofrimento duplo é Espinosa (de 30,44 mil habitantes), no extremo Norte de Minas Gerais, na divisa com a Bahia. Espinosa é conhecida historicamente como um dos lugares que mais sofrem com a seca no estado. Mas, no domingo (12/1), a maior parte da cidade ficou debaixo d água depois que o Rio São Domingos transbordou devido às fortes chuvas na região.

 


Até dezembro, Espinosa estava em estado de emergência por causa da seca, que castigou o município durante sete meses de 2024, com centenas de famílias da zona rural sendo abastecidas por caminhões-pipas, quadro que se repete há décadas. Porém, ontem, funcionários da prefeitura passaram o dia fazendo levantamento dos danos para assinatura de um novo decreto emergência pelo prefeito Nilson Faber (Avante), mas em função dos estragos do excesso de chuvas.

 

Segundo a secretária municipal de Agricultura e Meio de Espinosa, Daniela Cangussu Tolentino, foram registrados 110 milímetros de chuva na cabeceira do Rio São Domingos entre a noite de sábado e a madrugada de domingo. Com o “dilúvio”, o manancial transbordou e inundou o Centro e vários bairros da cidade.

 

 

Ainda de acordo com a secretária, 260 famílias (em um total de 1.040 atingidas) tiveram suas casas inundadas. “Os moradores perderam móveis, alimentos, eletrodomésticos, colchões e materiais de higiene pessoal. Também perderam os muros de suas casas”, afirmou Daniela Tolentino. Ela disse ainda que as famílias desalojadas foram levadas para abrigos na Paróquia São Sebastião e para o Centro Social de Espinosa. Outras famílias foram encaminhadas para as casas de parentes. 

 

A secretária salientou que houve também muitas perdas no comércio local e danos na zona rural do município, como pontes e estradas danificadas e prejuízos nas lavouras, além de mortes de animais em função dos temporais. “No município sempre rodam caminhões-pipas para abastecer a zona rural, que não tem a água potável (devido à seca). Mas estamos vivendo uma realidade atípica, com um alto volume de chuva”, afirmou Daniela Tolentino.

 

VENDAVAL E GRANIZO

 

Vizinha a Espinosa, a pequena Mamonas, de 6 mil habitantes, também enfrentou a situação de emergência até dezembro de 2024 devido à estiagem prolongada que castigou o município na maior parte do ano passado. Agora, conta os prejuízos provocados pelos temporais.

 


Uma chuva forte, acompanhada de um vendaval e granizo, assustou os moradores e causou danos na cidade de Mamonas, no Norte de Minas, na sexta-feira (3/1). Curiosamente, a cidade de 6 mil habitantes é um dos municípios mais castigados pela seca no Norte do estado.

 

No último dia 3, os moradores de Mamonas passaram por apuros diante de uma forte chuva acompanhada de rajadas de vento e granizo. A tempestade destelhou várias casas e prédios públicos, além de danificar o calçamento de ruas. Animais foram mortos por raios.

 

O coordenador municipal de Defesa Civil de Mamonas, Orlando Soares da Silva, afirma que a prefeitura “trabalha incansavelmente” para reparar os danos causados pelas chuvas, contando com o apoio do governo do Estado. Por outro lado, ele lembra que mesmo com a volta das precipitações, os efeitos da estiagem prolongada persistem no município, onde continuam rodando três caminhões-pipas, que abastecem mais de 200 famílias na zona rural.

 

 

A dupla agonia devido aos extremos do clima se repete em Salinas, a “Capital da Cachaça”, também no Norte do estado. O município, de 40,17 mil habitantes, há décadas convive com a estiagem prolongada. Agora, a prefeitura tenta reparar os danos causados pelos temporais que castigaram a cidade entre 30 de novembro e 1º de dezembro de 2024.

 

Na ocasião, de acordo com a Defesa Civil do município, em um intervalo de 24 horas, foram registrados na cidade 104 milímetros de chuvas, que provocaram muitos estragos na estrutura urbana. Mais de 30 ruas tiveram que ser interditadas totalmente ou de forma parcial. Muros de residências e de escolas foram derrubados.

