A temporada de chuvas em curso em Minas Gerais já entrou para a lista das mais trágicas dos últimos anos. Onze pessoas morreram na madrugada de domingo (12/1) em decorrência do temporal que atingiu os municípios de Ipatinga e Santana do Paraíso, no Vale do Aço. Com essas mortes, o número de vítimas durante o período chuvoso em Minas Gerais chega a 24, quatro vezes o total registrado no anterior – de setembro de 2023 a março de 2024 –, quando foram contabilizadas seis mortes, conforme dados da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec-MG). A previsão para hoje é de mais chuvas.
O atual período chuvoso já supera os de 2022-2023 e 2020-2021, ambos com 22 mortes registradas em sete meses. A temporada de 2021/2022 contabilizou 30 mortes, enquanto a mais grave dos últimos anos foi a de 2019/2020, com 73 óbitos. Faltando ainda pouco mais de dois meses para o fim do período chuvoso 2024/2025, Minas Gerais já enfrenta um cenário crítico, com 56 municípios em situação de emergência, quase o dobro dos 30 que recorreram a esse instrumento para facilitar as ações de recupração no mesmo período do ano passado.
O número de desabrigados, aqueles que precisam ir para a casa de parentes ou amigos, após os desastres, já alcançou 279, quase quatro vezes os 79 registrados no mesmo intervalo da última temporada chuvosa. Só em Ipatinga, na virada de domingo para ontem (13/1), foram 220 pessoas expulsas de casa em decorrência das chuvas. Enquanto o número de desalojados no estado, aqueles que necessitam de abrigo público, já é quase 110% superior ao período anterior (1.497 desalojados em 2024/2025 contra 715 caem 2023/2022).
A tragédia do último fim de semana acendeu o alerta para a vulnerabilidade das populações em áreas de risco, especialmente no período das chuvas intensas. Só em Ipatinga, dois dos 10 óbitos confirmados são de crianças. No Bairro Bethânia, que teve seis mortes, choveu 204 milímetros em poucas horas – quase o volume previsto para o mês inteiro ao longo madrugada de domingo. A tragédia é descrita pelas autoridades como uma cena de guerra. A cidade vizinha Santana do Paraíso também contabilizou uma morte em decorrência de deslizamentos.
GOVERNADOR PROMETE AJUDA
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), visitou Ipatinga ontem para acompanhar de perto os desdobramentos da tragédia. Segundo ele, ações emergenciais já foram implementadas, como a distribuição de kits de limpeza, colchões e outros itens básicos para atender os desabrigados. Zema anunciou que avalia a concessão de auxílio financeiro às famílias afetadas, além de estudar medidas de crédito para pequenos empresários que sofreram perdas. A previsão é que os valores sejam anunciados hoje.
"Fui pessoalmente a uma das áreas afetadas, conversei com moradores que perderam familiares. Estou levando as solicitações da população, mas precisamos reforçar o apelo para que as pessoas em áreas de risco deixem suas casas. Com o solo encharcado, novos deslizamentos podem ocorrer", alertou o governador. Os outros bairros mais afetados, além do Bethânia, foram Vagalume, Vila Celeste, Forquilha, Canaã, Bom Jardim, Esperança, Bom Retiro e Jardim Panorama. Como medida de precaução, as áreas vulneráveis foram evacuadas.
A previsão de mais chuvas mantém a região em alerta, e a Defesa Civil recomenda que os moradores das áreas de risco não retornem às suas casas até que seja seguro. A reportagem solicitou à prefeitura informações detalhadas sobre as áreas de risco mapeadas na cidade, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno. “Nós tivemos dezenas de deslizamentos de terra, então, cada local exige uma organização para levantar recursos e pensar em obras de contenção”, disse o prefeito de Ipatinga Gustavo Nunes (PL), em coletiva de imprensa.
Um decreto foi publicado ontem (13/1) para viabilizar depósitos financeiros no valor de um salário mínimo às famílias afetadas, além do pagamento de aluguéis sociais àqueles que tiveram que deixar suas casas e ficaram abrigados em escolas municipais e no estádio da cidade na noite de ontem. Mais de 70 equipamentos da prefeitura foram mobilizados para limpeza e desobstrução de vias. "Estamos lidando com um evento muito atípico. Em muitos bairros, a chuva acumulada ao longo de semanas deixou o solo instável. Além de prestar assistência, nossa prioridade é retirar as pessoas das áreas de risco. Não vale a pena arriscar a vida por bens materiais”, afirmou.
RISCO RECORRENTE
No ano passado, um estudo do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional apontou que 5,5% da população de Ipatinga – mais de 14 mil pessoas – residia em áreas de risco. Questionado pela imprensa sobre o que foi feito preventivamente diante desses dados, Zema frisou que a ocupação dessas regiões reflete uma questão histórica e nacional: o déficit habitacional. Muitas dessas famílias vivem há décadas em locais suscetíveis a enchentes e deslizamentos, sem que políticas públicas sejam suficientes para realocar essas pessoas de forma definitiva.
De acordo com Zema, embora o Estado tenha realizado obras importantes para reduzir riscos geológicos em algumas regiões, especialmente na Grande BH, resolver o problema de forma estrutural levará anos. "O governo do estado vem sempre mostrando o risco de se morar em diversas áreas, não só próximas a encostas, como próximo a rios ou cursos d' água, que muitas vezes a água é que causa o dano ou até mesmo a perda de vida. Infelizmente, há um déficit habitacional no Brasil. Os programas federais, estaduais e municipais de construir novas moradias, não têm sido suficiente para realocar essas famílias. O que está ao nosso alcance está sendo feito, mas muitas pessoas ainda resistem a evacuar áreas de risco, dificultando os esforços de proteção", disse.
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As chuvas também reacenderam o debate sobre a fiscalização de construções em áreas de risco. O prefeito de Ipatinga Gustavo Nunes destacou que sua gestão foi a que mais impediu novas construções irregulares na cidade. No entanto, ele afirma que resistência social e as críticas ao governo municipal em ações de remoção de famílias ainda são desafios a serem enfrentados.