ADAPTAÇÃO

Volta às aulas sem telas: e agora?

Colégios e famílias iniciam o ano letivo com o desafio de cumprir a lei, válida desde 13 de janeiro, que restringe o uso de celular no ambiente escolar

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O ano letivo na capital mineira tem início a partir de hoje (3/2) e vem acompanhado de um desafio para as escolas, pais e alunos: o cumprimento da Lei n° 15.100/2025, que restringe o uso do celular durante as aulas e intervalos. Às tradicionais ações para acolhimento dos estudantes e expectativas para mais um período escolar, somam-se as dúvidas sobre regras para uso de telas e suas consequências.


Na rede municipal de ensino de Belo Horizonte, foi realizada na última sexta-feira (31/1) uma reunião com diretores, vice-diretores, psicólogos, assistentes sociais e equipe interna da Secretaria Municipal de Educação (Smed) com o objetivo de discutir a legislação. Esse encontro teve como foco as orientações pedagógicas para o diálogo com professores, estudantes e famílias sobre a regulamentação. Além disso, a Smed afirmou que “foi enfatizado o início do trabalho com as crianças e adolescentes sobre o uso excessivo de telas a partir do início do ano letivo, em 5 de fevereiro.”


Os possíveis desdobramentos ineficazes da simples implementação da lei sem o devido diálogo é um dos receios no segmento educacional. No Colégio Arnaldo unidade Anchieta, a orientadora educacional Adriana Figueiredo conta que já planejou que vai passar nas salas para dialogar com os estudantes sobre os benefícios da distância da tela. “Vamos conversar com os alunos para trabalhar a questão emocional, afetiva e corporal”, ela afirma.

Eldo Pena, diretor do Colégio Arnaldo, acredita que se o estudante não for apresentado aos motivos, a medida pode parecer uma “pegação no pé” por parte da escola. “É a necessidade de educar para o uso. Proibição pela proibição não vai gerar nada”, diz.

Também está no radar das equipes pedagógicas a implementação de campanhas de conscientização junto à comunidade escolar, como no Colégio Santo Agostinho. “A ideia não é fazer a mudança de maneira brusca, mas como ela já vinha sendo feita, com calma, aos poucos, mantendo o diálogo com nossos estudantes”, afirma Gabriel Verdin, supervisor pedagógico do ensino médio da escola particular.


Sobre a Lei n° 15.100/2025


A Lei n° 15.100/2025, sancionada em 13 de janeiro, regula o uso de celulares nas escolas de educação básica em todo o Brasil. A medida visa melhorar o foco e a concentração dos estudantes, garantindo um ambiente mais produtivo e menos disperso. Segundo a legislação, o acesso aos aparelhos será permitido somente para fins pedagógicos ou em situações de emergência, segurança ou acessibilidade, visando proporcionar um ambiente mais saudável e produtivo para os alunos.


A lei não especifica de que maneira a restrição deve ser adotada. Assim, fica a cargo dos executivos estaduais e municipais e das instituições educacionais definir como os estudantes devem lidar com a medida, seja não levando os celulares para as escolas, deixando na mochila ou até mesmo colocando em algum local destinado para o armazenamento. A fiscalização da norma no estado é de responsabilidade do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).


Não há consenso entre as instituições na capital mineira sobre como vai haver a implementação e as consequências caso a medida seja desrespeitada. No caso da escola Olimpo, que tem unidades espalhadas pelo Brasil, os celulares não serão recolhidos pela coordenação, cabendo aos alunos mantê-los guardados. Além disso, “não vai haver nenhum tipo de punição, especialmente quando os estudantes vão passar por uma adaptação”, de acordo com Ronnie Lourenço, diretor de Ensino do Grupo Olimpo.


Nas escolas municipais, inicialmente os aparelhos não serão recolhidos. “Em caso de descumprimento, a prioridade será o diálogo, orientando os alunos sobre a importância de respeitar as normas, e acionando a gestão escolar e as famílias, quando necessário”, registra a Smed. Já no Colégio Sagrado Coração de Jesus, os celulares vão ser recolhidos e colocados em uma caixa fechada com cadeado. Isso já era implementado na escola, mas não de forma obrigatória.

 

Em casa

A legislação é vista com bons olhos pelos pais de crianças e adolescentes em idade escolar ouvidos pelo Estado de Minas. Alguns vão além do apoio à legislação e atuam como agentes precursores da medida. É o caso de Mariana Uchoa, uma das seis mães fundadoras do Movimento Desconecta, ação coletiva contra a exposição precoce e excessiva de aparelhos e redes sociais às crianças. A designer gráfica conta que a iniciativa surgiu em abril de 2024 nas seguintes circunstâncias: “Tínhamos filhos e a vontade de proteger a infância deles”.

Na época, Mariana e outras mães, cujas crianças frequentam a mesma escola na capital paulista, conversavam sobre os malefícios do celular e os obstáculos para proibir o uso. Foi nessa troca que as responsáveis perceberam que o principal motivo pelos quais os pais estavam dando celulares precocemente para as crianças era o receio e a pressão social dos filhos serem os únicos no ambiente de convívio a não ter o aparelho eletrônico.

Com o objetivo de superar essa questão da criança se sentir “excluída” das demais, as seis responsáveis firmaram um acordo entre elas e outros responsáveis da escola de não dar celulares aos filhos. Na época, em reunião remota para explicar a ideia, mais de 2 mil ingressaram, conta Mariana, que é mãe de três.

