Moradores de um condomínio no Bairro Portal do Sol, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estão considerando medidas agressivas para expulsar cachorros em situação de rua que circulam pelo local. Em uma troca de mensagens registradas nessa terça-feira (07/01), alguns moradores sugerem o desaparecimento e até sacrifício desses animais.

 

“Tinha que ter como mandar fazer sabão. Igual quando eu era criança”, diz um condômino. “Acho que teria que dar um jeito de sacrificar. Daqui a pouco teremos uma população gigantesca. Na hora que morder um e passar raiva... aí iriam resolver”, argumenta outro.

 

Outros moradores propuseram alternativas menos drásticas, como colocar os animais para fora do condomínio ou entrar em contato com órgãos competentes para levá-los a abrigos. "Entrei em contato com a prefeitura, mas não recolhem os cachorros. Hoje tentarei alguma ONG protetora, mas creio que não será fácil", afirmou um morador.

 




 

Outras mensagens expressam preocupação com a saúde e segurança de quem frequenta o condomínio. Em uma delas, um morador afirma que "quando alguém aparecer com leishmaniose... aí iriam recolher ou sacrificá-los... e colocar todos do condomínio de quarentena".

 

Ativistas protestam

 

Ativistas se mobilizaram para resolver a situação de forma a não prejudicar os animais. A ONG Vida Animal Livre defende que os cachorros que vivem nas ruas são vítimas da irresponsabilidade de muitos cidadãos que abandonam, maltratam e não castram seus animais. A organização também aponta que é responsabilidade do Poder Público criar políticas públicas eficazes. Além disso, a ONG considera as mensagens compartilhadas pelos moradores como “infames e criminosas”, evidenciando a irresponsabilidade de suas atitudes.

 

 

Val Consolação, ativista da causa animal, explica que é comum tutores abandonarem cães e gatos nas imediações do condomínio e que algumas pessoas até deixam comida para os animais. Ela destaca que o problema se agrava devido à situação das ONGs, que estão lotadas e sem condições de recolher tantos animais de porte médio a grande.

 

“Nesse condomínio específico, há poucas pessoas que cuidam dos animais. A maioria quer que eles saiam de lá. A situação é grave, porque as pessoas estão matando os animais. Precisamos entender que o abandono é uma realidade, e devemos tratar isso de forma consciente, sem ameaçar os animais ou quem os ajuda”, afirma Val.

 

A ativista também relatou casos de maus-tratos e envenenamento de animais, tudo na tentativa de eliminar a população de cães no condomínio. Segundo ela, atualmente um grupo de nove cachorros circula pelo local, e a Prefeitura de Contagem foi acionada para lidar com o problema, mas sem resultados. “A prefeitura deveria considerar a castração desses animais, pois isso ajuda no controle populacional”, argumenta.

 

Consultada, a Associação de Moradores do condomínio informou que a situação dos animais de rua foi levada ao Poder Público Municipal, e uma parte dos animais foi adotada por associados ou encaminhada a ONGs de proteção.

 

A entidade expressou preocupação com os animais, mas também com a possibilidade de zoonoses. "Há também preocupação com o comportamento agressivo de alguns animais, especialmente com crianças e idosos que caminham diariamente pelas ruas do bairro", completou, em nota.

 

Sobre os comentários, a associação esclareceu que seu canal oficial de comunicação é outro aplicativo e que não se responsabiliza por mensagens postadas individualmente. Ainda assim, repudia qualquer atitude agressiva contra animais em situação de abandono.

  


A Prefeitura de Contagem, por meio da Superintendência de Defesa Animal, informou que os responsáveis pelo condomínio já receberam a notificação referente aos supostos atos de maus-tratos aos animais. A administração também comunicou que uma nova fiscalização ambiental será agendada para esta semana.


Problema de longa data


Uma moradora, que preferiu não se identificar por medo de retaliação, afirma que a presença de animais em situação de rua no condomínio é um problema antigo, agravado pela proximidade de uma mata, onde os cães buscam abrigo entre as árvores. A associação informou que o aparecimento de cães abandonados é frequente e que, ao entrarem em contato com a prefeitura, foram informados de que o município não realiza o recolhimento de animais, realizando apenas exames de leishmaniose ou retiradas em caso de sofrimento, após avaliação veterinária.

 

Para evitar a entrada de novos cães, foram adotadas medidas como o cercamento das áreas do loteamento e a criação de um grupo voluntário de associados. Contudo, a moradora destaca que essa estratégia não tem sido eficaz, já que os animais ainda conseguem acessar a área pela portaria principal, principalmente à noite, quando há menos movimento. A prefeitura afirmou que está realizando tratativas em conjunto com os moradores e os proprietários da área de proteção ambiental.

 

Ela também destaca que os cães são dóceis e que nunca houve relatos de ataques dentro do condomínio. No entanto, alguns moradores já desapareceram com alguns dos animais, e, quando questionados sobre o destino deles, não responderam. Em uma das mensagens, um morador sugere a ideia de pagar alguém para "pegar todos e jogar no mato de novo".

 


“Eu acredito que devem ter soltado ele em algum lugar muito longe, sem acesso a água nem comida, sem chance nenhuma de sobreviver. Isso se não mataram ele no meio do mato”, relata a moradora. Ela também denuncia que o tratamento com os gatos não é melhor: “Há cerca de seis meses, apareceram vários gatos envenenados e simplesmente jogaram eles nas lixeiras do condomínio.”

 

Proteção dos animais


A ativista Val frisa que a relação entre as pessoas e seus pets mudou muito nos últimos anos, com tutores que consideram seus bichinhos como integrantes da família. Diante disso, as leis de proteção aos animais também avançaram.

 

A principal legislação é a Lei Sansão, de abrangência nacional. Em 2020, Sansão, um cão da raça pitbull, se tornou um símbolo após ter as patas traseiras arrancadas por agressores com o uso de um facão em Vespasiano, na Grande BH, onde residia. A veterinária que cuidou dele na época afirmou que o cachorro foi amarrado pela boca com arame farpado para que pudessem cortar as patas dele sem que reagisse.

 

Após o crime cometido contra Sansão, o Projeto de Lei nº 1.095/2019 se transformou na Lei Federal nº 14.064/2020 e foi batizada com o nome do cachorro. A ação foi uma alteração da lei de crimes ambientais, que agora inclui um capítulo sobre cães e gatos, e aumentou a pena para 2 a 5 anos de reclusão, multa e perda da guarda do animal.

 

“O olhar da sociedade mudou, hoje você não pode simplesmente matar um animal. Antigamente isso era quase comum e não acontecia absolutamente nada, hoje temos uma legislação específica como poucos países têm”, afirma Consolação.

 

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Paulo Crosara, advogado criminalista, explica que, a princípio, mensagens que não extrapolam a esfera da cogitação não enquadram-se como crimes – somente em casos de apologia ao crime, em que algo concreto esteja sendo planejado ou incitado por mensagens. No entanto, como há relato de “sumiço” e envenenamento de alguns animais, como mencionado pela moradora, trata-se de um caso que deve ser denunciado e investigado, justamente pela condição explícita de crime de maus-tratos.

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