 

“Nos últimos quatro anos, temos enfrentado a condição de ficar oito ou até nove meses de seca e três ou quatro meses de chuva intensa, causando muitos danos”, afirma o coordenador municipal de Defesa Civil de Salinas, Richarley Viana Dias, que atribui a situação aos efeitos das mudanças climáticas.

 

 

Por outro lado, ele afirma que mesmo com chuvas intensas no curto espaço de tempo, a cidade continua sofrendo com o efeito da seca, com 291 famílias cadastradas na zona rural para manter o abastecimento delas por meio de caminhões-pipas.

 

PERDAS AGRÍCOLAS

 

Ainda no Norte de Minas, quadro semelhante é vivido na pequena Glaucilândia, de 2,92 mil habitantes.No município,ontem, os bombeiros confirmaram a localização do corpo de um homem que morreu afogado depois que o carro em que ele dirigia foi arrastado pela correnteza ao atravessar uma “passagem molhada” do Rio Verde Grande, no último sábado. Com a morte dele, extraoficialmente já são 25 óbitos em Minas causados pelos temporais na atual temporada chuvosa. O caso ainda não foi computado no boletim da Defesa Civil estadual.

 

O secretário municipal de Meio Ambiente de Glaucilândia, Cleidson Carpegianne Santos, salienta que, a cidade sempre sofreu com a escassez de chuvas, que, mais uma vez motivou o decreto de emergência pelo Executivo municipal no ano passado. “Mas, agora, de uma forma atípica, município está sofrendo por causa das chuvas intensas”, assinala Cleidson, lembrando que o excesso de precipitações motivou a decretação de situação de emergência no município.

 

 


Entre os problemas causados pelos temporais em Glaucilândia, o secretário cita perdas nas agricultura, danos nas estradas vicinais e quedas de pontes. Lembra ainda que famílias tiveram casas danificadas e perderam colchões e outros pertences, necessitando de doações.

 

Na cidade de São Francisco, o aumente do nível da água do Velho Chico causou prejuízos em lavouras e inundou casas em suas proximidades, segundo a Coordenadoria de Defesa Civil do Município. Durante o ano de 2024, o município foi duramente castigado pela seca, com 18.513 pessoas sendo abastecidas por cinco caminhões-pipas, informa o diretor de Defesa de São Francisco, Arnaldo Lucas Bispo Ferreira.

 

A estiagem prolongada sucedida de chuvas intensas e concentradas em pouco espaço de tempo estão diretamente relacionadas com as mudanças climáticas, avalia o meteorologista Ruibran dos Reis, do Climatempo. Ele lembra que a Organização Metrológica Mundial, sediada na Inglaterra e que monitora a temperatura do planeta todo, registrou que a temperatura da Terra em 2024 foi mais a elevada desde que se iniciou a coleta de dados, em 1880. Ele ressalta que, no ano passado, houve tragédias como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca mais severa em Minas Gerais e em grande parte do Brasil. Agora, estão ocorrendo as queimadas na Califórnia (EUA). Ruibran afirma que todos esses eventos estão relacionados com as mudanças climáticas.

 

“Com o aquecimento global, você disponibiliza mais energia, e com isso, quando há frentes frias, elas formam grandes temporais. Essa é a tendência ainda do tempo para os próximos dias”, assegura o especialista.

 

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Já a meteorologista Anete Fernandes, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), lembra que a ultima estação seca “foi realmente mais severa do que o normal” e “começou mais cedo”. Esse quadro, diz, pode estar associado aos efeitos do fenômeno El Niño, que se iniciou em junho de 2024. Por outro lado, ela lembra que a atual estação chuvosa começou no período certo no início de outubro e “está com um comportamento condizente com a climatologia”.

 

Anete Fernandes disse que não relacionada a seca severa sucedida por chuvas intensas com a alterações no clima. “Não associo o comportamento da última seca e desta estação chuvosa com mudança climática, visto serem comportamentos condizentes com a climatologia (histórico) de chuva no estado”, avaliou a especialista do Inmet. “A população deve ficar atenta às recomendações da Defesa Civil em relação as condições de tempo, seja chuva, seca, onda de calor ou de frio. Pois, além da informação meteorológica, a Defesa Civil agrega informação de outros setores, como hidrologia, geologia e mesmo questões da área de saúde”, recomenda Anete.