Tremor de terra

Após alta de 115% em 2024, Minas registra novo surto de abalos

Em menos de dois meses, 39 tremores foram registrados no estado, a maioria em Felixlândia No ano passado, total chegou a 97

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Depois de ver o número de tremores de terra mais que dobrar no ano passado em relação ao anterior, Minas Gerais começou 2025 com um novo surto de abalos. Entre 1º de janeiro e 23 de fevereiro já foram 39 registros, 26 dos quais em Felixlândia, na Região Central de Minas. Em menos de dois meses, as ocorrências quase alcançaram o total de 2023, quando houve 45 tremores. No caso de Felixlândia, entre 9 e 11 de janeiro, foram registrados 12 tremores de terra. Neste mês, não foi diferente. Apenas no domingo (23/2), foram seis. Em 2024, Minas teve 97 sismos detectados pelo Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP) – um aumento de 115,55% em comparação com o ano anterior. Em julho, o estado anunciou uma parceria para a instalação de novos sismólogos, iniciativa ainda não concretizada.


Embora especialistas não vejam nos números uma situação excepcional nem razão para alarme, os fenômenos vêm assustando moradores de Felixlândia e outros locais – como Frutal, no Triângulo, que somou 44% dos abalos de 2024 em Minas – enquanto o estado tenta elevar sua capacidade de medir e reagir a um tipo de evento que já chegou a causar morte no território mineiro, em 2007.


A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec-MG), em colaboração com a UFMG e a UnB, anunciou, em julho de 2024, a instalação de quatro novos sismógrafos em Minas, com foco em cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os novos equipamentos vão viabilizar e intensificar a coleta de dados sobre a frequência, magnitude e localização dos abalos. “A parceria vai contribuir para que possamos detectar sismos de menor magnitude. Isso é muito importante, do ponto de vista científico, para poder elaborar, no futuro, mapas de risco sísmico com maior precisão, para mitigar os efeitos desses eventos. Não podemos evitá-los, mas podemos nos preparar para eles”, afirmou o professor de sismologia Lucas Vieira Barros, da Universidade de Brasília (UnB), à época.

A expectativa era que as estações fossem instaladas até o fim de 2024, com operação plena da rede prevista para o início deste ano. Nessa segunda-feira (24/2), o professor informou que a UnB já está pronta para implantar os equipamentos, mas a infraestrutura para abrigá-los ainda não foi finalizada pelos parceiros. O Estado de Minas entrou em contato com a Defesa Civil Estadual para saber como está o cronograma de implantação da estrutura para receber os equipamentos, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.


Rede de monitoramento

O sismólogo Bruno Collaço, pesquisador do Centro de Sismologia da USP, explicou ao Estado de Minas os fatores envolvidos nos tremores e surtos de abalos. Eles afirma que o crescimento expressivo nos registros de tremores não indica necessariamente que “Minas esteja tremendo mais”. Ele explica que um dos fatores que podem influenciar no número de registros é exatamente a maior ou menor cobertura de estações sismográficas. De acordo com Bruno, há cerca de 100 estações espalhadas pelo país, e pode acontecer de algumas delas quebrarem ou perderem a transmissão. “Quando isso ocorre, ficamos com a cobertura prejudicada em determinada região, por um determinado momento, o que acaba influenciando a quantidade de eventos que registramos”, detalha. Com a recuperação dos equipamentos, a tendência é de que os registros aumentem.


A coleta de dados também é influenciada pela quantidade de abalos sísmicos registrados, uma vez que é um processo demorado. O pesquisador explica que uma atividade sísmica pode ser analisada e passar aos registros até anos depois de acontecer. Ou seja, os números do boletim são constantemente atualizados.

Ilustração
Ilustração Soraya

Surtos de abalos 

Se neste ano a maior parte dos abalos foi registrada em Felixlândia, em 2022 uma sucessão de tremores assustou a população de Sete Lagoas, na Região Central de Minas. Já em 2024, Frutal, no Triângulo, foi a líder disparada em número de eventos, com 43 registros. Segundo Collaço, município enfrentou o chamado surto de sismicidade.

É um fenômeno que também tem relação com o aumento de registros de abalos. O especialista da USP explica que esses surtos são uma série de abalos com pequenos intervalos, como ocorreu em Frutal, que apenas entre 18 e 25 de junho teve 12 sismos registrados – o mais intenso do estado no ano, de 4 pontos na escala Richter, ocorreu na cidade do Triângulo.