Diálogo com as famílias

É unânime entre profissionais da área da saúde e educação ouvidos pelo Estado de Minas: para uma implementação menos conturbada da legislação, o apoio das famílias é fundamental. “Não adianta só a escola batalhar com isso se o aluno chegar em casa e, no tempo em que lá estiver, ele ficar exposto às telas”, afirma Anna Paula Jorge Jardim, diretora acadêmica do Colégio Nossa Senhora das Dores na unidade Floresta, na Região Centro-Sul de BH. Na instituição, as aulas começam amanhã (4/2).

A promotora de Justiça Giselle Ribeiro de Oliveira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Educação (Caoeduc), também destaca que a colaboração dos pais e responsáveis é fundamental. Ela ressalta como a família tem um papel primário na formação e educação das crianças.

Paulo Leite, superintendente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinepe-MG), também reforça que o diálogo entre escola e responsáveis deve ser promovido.


Teoria e prática


“Mas é preciso ser posta em prática, nas escolas, sem colocar a responsabilidade nas costas dos professores, caso algum aluno use o celular”, observou o designer Maurício Mozeto, ao lado da mulher Deborah Cristina Pereira de Oliveira, analista do Judiciário, e dos filhos Augusto, de 11, e Benício, de 6 — todos curtindo a tranquilidade da Praça da Liberdade, símbolo da capital.

Deborah contou que Augusto “acaba de ganhar um celular”, então se trata de um cenário novo. “Mas é isso: que as escolas cumpram a lei e não permitam o uso, sem deixar a responsabilidade com os professores”. Para Augusto, “usar ou não usar, tanto faz", pois, nesse momento do passeio, prefere mesmo é o sorvete trazido pelo papai. “A gente ouve dizer que, muitas vezes, o professor está explicando a matéria, e os alunos, com a mochila aberta e o celular ligado, ficam nas redes sociais ou nos joguinhos”, conclui Maurício, demonstrando rejeição a essa postura e, portanto, apoio à lei.

“Vejo como muito saudável, positivo", diz o empresário Walker Silvério, residente em Itaúna, na Região Centro-Oeste de Minas. Na tarde de sábado, ele esteve a passeio na capital com os filhos gêmeos Rafael e Vitor, que completam 10 anos no próximo mês. “Na instituição onde os garotos estudam, os telefones estão proibidos bem antes da nova lei. Se precisarmos fazer contato com eles, podemos ligar para a escola”, conta o pai.

Com um saco de pipoca na mão, em visita aos museus do Circuito Liberdade, na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH, Rafael respondeu cheio de atitude à pergunta: “Nesse momento, o que é melhor, a pipoca ou o celular?”. Sem titubear, a resposta veio: “Depende do ponto de vista”, afirmou Rafael, certo de que, apenas em caso de necessidade ou urgência, o aparelho poderia ser usado em sala de aula.

O medo de ficar sem  celular

O hábito de uso intenso e constante dos aparelhos móveis pode levar crianças e adolescentes a apresentarem alguns sintomas negativos ao ficar sem o celular. Essa reação, que deve ser enfrentada em conjunto, tem nome: nomofobia, que significa: “o medo de se afastar do aparelho celular”, como explica Julia Khoury, psiquiatra, mestre e doutora em dependências tecnológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A nomofobia — que vem do inglês ‘no mobile phobia’ — está atrelada à falta de controle quando o assunto é o uso do smartphone.

Com a restrição do uso dos smartphones no ambiente escolar, a psiquiatra acredita que pode haver estudantes acometidos pela nomofobia, uma vez que eles podem ser dependentes dos aparelhos. “É muito comum. A prevalência está aumentando nos últimos anos, principalmente entre crianças, adolescentes e adultos jovens. Mas também toda a população”, afirma. Entre os sinais e sintomas do medo de ficar sem o celular estão: ansiedade, tristeza, irritação e até tremedeira, o que se assemelha aos casos de abstinência de substâncias.

Apesar das consequências do primeiro momento, a especialista em dependências tecnológicas acredita que a medida será benéfica para a saúde mental e física dos alunos a médio e longo prazo. “A melhor forma de reduzir a prevalência da dependência é diminuindo a acessibilidade. Quanto mais a pessoa tem o acesso constante e sem regras, maiores as chances de ela continuar com aquele comportamento”, afirma.


Superações


O combate à dependência enfrenta os diversos sintomas dessa condição, como: aumento da insônia; transtornos de ansiedade e de depressão; dificuldade de concentração; aumento da impulsividade; dificuldade de adiar as recompensas, “porque no celular as recompensas são muito imediatas”; e hipersexualização. Além dessas consequências, Julia Khoury também lista os impactos na saúde física, como o aumento de sedentarismo e dores no pescoço, ombro e costas, e a relação direta entre o vício e o crescimento nas ocorrências de atropelamento e outros acidentes de trânsito.

Julia Khoury afirma que se uma instituição educacional perceber casos de nomofobia, a primeira atitude deve ser acionar a família do estudante. Dessa maneira, o enfrentamento à dependência dos smartphones pode ser feito de maneira mais eficaz. “Sabemos que esse comportamento começa em casa (...). Normalmente, crianças e adolescentes que têm nomofobia têm pais que passam muito tempo no celular também”, conclui a psiquiatra.

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Recomendação para o uso de telas por crianças e adolescentes

0 a 2 anos
Evitar a exposição às telas sem necessidade


2 a 5 anos
Limitar o tempo de telas ao máximo de 1 hora por dia, sempre com supervisão de adultos


6 a 10 anos
Limitar o tempo de telas ao máximo de 1 a 2 horas por dia, sempre com supervisão de adultos


11 a 18 anos
Limitar o tempo de telas e jogos de videogame a 2 a 3 horas por dia

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

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