Outro surto de sismicidade foi registrado em Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, em 2022. De 10 de janeiro até 19 de fevereiro, foram 34, mas nenhum deles chegou a atingir 3 na escala Richter. A baixa magnitude é característica desse tipo de sucessão de abalos. A magnitude média dos tremores em Minas é de 2 na escala Richter, valor consideravelmente baixo, explica Collaço.


O fator de urbanização

O pesquisador destaca outros pontos relacionados à possível sensação de aumento dos tremores em Minas. “Em todas as semanas há sismos no Brasil, embora as pessoas geralmente não fiquem sabendo. O país é muito grande, e os eventos podem acontecer em lugares longe das cidades, dos centros. Quando acontece numa cidade mais populosa, causa esse alarde”, diz Collaço.


A intensidade, ou magnitude, dos tremores também interfere na percepção da população. Ou seja, todo ano pode acontecer quantidade semelhante de eventos – o que o sismologista diz ser o comum –, mas, em determinada época, as pessoas podem ter maior percepção e, consequentemente, acreditar que estão ocorrendo mais abalos.

Causas naturais ou não

“O tremor é causado pela movimentação dos blocos de rocha ao longo de uma falha geológica. Quando há essa movimentação, ondas sísmicas se espalham em todas as direções. É a passagem dessas ondas que as pessoas vão sentir”, explica o sismólogo. Quando acontecem surtos de sismicidade, a falha pode ter uma propriedade que a faz se movimentar por alguns dias, meses ou até anos.


O sismólogo acrescenta que abalos como os que acontecem no estado podem, sim, ser denominados terremotos, apesar de ser comum associar esse termo a sismos de alta intensidade. Bruno Collaço diz que, apesar de a movimentação de rochas ser a razão principal dos eventos, em alguns casos específicos a ação humana pode ser uma causa. Ele cita o exemplo de tremores, no interior de São Paulo, onde há perfuração de poços.


Outros tipos de intervenção humana, como a construção de grandes barragens, podem causar os chamados tremores induzidos, uma vez que alteram as condições de equilíbrio da crosta na localidade em que são feitas, explicou o professor Humberto Reis, do Programa de Pós-graduação em Evolução Crustal e Recursos Naturais da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), ao Estado de Minas em 2022, quando Sete Lagoas, na Região Central do estado, registrou tremores frequentes. “Para que causem sismos induzidos, entretanto, tais intervenções têm que ser de grande porte”, acrescentou. Para descobrir a causa específica de um tremor, especialistas dizem ser necessário um aumento de estações ao redor do local de ocorrência, estudos específicos e análise por meses.


Quanto à possibilidade de ocorrência de tragédias no país associadas à atividade sísmica, Humberto Reis explicou que o Brasil não está no limite das placas tectônicas, que existem na região do Oceano Pacífico, da Cadeia Andina, Himalaia, Japão. Portanto, os eventos tendem a ser de baixa magnitude. “O Brasil é considerado um paraíso, nesse sentido, por não ter experimentado grandes sismos e também não existir essa perspectiva. Mas isso não quer dizer que isso não possa acontecer.”


Temor e risco real

Apesar de todas as explicações científicas, o fato é que tremores de terra costumam assustar moradores das localidades atingidas, como a comerciante de Sete Lagoas Santa Gertrudes, de 57 anos, ouvida pelo Estado de Minas no início do ano, depois que a cidade registrou três tremores em menos de sete horas. “Parece uma carreta passando (na rua) ou uma turbulência. Dá medo. Ontem mesmo estava com medo de entrar em casa”, contou.


Porém, o sismólogo Bruno Collaço esclarece que “geralmente esses eventos não têm força para causar algum dano mais sério, como tombar uma casa”. O pesquisador explica que quando uma destruição acontece nessas circunstâncias, provavelmente está atrelada à qualidade da construção.


A organização pública responsável por monitorar os abalos em território nacional é a Rede Sismográfica Brasileira (RSBR), coordenada pelo Observatório Nacional, com apoio do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM). As estações são operadas pelo Centro de Sismologia da USP, Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (Obsis/UnB), Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LabSis/UFRN) e Observatório Nacional.

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Única morte ocorreu em Minas

A única morte associada a um tremor de terra no país ocorreu em Minas. Em 9 de dezembro de 2007, um abalo de 4,9 graus na Escola Richter praticamente devastou a comunidade rural de Caraíbas, no município de Itacarambi, Norte do estado, matando uma garota, na época com 5 anos. A menina dormia em casa com a família quando as paredes vieram abaixo. Seis pessoas ficaram feridas, duas com traumatismo craniano. Das 77 casas da localidade seis foram totalmente destruídas e as demais tiveram as estruturas abaladas. Todas as famílias foram removidas do povoado.

*Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia

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